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Iniciando as análises, retomaremos as questões da pesquisa apresentadas no capítulo 1:

a) Quais foram os resultados efetivos da Oficina de Design para as rendeiras e para o Núcleo de Produção?

b) Por que os ensinamentos repassados na oficina não foram absorvidos e continuados pelas rendeiras?

Essas questões fazem emergir inicialmente um importante ponto de reflexão das análises: as mudanças no trabalho. A respeito disso, Schwartz e Durrive (2007) discorrem: “[...] não há modelo único de interpretação destas mudanças. É preciso estar atento à atividade das pessoas que trabalham [...]”.

Quando passamos a analisar as repercussões da oficina sob a ótica das pessoas que trabalham, no nosso caso, das rendeiras, percebemos que essa resistência às inovações por parte dos trabalhadores é algo já observado e comentado por alguns autores:

Eu não creio, absolutamente, em resistência à mudança. É uma maneira de fugir do assunto. Eu creio que a mudança tem um custo e este custo não é o mesmo para todos. Tratar a questão como algo da ordem das aptidões ou das capacidades é um absurdo. As pessoas são perfeitamente capazes, mas é preciso criar condições que lhe permitam mudar (SCHWARTZ; DURRIVE; 2007).

A partir dessa perspectiva, não se pode afirmar que a não continuidade dos trabalhos se deu simplesmente pela resistência das rendeiras. Torna-se necessário pôr em prova o tipo de mudança, o que se propunha com a oficina.

Observamos que o modelo da Oficina de Design oferecida para o Núcleo de Produção se configurava como uma ação de caráter pontual, de curto período e focada apenas no produto. Trata-se de um modelo pré-concebido, um pacote de ações prontas, com regras e restrições pré-definidas para serem aplicadas a qualquer realidade produtiva, baseado numa visão superficial das necessidades dos artesãos, do tipo de artesanato produzido e de suas características. Essa percepção superficial acaba por desconsiderar muitos aspectos inerentes à produção e organização artesanal, indo de encontro aos conceitos da Antropotecnologia, que preconizam o estudo e respeito às características da comunidade receptora de forma global.

Nesse contexto, percebe-se que as mudanças propostas para as rendeiras deveriam, de alguma forma, estar adaptadas às artesãs, à forma de organização do trabalho, ao processo produtivo e ao produto, considerando os aspectos econômicos, sociais e culturais, a ponto de gerar motivação e expectativas positivas para a incorporação da mudança de forma espontânea.

A mudança foi oferecida como opção e não como uma adesão obrigatória, podendo, como tal, ser acatada ou não. Por que a rendeira cederia a uma mudança que não transformaria sua situação econômica, nem a tornaria mais ou menos capacitada e qualificada, podendo, ainda, pôr em risco a renda tradicional? É fácil entendermos a resposta dessa questão quando percebemos que o problema está na oficina (método e objetivos) e não nas rendeiras.

Ainda quanto a essa perspectiva, acreditamos que, na organização do trabalho artesanal cooperativo, o domínio sobre o produto e processo, a autonomia da atividade de trabalho, a segurança e auto-afirmação na produção tradicional, dentre outras características marcantes do modo de produção artesanal, são as “armas” de que a rendeira dispõe para preservar sua tradição e não ceder a qualquer mudança. Esse fato se diferencia, por exemplo, da produção industrial, em que as mudanças são muitas vezes obrigatórias, e o funcionário é, na maioria dos casos, pressionado a se “adequar” às inovações sob pressão e risco de demissão.

O conhecimento da atividade de trabalho, sob diversos aspectos, é determinante para a introdução de mudanças e fato comentado por alguns autores que estudam essa temática. Schwartz e Durrive (2007) defendem que “[...] é preciso estar atento à atividade das pessoas que trabalham [...]”. Wisner (1999) afirma que “[...] numa transferência de tecnologia

é necessário haver um estudo prévio das realidades locais e a participação de ambas as partes [...]”. Guérin et al (2001) ressaltam que “[...] é preciso conhecer o trabalho para transformá-lo [...]”.

