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A fixação dos indígenas em Dourados: formação das aldeias do Jaguapiru e Bororó

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CAPÍTULO II – A realidade social vivida pelos indígenas em Dourados/MS e sua abordagem pela mídia

5. A fixação dos indígenas em Dourados: formação das aldeias do Jaguapiru e Bororó

Para tratar da questão indígena em Dourados e da fixação dos Guarani, Kaiowá e Terena nas aldeias do Jaguapiru e Bororó, poderíamos retomar historicamente todo o processo colonizatório brasileiro, realizado pelo europeus por volta dos 1500. Optamos porém, por desenvolver um recorte mais atual dessa história de dominação, já que nosso objetivo não é o de oferecer um panorama geral histórico-antropológico e sim de contextualizar da colonização sul- mato-grossensse e as disputas que a partir daí se deram entre a população indígena e os não- índios.

Para isso, relatamos os fatos históricos que se deram no final do século XIX e começo do século XX. “A expansão capitalista que ocorreu na passagem do século XIX para o século XX foi um choque violento para as populações ameríndias que habitavam certas regiões brasileiras. Surgiram intensos conflitos fundiários devido aos processos de colonização não-indígena em diferentes partes do território” (TROQUEZ, 2006, p. 31).

Foi no começo do século XX que as terras da região do Mato Grosso do Sul passaram a ser ocupadas por colonos brancos. De acordo com Rubem Ferreira Thomaz de Almeida (2001), que realizou um estudo sobre os Guarani (Kaiowá e Ñandeva) no estado, foi a partir da ocupação branca que os indígenas passaram a ser notados e tornaram-se alvos de discussões com interesses político-econômicos, principalmente no que diz respeito a propriedades de terras.

De acordo com Brand (2002, p. 2) os Kaiowá e Guarani, até algumas décadas atrás, estavam dispersos por centenas de aldeias no Mato Grosso do Sul, situados entre o rio Apa (Bela Vista), Serra de Maracaju, rio Brilhante, rio Ivinhema, rio Paraná e fronteira com o Paraguai. O autor destaca que as primeiras interferências externas, referentes à ocupação do estado por frentes não-indígenas ocorre durante a Guerra do Paraguai e, especialmente, a partir de 1880, quando se instala na região a Cia Matte Laranjeiras. “Embora o trabalho de exploração da erva, por parte da Cia Matte Laranjeiras, seja responsável pelo deslocamento de inúmeras famílias indígenas, esta não questionou a posse da terra e, portanto, não fixou colonos e não desalojou as comunidades definitivamente das suas terras” (BRAND, 2002, p. 2-3).

Em 1910, porém, foi criado um aparelho do Estado, o SPI (Serviço de Proteção ao Índio) que implantou Postos Indígenas (PIs), com o intuito de fixar os nativos em áreas determinadas pelo governo. “Na política indigenista esboçada com a constituição do SPI, a criação dos PIs em áreas reservadas pretendia acomodar os índios encontrados na região, isto é, retirá- los de espaços tradicionalmente ocupados e assentá- los em áreas reservadas”. (ALMEIDA, 2001, p. 21).

Retomando Brand, temos os dados de que entre 1915 e 1928, o Governo demarcou para os índios Kaiowá e Guarani cerca de 18.124 ha, divididos em oito reservas de terra. “Inicia-se, então, um processo compulsório de confinamento das diversas aldeias e grupos

macrofamiliares, localizados em todo este imenso território dentro dessas reservas de terras demarcadas pelo Governo” (BRAND, 2002, p.3).

O fato de terem sido considerados nômades favoreceu a implantação de locais fixos para os indígenas com a explicação de que necessitavam construir escolas para as crianças, protegê- los do trabalho escravo e defendê- los da dizimação.

Sem realizar estudos e levantamentos acurados sobre a situação dos Guarani (suas informações segundo relatórios da época, provinham de regionais, principalmente indivíduos ligados à exploração do mate), a nova agência os classificava como ‘sem residência fixa’, reforçando o mito do nomadismo Guarani (MAGALHÃES, BARBOSA, apud ALMEIDA, 2001, p. 21), ainda presente nos dias de hoje e servindo, em muitos casos, como referência equivocada para pensá-los.

[...]

Com a implantação de uma nova ‘ordenação espacial’ sobre as populações indígenas, ampliava-se o controle federal sobre a região e liberavam-se terras (ALMEIDA, 2001, p. 21).

Para os indígenas, o tekoha10 apresenta-se como forte elemento aglutinador étnico,

sendo, além disso, o responsável pela sua sobrevivência. A partir do SPI e de acordo com os interesses dos não- indígenas que habitavam o Mato Grosso do Sul, algumas reservas foram designadas para o agrupamento indígena, buscando “aldear” os “desaldeados”.

