• Nenhum resultado encontrado

Sobre quem se fala

No documento Download/Open (páginas 170-180)

CAPÍTULO III Apropriação da comunicação dos brancos pelos Indígenas de Dourados: rádio, fotografia, cinema e internet

2 Exploração e análise do conteúdo do Jornal AJIndo

2.3. Sobre quem se fala

Buscando um retrato dos atores principais dos 95 textos analisados, questionamo- nos: sobre quem se fala nos textos? O Gráfico 28 orienta nossa análise.

GRÁFICO 28

Sobre quem se fala no Jornal AJIndo - Fevereiro/2004 - Dezembro/2006 54 1 95 40 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Indígena Não-indígena Ambos Total

Aparecer na grande mídia para os não-indígenas é comum, para os indígenas não, a não ser que o tema seja negativo, conforme afirmam. O AJIndo, como veículo alternativo, é

um espaço em que eles têm a representatividade garantida. Mais uma vez, assim como aconteceu no blog dos jovens, a quantidade de textos que falam sobre o indígena é muito expressiva. Em 99% dos textos o indígena aparece, tendo exclusividade em 57% dos casos. Em 42% dos 95 textos, indígenas e karaí dividem espaço. Apenas cerca de 1% dos textos o indígena é citado de maneira única como ator, justamente apresentando-os de maneira negativa, e mesmo assim, deixando implícita uma comparação. No caso, foram entrevistados moradores de rua e catadores de lixo, sendo que o texto se propõe a apresentar a realidade deles, não- indígenas, destacando que ali tem desemprego, fome, miséria e discriminação também.

Notamos novamente o constante conflito interno em que vivem os jovens in

between, os jovens que mantém esse diálogo cultural. Como afirma Maria de Lourdes

Alcântara, este diálogo cultural que se dá entre indígenas e dos indígenas com os karaí “é um diálogo pleno, o que significa pleno também de conflitos e tensões”. As relações, conflitos e tensões são demonstrados o tempo todo nas produções, ora comparando-os (oito vezes), ora criticando-os ( cinco vezes), ora buscando valorizar suas culturas (sete vezes) e valorizar a importância do jovem indígena que está por trás da AJI (41 vezes).

2.4. Gêneros utilizados

Acreditamos ser importante também analisar quais os tipos de texto que os jovens mais produziram. Diante disso, num primeiro momento (Gráfico 29) demonstramos a divisão por gêneros (jornalismo informativo, jornalismo opinativo e entretenimento) e posteriormente (do gráfico 30 até o gráfico 32) quais os formatos explorados em cada gênero.

GRÁFICO 29

Gêneros utilizados no Jornal AJIndo - Fevereiro/2004 - Dezembro/2006 21 64 10 95 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Jornalismo informativo Jornalismo opinativo

Entretenimento

Total

Se no blog a quantidade de textos opinativos chegava a 63%, no jornal a porcentagem é ainda maior: 67% dos 95 textos são opinativos e 22% informativos. Cabe ainda aqui a menção de que a maioria dos textos considerados informativos não o são genuinamente, contém pequenos comentários no final, ou se utilizam de primeira pessoa, o que será discutido a partir do Gráfico 30.

Certamente, quanto a adequação de formatos, era de se esperar que o blog acolhesse mais textos que buscavam emitir opinião, até porque, muitas vezes caracterizado como um diário virtual, seria o mais adequado.

Acontece que, por ser impresso, o Jornal AJIndo tem maior influência dentro da comunidade indígena e é nele que os jovens pretendem mostrar suas opiniões. A demonstração de maior importância que assume o jornal, fica, inclusive, claramente demonstrada em uma entrevista66 com uma Kaiowá de 17 anos, que expõe sua frustração pelo jornal não ter sido rodado e como a comunidade reagiu. “O principal problema é que a comunidade indígena ligava aqui pra pedir reportagem. A gente fazia a nossa parte. A gente ia fazia a matéria, foto e depois o jornal não saiu. A gente ficou como? A gente prometeu

66

mas a gente não cumpriu. Como não teve jornal colocamos no site, mas eles querem no jornal, não no site” (Grifo nosso).

Devido a importância que o jornal tem na comunidade, se compararmos com o site, o jovem sente que está nele a oportunidade de ser ouvido, de expressar seu ponto de vista, apontar o que lhe aflige, criticar, reivindicar, desabafar. Certamente por isso, a inversão de exploração dos formatos de maneira adequada, se pensarmos na cultura não- índia como padrão, se dá.