Essas afirmações revelam a importância de se conhecer a atividade das rendeiras e a realidade produtiva local, de modo a existir o entendimento de muitas questões que são fundamentais nas intervenções e na efetivação da mudança. A par disso, torna-se, então, importante pontuarmos as seguintes características da produção artesanal da renda de bilro:

a) o saber fazer do artesão, ou seja, o domínio sobre o produto e processo de criação, é característica marcante da forma de organização do trabalho artesanal e bastante presente na atividade das rendeiras. Elas têm autonomia para escolher e produzir as peças, independente de perspectiva de venda; b) a organização do trabalho e da produção foi definida pelas rendeiras. As

lideranças emergiram do próprio grupo em meio a um espírito de coletividade e respeito mútuo;

c) o ritmo de trabalho é definido por cada artesã; a carga horária é flexível e, embora haja compromisso, elas não se sentem obrigadas a freqüentar o espaço, além de não existir nenhuma pressão externa que interfira no seu tempo, ritmo e carga de trabalho;

d) as rendeiras têm uma ligação cultural e histórica com a renda de bilro, são moradoras da antiga vila de pescadores e aprenderam o ofício com suas mães, avós, amigas, sendo esse conhecimento passado entre gerações.

Observamos, também, que essas características são elementos indissociáveis do trabalho das artesãs; estão concatenadas com suas vidas, expectativas e objetivos. As rendeiras procuram zelar e cuidar para que isso não se altere, situação que vem confirmar as palavras de Leite (2005, p.30) ao afirmar que “[...] as práticas artesanais não estão dissociadas do modo de vida de quem as produz [...]”.

Reflexões a respeito da oficina, baseadas nas considerações de Santos et al (1997) sobre Antropotecnologia, indicam que a desatenção de alguns aspectos possivelmente contribuíram para a não incorporação dos ensinamentos da oficina no cotidiano das rendeiras. Dentre eles, destacamos:

a) Aspecto socioeconômico:

i. de um modo geral, as rendeiras que participaram da oficina fazem parte de um grupo de pessoas com condições financeiras limitadas. A proposta da oficina visava à aplicação da renda de bilro em outros produtos industriais,

que seriam fornecidos pela instituição, mas que deveriam ser adquiridos pelas artesãs na continuidade dos trabalhos, necessitando estas de um capital de giro;

ii. para as rendeiras do Grupo de Foco 1 (que freqüentam o Núcleo diariamente), possivelmente o retorno financeiro não é o principal elemento motivador da produção. A satisfação e o prazer no trabalho, independentemente da venda, têm mais representatividade na motivação das artesãs do que uma produção que visa apenas ao retorno financeiro;

iii. para as rendeiras dos Grupos de Foco 2 e 3, possivelmente o baixo retorno financeiro da produção e comercialização da renda de bilro foi um dos motivos de afastamento do oficio; assim, as intervenções de design deveriam considerar as diferenças entre os diversos grupos de artesãs e as necessidades de cada grupo;

iv. o faturamento na produção da renda de bilro tradicional é baixo. As propostas dos “novos” produtos poderiam aumentar o faturamento, mas, ainda assim, não mudariam significativamente a realidade econômica das rendeiras;

v. os reflexos da urbanização e modificações promovidas pelos avanços turísticos na Vila de Ponta Negra foram sentidos na produção da renda de bilro, principalmente pela geração de oportunidades de empregos formais e informais que levaram algumas artesãs a abandonar seus ofícios e desestimularam as novas gerações ao aprendizado da renda, apesar dos baixos salários e imprevisibilidade de ascensão nas ocupações disponibilizadas a essa população. A oficina deveria levar em conta essa peculiaridade para inserir ações que visassem à conscientização da importância e manutenção da arte na Vila de Ponta Negra.

b) Aspectos socioculturais e antropológicos:

i. as artesãs possuem nível de escolaridade baixo e conhecimento na renda de bilro avançado; portanto, a introdução de mudanças no contexto produtivo deveria considerar esse aspecto com especial relevância, no sentido de não superestimar, tampouco subestimar suas capacidades. Conforme análise desenvolvida por Bezerra (2008), as produções de pequenas aplicações (sol, lua, ondas, etc.) podem ser consideradas, pelas rendeiras, como um

retrocesso do seu aprendizado, uma vez que elas produzem peças bem mais complexas;

ii. a renda de bilro tem características particulares, assim como a maioria das tipologias de artesanato. O tradicionalismo da arte estão associados às características desse tipo de renda. Mesmo sendo possíveis de serem rendados, os novos desenhos propostos na oficina possuíam tramas e formas diferenciadas das peças tradicionais, descaracterizando a renda tradicional. Uma pesquisa aprofundada da tipologia artesanal deveria ser prevista pelas instituições que financiam as intervenções.

