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Análise da participação no Jornal AJIndo

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CAPÍTULO III Apropriação da comunicação dos brancos pelos Indígenas de Dourados: rádio, fotografia, cinema e internet

6 Análise da participação no Jornal AJIndo

“Participação”, “participar”, “participaram”, “participamos” foram palavras que apareceram por 37 vezes em todos os textos do Jornal AJIndo, analisados de fevereiro/2004 – dezembro/2006. A palavra, que demonstra um sentimento importante para os jovens - geralmente à margem dos processos político-histórico-culturais -, também tem importância fundamental para a comunicação popular-alternativa, no intuito de alcançar desenvolvimento da cidadania, retomada da auto-estima, mobilização e transformação social.

E como já foi teorizado, participação nos remete a faze r parte. Questionamo-nos então, até que ponto os jovens da AJI, em particular, e jovens indígenas de Dourados, em geral, fazem parte do Jornal AJIndo.

Para isso, embasamo-nos nos estudos de Bordenave (1983) sobre participação. Existe, para o autor, várias maneiras de se participar, além de graus e níveis de participação. Pensando com relação aos jovens indígenas que freqüentam a sede da AJI73, tentamos classificar essa maneira de “tomar parte”. Acreditamos primeiramente, que embora a entidade tenha nascido de uma necessidade sentida a partir dos jovens, de maneira voluntária, a AJI surge a partir de uma participação provocada. Esta classificação não se dá pejorativamente, mas indica que a GAPK teve papel preponderante ao incentivar reflexões, discussões e in strumentalizar o surgimento da Ação, atuando como uma entidade

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Atualmente a AJI tem como sede a GAPK, já que não possui recursos para se manter. Existe uma proposta de ocuparem em 2008 o Núcleo de Atividades Múltiplas (NAM) da Aldeia Jaguapiru, projeto de extensão do Centro Univers itário da Grande Dourados (Unigran), mas que ainda não foi efetivada

de apoio que oferece oficinas, cursos, equipamentos (como máquinas fotográficas e computadores) e a própria sede da AJI.

O grau com que participam os membros da Ação dos Jovens Indígenas seria considerado, de acordo com Bordenave, como co-gestão, “em que a administração é compartilhada por meio de mecanismos de decisão conjunta, como os colegiados” (1983, p.31).

Além disso, a participação se daria no Nível 1, em que os membros têm o maior poder de interferência, que, segundo o autor, se dá no nível da “formulação da doutrina e política da instituição”. É complexo, porém, tentar enquadrar a atuação da AJI nos padrões definidos teoricamente, até porque, nossa análise não busca identificar a participação dos jovens com relação à entidade, mas ao Jornal. Dessa forma, enxergar o Jornal como uma empresa em que existem dirigentes e subordinados, também se torna inviável, já que o meio de comunicação é construído de maneira coletiva, a partir das produções dos jovens. Se pensarmos com relação à organização da AJI, existe um colegiado composto por seis jovens, dois de cada etnia, que representam os outros nas decisões mais institucionais. Esta hierarquização, porém, não se faz presente no Jornal, pois não existem funções definidas (editor, repórter, fotógrafo etc) mas todos podem participar desde que seu trabalho seja aprovado pelo grupo.

Quanto à participação dos jovens indígenas da Reserva de Dourados no AJIndo, os níveis e graus são certamente diferentes. Primeiramente, vale lembrar que não existe uma restrição quanto à participação na AJI. Todos os jovens que se sentirem motivados a se unirem com os outros jovens, podem participar. O número de jovens que atua diretamente com a AJI e GAPK é, porém, reduzido. Isso se dá devido a não-permissão dos pais, dificuldades de socialização, locomoção (já que a sede da entidade é na cidade), e, às vezes, por terem que trabalhar ou cuidar da casa. De toda a forma, estes jovens entram em contato com o Jornal nas escolas indígenas em que estudam, por meio da distribuição realizada dentro da própria aldeia, ou ainda por seus pais terem ouvido falar sobre ele nas reuniões.

