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Representação dos indígenas na grande mídia

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CAPÍTULO II – A realidade social vivida pelos indígenas em Dourados/MS e sua abordagem pela mídia

7. Conflitos externos

7.2. Representação dos indígenas na grande mídia

Além dos problemas pessoais que resultam da interação da população de uma cidade relativamente pequena, com quase 200 mil habitantes, existe a preponderância de temáticas negativas com relação aos indígenas na mídia local e regional.

Dificilmente vê-se no jornal fatos que enalteçam ou valorizem a cultura indígena. Os fatos mais explorados são de delitos cometidos pelos indígenas, violência nas aldeias, suicídios, mortes por desnutrição, e assim por diante. “A discriminação racial é estimulada por políticos e pelos meios de comunicação que publicam informações distorcidas, preconceituosas e fantasiosas, com o intuito de confundir os cidadãos sobre os direitos indígenas e passam uma imagem dos índios como privilegiados, preguiçosos e selvagens ”, destaca o Relatório do Conselho Indígena Missionário (2005, p.115).

Essa retratação pela grande mídia também não é especificidade de Do urados. O mesmo relatório traz como exemplo um artigo publicado pelo Jornal Meio Norte (Piauí), em que um membro da Academia Piauiense de Letras, Heitor Castelo Branco Filho, produz um artigo intitulado “Índios – você quer ser um deles?”. “No artigo ele alega que ‘índio

pode tudo’, e que os caciques ‘de quando em vez, pra variar, estupram uma cristã’. Afirma ainda que os índios ‘são ladrões natos, contraba ndistas, criminosos e perversos’” (CONSELHO, 2005, p.115).

Em 2003, Rita de Cássia Aparecida Limberti desenvolveu sua tese de doutorado24 em Letras pela USP, analisando justamente os discursos e representações dos índios, a partir de análises semióticas do jornal “O Progresso”, de Dourados, num período que corresponde de 1950 a 2000; comparando-o com a Carta de Pero Vaz de Caminha. Conforme consta no resumo da autora, “a análise identifica os procedimentos discursivos pelos quais a imagem do índio é produzida e reproduzida, enfatizando as questões enunciativas”. Ao comparar o jornal com a carta de Caminha, ela afirma que na carta “o índio é mostrado como um ser inferior e incapaz. O jornal faz o mesmo, evidenciando um processo de reprodução contínua e perene” (LIMBERTI, 2003).

A representação dos indígenas distorcida pelas instituições midiáticas, não é partic ularidade de Dourados.

A jornalista apache Mary Kim Titla, responsável pelo desenvolvimento de uma revista eletrônica voltada a jovens indígenas nos Estados Unidos, foi questionada em entrevista ao Terra Magazine, publicada no Observatório do direito à comunicação25 sobre a relação entre movimentos indígenas e a mídia. Diante disso ela destaca:

As tribos norte-americanas são muito críticas com relação à forma como a grande mídia cobre suas comunidades. Eles crêem que as reportagens não os retratam de maneira favorável. Eles também acham que a mídia é mais rápida para cobrir assuntos controversos ou negativos do que para fazer reportagens positivas, porque "é isso que vende". Eu desafiei indígenas a serem pró-ativos e tomarem a iniciativa de construir uma relação com a grande imprensa. Eles podem iniciar o diálogo e fazer sugestões sobre assuntos que eles gostariam de ver publicados.

Uma pesquisa desenvolvida no Rio Grande do Sul, analisando a representação dos kaingángs na RBS TV, oferece a partir da perspectiva da imagem e tempo de fala, uma noção do tratamento dado aos indígenas na região.

24

LIMBERT, Rita de Cássia Aparecida. A imagem do índio: discursos e representações. Tese de Doutorado apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2003.

25http://www.direitoacomunicacao.org.br/novo/content.php?option=com_content&task=view&id=363&Itemi

Com relação ao tempo de fala, os dados resultantes da pesquisa (KLEIN, 2006, p.10) dizem que na totalidade das reportagens analisadas “se destaca o protagonismo da instit uição midiática, que ocupa 79,5% do tempo, seguida pelos indígenas que falam 14,1% do tempo e das outras instituições, cujas vozes ocupam 6,4% ”.

A leitura dos dados, feita pelo autor, traduz uma situação de representação desfavorável dos indígenas, quanto ao tratamento e temáticas abordadas.

No conjunto das reportagens, os indígenas têm poucas possibilidades de fala, porém, quando a reportagem é do tipo agonal o percentual de fala dos indígenas é, paradoxalmente, ainda menor e em contrapartida o percentual de fala da instituição midiática é a maior de todas. Quando os indígenas são mostrados como protagonistas, os seus argumentos são semantizados pela instituição midiática que lhes atribui um sentido negativo, ou seja, de perturbadores da ordem social (KLEIN, 2006, p.10).

Quanto ao tempo de veiculação das imagens. Há uma inversão nos números. Com relação à TV, os indígenas passam a ser mais mostrados, porém continuam sendo menos ouvidos.

Os indígenas aparecem mais nas imagens do que a própria instituição midiática através de seus agentes. A imagem dos indígenas é veiculada em 48,5% do tempo das reportagens, os agentes midiáticos aparecem em segundo lugar com 43,3% e os outros agentes possuem 8,2% do tempo de imagem. Porém, é a instituição midiática que fala, a maior parte do tempo, enquanto os indígenas aparecem (KLEIN, 2006, p.10).