c) Aspectos geográficos e demográficos:

i. a Vila de Ponta Negra fica localizada numa região da cidade de Natal onde a exposição ao turismo é bastante favorecida. Nesse aspecto, as rendeiras da Vila levam vantagem, se compararmos, por exemplo, com as artesãs da cidade de Alacaçus/RN, onde também existe produção da renda de bilro, mas o acesso à comunidade é muito mais difícil. Apesar da facilidade de acesso à Vila, o “turismo” ainda não explora esta questão de forma efetiva. Comprova-se isto pelo baixo número de turistas que visitam o Núcleo. A observação desse aspecto poderia ser estudada, analisada e potencializada em ações que procurassem levar o turista ao Núcleo de Produção.

d) Aspectos sobre condições de trabalho:

i. a oficina ocorreu em 40 horas e, nesse período, exigia-se a máxima produção possível de novos produtos. Esse fato elevou a carga de trabalho física e mental das rendeiras, gerando uma mudança na forma de organização do trabalho do Núcleo.

ii. a forma de organização do trabalho artesanal cooperativo observado no Núcleo é ponto positivo das artesãs. Essa questão deveria ser considerada em ações que estimulassem o senso de trabalho coletivo e valorizasse e potencializasse as capacidades de cada rendeira, em vista de um objetivo comum.

A metodologia adotada na oficina, focada apenas no produto, não observou as necessidades e interesses das artesãs, não considerando a realidade do “receptor”, da nova tecnologia no seu contexto global, colocando os aspectos estéticos e formais como únicos

elementos capazes de resolver problemas de produção, além de dar maior ênfase às questões de design. A respeito disso, Imbroisi (2008) relata que as modificações no design dos produtos artesanais não são a única solução. É necessário sanar também problemas de gestão e organização das pessoas que produzem, das comunidades e dos artesãos individuais.

A participação do designer no setor artesanal é alvo de várias discussões. Freitas (2006) ressalta a necessidade de realização de um diagnóstico técnico e cultural, de um conhecimento e domínio da técnica artesanal, assim como a compreensão da cultura que envolve o produtor ou a comunidade produtora, para que o profissional que atua no planejamento do produto visualize as dificuldades e resistências perante as sugestões de inovação.

Uma questão bastante pertinente tem sido discutida entre os profissionais de Design. Trata-se do Código de Ética para Designers. Niemeyer (2008) defende que seja ampliado o debate sobre a ética da profissão no Brasil e mostra que já existe um código internacional que define uma base de princípios éticos relacionados à prática do design. Segundo a autora, o código internacional coloca as seguintes responsabilidades para esse profissional: a) responsabilidade em relação ao cliente; b) responsabilidade em relação ao usuário; c) responsabilidade em relação ao ecossistema da terra; d) responsabilidade em relação à identidade cultural; e) responsabilidade em relação à profissão em si.

A autora destaca, com especial relevância, a responsabilidade do designer em relação à identidade cultural e reforça que, no Brasil, além da obrigação de suprir as necessidades humanas por meio de sua competência, criatividade e método, esse profissional também deve estar sensível às prioridades sociais e culturais. Ela faz uma crítica aos cursos de Design no Brasil que têm dado pouca ênfase à preparação do profissional quanto a essas questões, o que nos faz refletir sobre a necessidade de o designer adquirir uma formação em nível de pós-graduação, adequada e dirigida para o seguimento do setor artesanal, antes de fazer intervenções nesse referido setor.