Na primeira turma que desenvolvia o Jornal, eram contados como participantes da AJI, 15 jovens, porém, catalogamos exatamente 60 jovens com textos publicados nos jornais de fevereiro/2004 a dezembro/2006. Buscando entender o desencontro entre os dados fornecidos pela ONG e os que identificamos na análise, parece- nos que alguns jovens

atuaram apenas esporadicamente no Jornal. Dentre os 60 identificados, 30 deles (50%), publicaram apenas um texto, desenho ou verso e 18 deles (30%), participaram com dois textos. Isso significa que 80% dos jovens que participaram destas edições, não tiveram quantidade expressiva de publicação no Jornal AJIndo. Talvez, devido a isso, não sejam considerados da “primeira turma do Jornal”74.

Os jovens da aldeia (os que não vão a AJI por opção ou dificuldade estrutural) participam, portanto, como receptores e/ou em forma de consulta facultativa, em que “os dirigentes podem, quando quiserem, consultar os membros pedindo sugestões, críticas, opiniões” (BORDENAVE, 1983, p.31). Mais uma vez, destacamos a não existência de uma relação entre dirigentes e subordinados, mais entre jovens que participam com os que não participam da AJI / Jornal AJIndo. De acordo com uma indígena kaiowá, pouco-a-pouco as pessoas estão procurando a AJI pra sugerir pauta, pedindo matérias e fotos. “Ainda não são muitas ligações da comunidade, mas já começou a aparecer. A gente fala que se eles tiverem precisando pra chamar a gente que a gente faz a reportagem completa”, destaca.

Esta forma de participação, embora pequena, deve ser considerada como muito positiva numa sociedade em que a forma mais aceita de comunicação é a face-a- face, pela oralidade.

Embora já tenhamos abordado a questão da participação na comunicação popular, retratada por Cicilia Peruzzo (1995, p.145), cabe aqui retomar a classificação buscando facilitar a relação entre a classificação definida pela autora e nossa análise prática. Significação, para ela, pode então significar:

a) O simples participar das pessoas, dando entrevistas, avisos, depoimentos [...] etc; b) Participar elaborando matérias (notícia, poesia, desenho etc);

c) Participar no processo de produção global do jornalzinho, do programa de rádio etc; d) Participar na definição da linha política, do conteúdo, do planejamento, da edição,

do manejo de equipamentos etc;

e) Participar do processo de gestão da instituição de comunicação como um todo (PERUZZO, 1995, p.145).

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É com esta expressão que a responsável pela ONG e uma indígena que atuou no Jornal desde o começo fazem referência ao grupo de 15 jovens, que constam nos dados, em entrevista concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008

Quanto a esta reflexão, podemos considerar que os jovens da AJI atuam da maneira descrita nos itens “a”, “b”, “c” e “d”, enquanto os indígenas da aldeia em geral atuam especificamente como no item “a” e, esporadicamente, podem atuar como o descrito no item “b”. Não houve classificação quanto ao item “e” (participar do processo de gestão da instituição de comunicação como um todo), pois acreditamos que, a partir do momento que os jovens dependem de recursos externos e equipamentos para produzirem e veicularem o Jornal, eles não desenvolvem o processo de gestão total.

Cabe ainda, neste tópico sobre participação, uma última observação sobre a utilização expressiva da palavra “comunidade”, 49 vezes, nos textos do Jornal AJIndo (Fevereiro/2004-Dezembro/2006). Consideramos que, apesar de a comunicação alternativa ser desenvolvida por grupos ou associações, a AJI busca representar não apenas os interesses dos jovens indígenas, mas de toda a população indígena de Dourados, a que denominam por tantas vezes como comunidade. Dessa forma, acreditam que a luta que os motiva não é uma luta isolada, de poucos, mas uma luta de todos os indígenas que, apesar de envoltos em conflitos internos, em guerras de etnias e disputas por lideranças e terras, estão unid os por alguns objetivos, podendo ser exemplificados: luta contra o preconceito, luta por voz, luta por melhores condições de educação, saúde, moradia, melhores condições de emprego, a luta contra a mortalidade infantil e contra o suicídio, problemas que dizem respeito a cada um e a todos, simultaneamente.

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