Por fim, 10,5% dos textos analisados são dedicados ao entretenimento. Para análise do entretenimento, consideramos textos e / ou fotos que possibilitaram a identificação do assunto principal e aspecto central. Diante disso, foram analisados os conteúdos de contos, coluna social e quadrinhos. Outros itens como: música, agenda, sessão de piadas, cruzadinhas, desenhos avulsos, poesias, homenagens, agradecimentos e publicidades serão apontados num balanço geral dos jornais, sendo, portanto contemplados no trabalho, embora não analisados quanto ao assunto principal, aspecto central, atores, gênero e ilustrações.

GRÁFICO 30

Formatos jornalísticos encontrados em "Jornalismo informativo" no Jornal AJIndo -

Fevereiro/2004 - Dezembro/2006 8 11 0 2 21 0 5 10 15 20 25 Nota Notícia Reportagem Entrevista Total

O Gráfico 30 detalha o tipo de texto encontrado em Jornalismo Informativo. Destacamos como Jornalismo informativo 21 textos, fazendo a ressalva de que os formatos se misturam. Entre notas e notícias, entendemos o esforço feito pelos jovens de passar as informações da maneira mais imparcial possível, buscando transmitir o fatídico, porém esse objetivo não é atingido. Nas oficinas de redação, por algumas vezes, eles tiveram orientações sobre gêneros jornalísticos, incluindo informativos e opinativos. Porém, o jovem indígena que publica no AJIndo tem um interesse muito além do que passar informações a um receptor, que é o fato de ver-se representado e ouvido. Bem mais do que nas reuniões na aldeia, bem mais do que no Aty Guasu67. Ali, o sujeito emissor é ele. Maria de Lo urdes Alcântara68, ao ser questionada quanto ao público receptor, que deveria ser por nós conhecido para o entendimento das temáticas, gêneros, ilustrações etc, garante que “Na verdade ele não pensa num público, ele pensa nele. Esqueça o público!”, enfatiza.

Voltando à discussão dos formatos jornalísticos que se confundem, para entendermos como se dá a mistura estilística dos textos, exemplifiquemos.

O lead do texto intitulado II Simpósio Internacional69 apresenta a seguinte estrutura: “Nos dias 25, 26, 27 e 28 de abril aconteceu em Dourados o II Simpósio Internacional sobre Religiões, Religiosidades e Cultura, realizado no Espaço Cultural Cine Ouro Branco, promovido pela UFGD / UFMS”.

Já no último parágrafo do texto, que tem quatro, a autora diz: “Eu fiquei muito nervosa, mas comecei a me dar bem nas perguntas. Tudo foi muito rápido, quando vimos já estávamos no fim. Foi ai que percebi que nem tudo era tão difícil assim, tudo foi muito legal”.

Para ela, não basta passar a informação de que houve um evento e a AJI participou. O mais importante dessa história, para ela, foi o fato de que o nervosismo foi se transformando em segurança e deu tudo certo. Ela venceu. “Se deu bem nas perguntas” e “nem tudo era tão difícil assim”. Esse comentário que consideramos como um complemento do texto, é totalmente opinativo, porém devido ao esforço inicial de trabalhar

67

Em guarani, significa “grande assembléia”, que reúne indígenas de toda a reunião para discussões sobre problemas, projetos futuros, ações sociais e políticas

68 Em entrevista concedida à autora no dia 18 de janeiro de 2008 69

os outros três parágrafos com a estrutura informativa, assim o consideramos, deixando clara a ressalva de que os textos que se encaixam como informativo, não o são plenamente.

Em outro texto70 fica mais clara a necessidade de se sentirem parte do grupo, de serem parte do grupo. Esse desejo faz a exploração da primeira pessoa (do singular ou plural) se sobrepor ao desejo de produzir uma nota / notícia.

No dia 24 de julho de 2004, o grupo AJI viajou para Bonito, onde estava acontecendo o V Festival de Inverno. Se apresentaram vários grupos, um deles foi o de dança de rua cujo o nome é FUNK-SE. Eles dançaram todos os tipos de música, mas, numa só coreografia. Foi muit o legal ver eles dançando. Algumas pessoas do AJI tiraram fotos, inclusive eu; junto com o grupo Funk-se (GONÇALVES, T., 2004, p. 2, grifo nosso).