Entendemos que a utilização da ética pelos profissionais de design em relação às ingerências no artesanato deve ser uma prática primeiramente conhecida, facilitada e exigida pelas instituições que financiam essas intervenções. Uma maneira de se fazer isso é considerar um tempo e remuneração do instrutor para que este, previamente à ação, passe a estudar e conhecer as características da tipologia artesanal com qual irá trabalhar, de modo a conhecer os pormenores da atividade e elaborar propostas de modificações nos produtos, aliando inovação e preservação do tradicionalismo e da cultura existentes na localidade. Na oficina analisada neste trabalho, isso não foi previsto. A instituição não planejou esse tempo,

tampouco exigiu atividades dessa natureza, fazendo com que muitas das decisões do instrutor tenham sido tomadas com base numa visão superficial da atividade, realizada sob a ótica do designer, que não tinha formação e experiência direcionada para intervenções nesse segmento. Um reflexo disso está relacionado aos pontos da renda tradicional. Observamos que os desenho e produtos da oficina, embora criados com o objetivo de ser uma nova alternativa de produção, estavam fora do padrão estético da renda. Constatamos que, na concepção das rendeiras, os novos produtos (aplicações) não são considerados renda de bilro, pois perdem suas características marcantes e tradicionais, em especial a traça, como retratam as falas a seguir:

[...] Pra mim, renda de bilro só é renda de bilro se tiver a traça. Quando não

tem, fica parecendo crochê [...] [sic] (RN4 – Rendeira do Núcleo, 59 anos –

GF1).

[...] Se tivesse outra (oficina) eu faria, valeu à pena. Mas não tô fazendo

mais, porque a gente não vai deixar de fazer essa (renda tradicional) pra fazer outra... Gostei de fazer, mas se for pra mim fazer em casa, eu mesmo, não [...] [sic] (RN3 – Rendeira do Núcleo, 72 anos, GF1).

Acreditamos que uma análise criteriosa da atividade de trabalho das rendeiras, realizada previamente à intervenção, poderia trazer à tona questões como essas e gerar encaminhamentos diferentes para a ação.

Casos como esse, em que a proposta de inovação do produto acaba por desrespeitar o estilo tradicional da tipologia artesanal, não são incomuns. Leite (2005, p.39) menciona o caso das Bordadeiras de Porto da Folha/SE: a característica predominante dos bordados dessa localidade é a profusão de cores fortes, sendo classificadas pelas artesãs como um “bordado vivo e alegre”. Experiências de alterações desse padrão estético revelaram um nível baixo de aceitação e, embora algumas artesãs tenham concordado em produzir cores diferentes, como o branco no branco e outros tons claros, para atender outro mercado, com o tempo, essas bordadeiras explicitaram certo conflito pessoal, declarando que, às vezes, sentiam “certa tristeza” ao bordar e que esse novo padrão é “meio sem vida”.

O que ocorreu, portanto, foi que elas voltaram à produção com seu “design” de cores fortes, mesmo esses produtos apresentando baixa comercialização. Elas passaram a produzir as duas coisas, como se um fosse o imperativo econômico e o outro uma necessidade social e simbólica.

A introdução de modificações no contexto produtivo e modo de vida de comunidades artesanais sem planejamento nem adequações específicas para a comunidade fogem completamente aos princípios antropotecnológicos e não funcionam como deveria.

Complementando nossas análises, retomamos a indagação de Leite (2005) no seu artigo Modos de vida e produção artesanal: entre preservar e consumir, que traz uma importante questão à tona, quando compara a produção artesanal sob duas perspectivas, chamadas por ele de tradicionalista e mercadológica. O autor nos lança a seguinte questão:

O que é mais importante? Preservar o artesanato in totum, não alterando os modos de vida e de produção e assim manter extremos padrões sociais de pobreza e exclusão, pondo em risco a própria continuidade dos trabalhos artesanais, ou promover alterações técnicas e estéticas, bem como adequações mercadológicas que promovam a geração de lucro, mas que, por outro lado, anulem gradativamente esta tradição?

O autor esclarece que ambas possuem dilemas a resolver: “Se o dilema da visão tradicionalista é como manter o artesanato, mesmo que mudem os modos de vida, o dilema da visão mercadológica é como alterar o artesanato, adaptando-o às exigências do mercado.”

Diante disso, questionamos: optar por umas dessas polaridades é realmente a melhor forma de enxergar as mudanças no trabalho artesanal? Schwartz e Durrive (2007) fazem uma crítica a essa abordagem unilateral na introdução de mudanças no trabalho:

Penso que esta questão é uma armadilha e que é preciso evitar tendências a falar: isso se modifica, se moderniza, ficando subtendido que assim “é melhor”. Ou então: isso se modifica, mas como a mudança não é conduzida por aqueles que sofrem as suas conseqüências, quer dizer, por aqueles que trabalham, então é ruim.