Micheli Albina Bortolanza (2007), graduanda em Comunicação Social pelo Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN), analisou em sua monografia de conclusão de curso a representação da mídia impressa douradense a partir da análise do discurso. Para embasamento de seu trabalho, também foram realizadas entrevistas com responsáveis pelos dois jornais diários da cidade, com a editora do O Progresso, Maria Lúcia Tolouel, e o chefe de redação do Diário MS, Hélio Ramires de Freitas.

Segundo a autora (BORTOLANZA, 2007, p. 42-43), para O Progresso, a mulher indígena é notícia quando:

... existe um fato trágico, porque fatos positivos são raros. Então, ela é notícia quando ela perdeu um filho, ela é notícia quando ela suicidou-se, ela é notícia quando for morta por alguém ou espancada ou assaltada na estrada, tanto ela quanto ele.

Para o Diário MS, a mulher é notícia:

... só em caso de violência, estupro, assassinato, suicídios. A forma como os índios convivem nos remete muito a isso, não tem uma mulher líder indígena. Não tem nenhuma mulher na liderança das aldeias, elas não assumem, não estão nesses postos. Então o trabalho acaba sendo voltado para os homens (BORTOLANZA, 2007, p. 43).

Ainda na entrevista realizada com Hélio Freitas, tem-se um reconhecimento da mudança dos critérios jornalísticos relacionados aos indígenas em Dourados. “O critério de notícia sobre índio mudou no jornal devido a valorização que a mídia nacional e as organizações internacionais dão aos assuntos indígenas” (BORTOLANZA, 2007, p. 43). Conforme ressalta o entrevistado na monografia,

Eu acho que isso nos despertou, se a gente está aqui perto, alguma coisa está errado, porque que eles valorizam e a gente não, porque eles vêem importância de noticiar isso e a gente não, não com a mesma intensidade. Então alguma coisa está errado. Eu acho que nós que estamos errados, nós temos que divulgar, porque se a gente acha que não tem importância como deveria ter é porque a gente não divulga como deveria... (BORTOLANZA, 2007, p. 43)

Foi certamente a visibilidade nacional e internacional que possibilitou a inclusão de temáticas relacionadas aos indígenas nos jornais, mesmo que, ainda, essas temáticas sejam na maioria das vezes negativas, desfavoráveis a eles.

Já nas considerações finais, após analisar as edições de um a 31 de dezembro de 2006, Micheli Bortolanza afirma: “Diante disso, notamos que os jornais em questão priorizam uma abordagem sensacionalista dessa personagem [mulher indígena], privilegiando aspectos factuais que chamam atenção em razão de seu conteúdo imediatista trágico e/ou depreciativo, algo que foi confirmado pelo próprio editor e chefe de reportagem quando entrevistados”. Quanto à análise do discur so, a autora destaca:

Por essa razão, os jornais estudados ou silenciam quanto a essa mulher, expondo o quanto ela não tem prioridade nos critérios de noticiabilidade seguidos pelas empresas, ou, quando a abordam, o fazem de maneira tão depreciativa que acabam se tornando um ingrediente poderoso na construção de uma imagem negativa dessa mulher, contribuindo para sua posição marginalizada (BORTOLANZA, 2007, p. 57-58).

Embora o estudo da autora esteja pautado na temática feminina, que sofre com o preconceito de ser mulher, pobre e indígena, a partir dos outros materiais colhidos entendemos que o tratamento depreciativo e descompromissado socialmente com os indígenas não escolhe o sexo, mas se dá de maneira geral.

Diante dessa situação, conscientes do pouco espaço reservado aos indígenas na grande mídia e também da importância da comunicação mediada nos dias de hoje, Jaqueline, Kaiowá, escreveu no blog da AJI26, justificando a iniciativa da comunicação alternativa produzida pelos jovens indígenas:

Hoje em dia vivemos rodeados pelo mundo da mídia. Como hoje o capitalismo está em alta é o mundo dos ricos que está em alta.

Hoje na intenet, jornais , tv e rádio as principais notícias são dos famosos e dos ricos, mas nós da AJI também publicamos nossas notícias através do jornal AJIndo, blog, fotolog e clipping.Publicamos notícias da aldeia ou a grande parte do que acontece na aldeia.

Isso é um compromisso que temos com a comunidade, é um meio de nós anunciarmos o nosso povo. Um dos pontos negativos é que não temos o mesmo privilégio dos ricos e dos famosos, mas não deixamos isso nos vencer, afinal não há ninguém melhor que nós para falar da nossa comunidade.

Entender, porém essa dinâmica alternativa de comunicação, exige que nos debrucemos sobre as formas tradic ionais de comunicação, que fazem parte do dia-a-dia dos Terena e Guarani (Kaiowá / Ñandeva) das aldeias do Jaguapiru e Bororó. Para isso nos apoiaremos basicamente em entrevistas, garantindo que a especificidade da comunicação de suas comunidades seja retratada segundo suas visões de mundo.

26 Texto postado no dia 12 de junho de 2007, pela Kaiowá identificada como Jaqueline, sob o título “A mídia

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