Ainda refletindo sobre isso, nos questionamos sobre o fato de ser importante ou não que eles aprendam os gêneros jornalísticos e passem a utilizá- los, já que se trata de um jornal que, inclusive, não demonstra ter a intenção de ser reflexo dos grandes veículos impressos de comunicação. O fato é que o jornal tem um público heterogêneo, cheio de complexidades e pe rmeado por hibridismos de todas as formas. Se o texto noticioso não contiver os comentários de quem discutiu com outras pessoas o tema, talvez não tenha tanta importância, nem traga tanta contribuição para a comunidade indígena como um todo. Até então, esta sente a necessidade de que o autor diga o que pensa porque também quer saber quais seriam as possibilidades pra se pensar sobre o fato, ou seja, as opiniões de outros, com mais acesso à informação.

Dentro de “Jornalismo Opinativo”, o desrespeito aos formatos jornalísticos ocidentais também é explícito.

70

GRÁFICO 31

Formatos jornalísticos encontrados em "Jornalismo opinativo" no Jornal AJIndo -

Fevereiro/2004 - Dezembro/2006 11 0 0 0 2 64 4 3 44 0 10 20 30 40 50 60 70 Editorial Comentário Artigo

Resenha Coluna Crônica

Caricatura

Carta Total

Dentre os formatos mais explorados no gênero opinativo, o “Comentário” representa quase 69% dos 64 textos. Em segundo lugar, ganham destaque os artigos, com pouco mais de 17%. Após estes, colunas atingem 6,25%, e os editoriais, com três textos, representam 4,7%. Cartas, com dois textos, apenas 3%.

O número tão expressivo de comentários e artigos vem mais uma vez ao encontro do entendimento de que os indígenas utilizam o jornal para exporem seus pontos de vista. É mais uma vez a demonstração da necessidade de terem voz, mas para além disso, reflete o desejo de reconhecimento dentro da própria Reserva de Dourados.

Quanto às colunas, entendemos que houve uma tentativa de fixá- las por duas ve zes: uma intitulada “O que é a AJI” e outra “Quem somos”, porém, só apareceram por duas vezes cada. Ao nosso ver, esse tipo de texto seria classificado como Editorial, mas este formato é um caso a parte, pois o próprio jornal classificou como editorial, os que assim acredita serem. Em nossa análise, portanto, respeitamos a classificação proposta por eles.

Na edição especial nº 2, por exemplo, aparece na mesma página o “Quem somos” e um texto abaixo, sob o selo editorial. Vale ainda ressaltar que, mesmo os editoriais sendo assim denominados por eles, o formato apresenta algumas inadequações; por exemplo,

texto assinado e a utilização com exagero da 1ª pessoa do singular. Dessa forma, o editorial parece ter, para eles, uma outra concepção. Quanto ao fato de serem todos assinados, entendemos ser a explicação, a necessidade de dar os créditos aos que se esforçaram na produção de um texto e querem se ver representados no jornal. Maria de Lourdes Alcântara reitera que “todos os textos precisam ser assinados justamente para valorizar o jovem e deixar clara a sua opinião. A assinatura funciona como fator de identificação”.

Posterior a essa análise, sigamos para a classificação do Entretenimento. O Gráfico 32 nos auxilia, quanto aos dados.

GRÁFICO 32

Entretenimento analisado no Jornal AJIndo - Fevereiro/2004 - Dezembro/2006 1 2 7 10 0 2 4 6 8 10 12 Quadrinhos

Conto Coluna Social Total

Em entretenimento, encontramos um número expressivo de colunismo social. Dentro de um jornal que se pretende alternativo, nos questionamos a respeito do mau-uso do espaço, porém, após todos os dados em mãos, entendemos a importância que é dada à imagem pelos jovens, e a partir daí, passamos a fazer uma outra leitura dos materiais. Em quase todas as edições, as colunas sociais demonstram os jovens em eventos, desenvolvendo atividades de lazer e de aprendizado. O fato de se verem nas publicações é muito positivo para a melhora da auto-estima. É a partir dessa representação que eles se

vêem com prestígio e também são vistos por seus amigos e familiares, alcançando visibilidade na comunidade indígena.

Como já ressaltamos anteriormente, a análise do entretenimento engloba apenas textos e / ou fotos que possibilitaram a identificação do assunto principal e aspecto central. Desta forma, analisamos os conteúdos de contos, coluna social e quadrinhos. Música, agenda, sessão de piadas, cruzadinhas, desenhos avulsos, poesias, homenagens, agradecimentos e publicidades, a partir de agora, serão apontadas especificamente de acordo com cada edição do Jornal.