Aglomerados em áreas reservadas e escolhidas por critérios não indígenas, os planejadores esperavam que os índios “evoluíssem” até uma “assimilação à civilização” para o “progresso comum”. Assim, para uma maior aproximação interétnica, os “aldeamentos” deveriam estar localizados de preferência nas proximidades de povoados, o que facilitaria a orientação dos índios no processo de integração entre as duas sociedades, com a decorrente assimilação dos costumes brancos (MAGALHÃES apud ALMEIDA, 2001, p. 22)

Dessa forma, as aldeias representavam não um local habitado por indígenas, mas uma delimitação forçosa a partir de aparelhos do estado que “podia ou não coincidir com uma ocupação indígena efetiva segundo seus próprios padrões tradicionais de ocupação territorial” (ALMEIDA, 2001, p. 22).

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Para os indígenas, tekoha significa a sua localidade, o espaço vital necessário para o desenvolvimento e sobrevivência da tribo. É este espaço que garante para a comunidade elementos e matérias-primas necessários para a alimentação, produção de artesanato típico e manutenção das tradições a partir da vida em comum. A terra é a garantia de sua identificação étnica.

Lacerda (2003, p. 4) ilustra a situação em que se encontram os índios devido à perda de seu tekoha e ainda, os interesses externos que a endossam.

Hoje a situação do índio é complexa, pois perderam praticamente quase todas as suas terras, deixaram de ser escravos oficialmente, até porque os negros africanos os substituíram na época, mas continuaram na dependência de terceiros, do Estado como é o caso atual. Em Mato Grosso do Sul a média de espaço por pessoa não mais lhes permite sobreviver como outrora. Além disso, boa parte da terra está em discussão judicial para saber de quem, de direito, é a terra que outrora fora dos povos nativos.

Nessa disputa estão os fazendeiros e agricultores que fazem parte da oligarquia e representam o velho capitalismo na sua essência

(LACERDA, 2003, p.4).

A Reserva de Dourados (RD), que engloba as aldeias do Jaguapiru e Bororó, também conhecida como Posto Indígena Francisco Horta, tem de acordo com MONTEIRO (2003, p. 39) cerca de 3600 ha e está intitulada segundo o Decreto nº 404 de 03/09/191711.

Acompanhamos por meio de uma “Exposição de Motivos”12, encaminhada em 1966 pelo chefe da 5ª Inspetoria Regional, Walter Samarí Prado, responsável pelos 17 Postos Indígenas da região sul do Mato Grosso, as características que compunham o PI Franscisco Horta. De “a” a “f”, segue transcrição do documento, na íntegra (apud MONTEIRO, 2003, p. 171-172):

a) Localização: Município de Dourados b) Área total: 3600 has.

c) Vias de comunicação: O PI Francisco Horta fica localizado a 4 km da cidade de Dourados, beneficiando portanto de todas as vias de comunicações que servem essa cidade. Rádio transmissor e receptor.

d) Benfeitorias: área toda cercada, casa da sede do posto, um trator, uma serraria, uma escola primária, um caminhão para transporte de toras, pequena lavoura e a criação de 80 bovinos mestiços.

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De acordo com o mesmo autor as terras estão registradas às folhas 82 do Livro nº 23, em 14/02/1965, no Cartório de Registros de Imóveis, na Delegacia Espacial de Terras e Colonização de Campo Grande em 26/11/1965, conforme despacho do Secretário de Agricultura do Estado de Mato Grosso de 23/11/1965.

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e) Reservas Naturais: Grande reserva de madeira, principalmente peroba, ipê e outras, é um posto bem servido de água, suas terras são ótimas para o cultivo de arroz, feijão, milho, batata, mandioca, trigo etc., são as melhores terras para cultura da região. Dado a sua localização, é um bom lugar para se desenvolver a criação de pequenos e médios animais.

f) População: 200 famílias de índios pertencentes à tribo caiuá, que moram já em seu respectivo lote de terra, conforme orientação dada pelo próprio SPI. Esses índios dedicam-se à lavoura ou ao trabalho na cidade ou com fazendeiros vizinhos.Dado a proximidades do Hospital das Missões Evangélicas Caiuá, qualquer caso de doenças entre esses índios é prontamente atendido nesse hospital, com o qual o SPI [Serviço de Proteção ao Índio] mantém convênio. Após concluir o curso primário na escola do Posto, jovens índios seguem o curso ginasial em Dourados, sendo isso um posto ideal para se estabelecer uma escola de aprendizagem agrícola. Vivem em pequenas casas de madeira, cobertas de casa ou de capim, piso de terra batida.

Essa imagem, porém não é a que temos acesso atualmente ao visitarmos a Reserva de Dourados. As casas se assemelham muito às encontradas em favelas: às vezes feitas de lona, às vezes de madeira e de maneira mais escassa, principalmente na aldeia do Jaguapiru, em que vivem na maioria índios Terena, são de alvenaria. Os indígenas reclamam também da dificuldade de plantio devido às características da terra e grande escassez de água. Além disso, o Posto Indígena que era composto por 200 tribos Kaiowá, segundo o documento, tem hoje cerca de 12 mil indígenas Guarani-Ñandeva, Guarani- Kaiowá e Terena. Aumentando o número de indígenas no mesmo terreno delimitado há mais de 80 anos, tornam-se mais escassos os recursos naturais e a possibilidades de sobrevivência harmoniosa.

Além das diferenças étnicas que permeiam essas tribos residentes em Dourados, existe a disputa por terra e por liderança.

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