No caso da oficina, dizer que se tratou de uma experiência boa e positiva por trazer inovações e oportunidades de produção é um erro, assim como também é um erro dizer que foi de todo ruim. A oficina provocou mudanças no contexto produtivo, na organização do trabalho, no ritmo e carga de trabalho, mas não gerou os resultados esperados – isso é fato. Mesmo assim, configurou-se como uma importante situação de referência para os novos trabalhos que se seguiram, além de reunir rendeiras antigas e dispersas, ainda que por duas semanas.

Portanto, na nossa perspectiva, não se trata de optar por uma das polaridades (visão tradicionalista ou mercadológica) e categorizar a mudança apenas como “ruim ou boa”; trata-se, sim, de descobrir uma terceira alternativa que esteja direcionada à valorização do artesanato tradicional através do seu valor cultural, suas particularidades e originalidades, de modo a incentivar a produção, inovação e o retorno financeiro das artesãs.

Essa busca por uma alternativa de mudança equilibrada, que considere as questões culturais e tradicionais, estaria diretamente concatenada com os princípios do desenvolvimento sustentável dos empreendimentos econômicos solidários de autogestão, citado por Singer (2004) como o principal instrumento da chamada economia solidária.

A economia popular ou solidária diz respeito a um conjunto de atividades de produção, comercialização ou prestação de serviços efetuadas coletivamente (e sob diferentes modalidades de trabalho associado) pelos grupos populares, principalmente no interior de bairros pobres e marginais das grandes cidades. Tais grupos se estruturam, em geral de modo bastante informal, e encontram nas relações de reciprocidade tecidas no cotidiano de suas formas de vida (ou seja, nos laços comunitários) os fundamentos para tais práticas (FRANÇA FILHO et al, 2006).

O trabalho coletivo e participativo é uma característica bastante peculiar das rendeiras. Considerar e analisar a cooperação no trabalho delas é fundamental para o entendimento da atividade e para implementação de qualquer mudança que busque o desenvolvimento sustentável da comunidade. Como mostrado no capítulo 4, observamos que as rendeiras que trabalham unidas aceitam melhor os desafios, aumentam sua produção, disponibilizam mais tempo, assumem maior compromisso e favorecem a melhoria do padrão de qualidade, rotina de trabalho e convívio social, além de tornarem-se referência na Vila de Ponta Negra.

Conforme asseveram França Filho et al (op. cit.), a economia solidária possui qualidades ou características próprias que necessitam ser compreendidas:

Tais qualidades compreendem um conjunto de aspectos que se encontram absolutamente indissociáveis uns dos outros. Um primeiro desses aspectos concerne à questão da participação ou engajamento das pessoas nos projetos, o que remete ao grau de mobilização popular inerente a tais projetos. Uma segunda qualidade diz respeito ao modo de organização do trabalho, que se encontra essencialmente baseado na solidariedade (grifo nosso). Constatamos que a cooperação entre as rendeiras tem grande significância na manutenção da técnica da renda na Vila de Ponta Negra e na recusa a algumas ações promovidas por entidades externas. O respeito a essas características é fundamental para a introdução de mudanças no contexto produtivo das artesãs, conforme explicita o relato abaixo:

[...] esse trabalho de vocês é bom pra gente, mas eu só tenho medo de

aumentar muito as encomendas e a gente não dar conta do trabalho e ficar estressada, porque eu já disse que renda de bilro se faz sentado e não correndo, e que a produção da gente é devagar [...] [sic] (RN4 – Rendeira

do Núcleo, 59 anos – GF1).

Esse relato deixa evidente a preocupação da rendeira com a organização do trabalho adotada no Núcleo e sugestiona que qualquer tentativa de introdução de mudança que venha pôr em risco essa organização tem grandes chances de insucesso. Também, nesse relato, fica clara a preocupação da artesã com o tempo de produção da renda, em geral lento.

Sobre o tempo, ressaltamos que, na confecção das peças tradicionais, as rendeiras levam um tempo maior de trabalho, e o ritmo é mais lento, o que também proporciona uma maior flexibilidade da rendeira para conversar, cantar, descansar e lanchar com suas companheiras – elementos de grande significância no trabalho cooperado. As peças menores