A começar pela Edição 1, destacamos o fato de não haver nenhuma manifestação de entretenimento, até porque a edição, por ser a primeira, certamente foi pensada de forma a aproveitar o máximo possível o espaço.

Já na Edição Especial nº 1, além do entretenimento analisado, o Jornal apresenta uma agenda e um quadro de recados, denominado Coluna social que só traz, porém, lembretes de aniversários e outras atividades.

Na Edição Especial nº 2 , identificamos apenas uma galeria de desenhos. Há na página dois uma nota intitulada “Agenda”, que fora considerada como texto em nossa Análise de Conteúdo por possibilitar a classificação do assunto principal, aspecto central, atores envolvidos e gênero jornalístico.

A Edição Especial nº 3 traz uma foto com título, Agenda e uma música produzida sobre a AJI, sem identificação de autoria. Além disso, esta edição traz como novidade a inserção de um box contendo três propagandas no estilo “apoio cultural”, todas dividindo um mesmo retângulo. São anunciados a gráfica Akatsuka, que faz parcerias com a entidade reduzindo os custos da impressão ao saírem anunciados, o Supermercado Santo Antônio, que apóia os eventos doando alimentos e o Espaço Cultural Ouro Branco, outro parceiro da AJI.

Na Edição Especial nº 4, o Jornal apresenta uma agenda e o mesmo box contendo as propagandas no estilo “apoio cultural”. Além disso, traz uma galeria de desenhos, contemplando a produção artística de dois indígenas, uma de 11 e outro de 13 anos.

A Edição Especial nº 5 busca entreter com um canto indígena assinado pela guarani Graciela Pereira de Souza, 20 anos, sessão de piadas, recadinhos, agenda (intitulada “últimas notícias”), uma agenda voltada a mostras de cinema indígena e duas homenagens a

indígenas mortos - uma referente “a uns mano que morreu”, e outra, denominada “O suicídio (In Memoriam)”, é destinada a um kaiowá de 12 anos, Nelinho. Este jornal traz ainda uma particularidade. Devido ao caso de Porto Cambira em que três policiais foram violentados dentro da aldeia, dois mortos e um ferido, e devido ainda a grande repercussão de notícias negativas com relação aos indígenas na grande mídia, esta edição veio encartada com um manifesto, em que os jovens indígenas se propõem a oferecer “O Outro Lado da História” explicitando sua versão quanto ao caso e pedindo melhor apuração da imprensa e menos generalizações.

A Edição Especial nº 6 apresenta um versinho chamado “Dança de rebelde”, uma poesia em que não foi possível identificar assunto principal, aspecto central denominada “Sou a poeta desconhecida”, a tradução de uma música do Rebeldes (Solo quédate em silencio ) para o português, sessão de piadas, um desenho feito por Ernesto (kaiowá) da colega Indianara (kaiowá), cruzadinhas, recados e agradecimentos a colaboradores do evento “AJItando os jovens”. Quanto às propagandas, contém duas propagandas (Gráfica Akatsuka e Espaço Cultural Ouro Branco) na página três. Vale ressaltar que, nesta edição, aparecem delimitadas em espaços separados, diferentemente dos jornais 3 e 4, deixando de lado, ainda, o estilo “apoio cultural” e começando a divulgar telefones e endereços.

Por fim, na Edição Especial nº 7 encontramos uma sessão de piadas, cruzadinha, desenhos e recadinhos. Contém três propagandas assim distribuídas: Gráfica Akatsuka na página quatro, com telefone e endereço; Espaço Cultural Ouro Branco, página cinco, telefone e endereço e a Escola de idiomas FISK, somente o logo, na página sete. Como os indígenas têm participado de eventos por toda a América Latina, a AJI tem uma parceria com a escola FISK em que alguns dos jovens estão aprendendo espanhol. Como parte da parceria, a FISK aparece no Jornal AJIndo.

Percebe-se que a partir do Jornal de número 5, os jovens começaram a dar mais especo para entretenimentos como piadas, cruzadinhas, recadinhos. Foi também a partir deste jornal que houve um aumento do número de páginas, o que pode justificar o incremento das atividades lúdicas, que sempre atraem a atenção de leitores.

Finalizando os gráficos que produzimos a partir da Análise de Conteúdo, verifiquemos os tipos e quantidades de ilustrações que foram publicados de fevereiro de 2004 a dezembro de 2006.

No documento Download/Open (páginas 170-180)