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Na perspectiva de resgatar a prática da renda de bilros na Vila de Ponta Negra e reunir as antigas rendeiras no mesmo lugar para iniciar uma produção cooperada, uma das antigas rendeiras e moradora da comunidade, conhecida na região como “Vó Maria”, incentivada por seu filho, fundou, em 26 de abril 1998, o Núcleo de Produção Artesanal Rendeiras da Vila, sendo essa designação a maneira como o grupo se autodenomina.

O Núcleo funciona anexo à casa da artesã fundadora e atual líder das rendeiras, caracterizando-se como um espaço de produção informal (não formalizada em termos de associação, cooperativa, etc.). Inicialmente, funcionava com 14 artesãs efetivas, porém, nos 10 anos de existência, problemas de ordem pessoal, falecimentos, além dos problemas gerados pela desvalorização do trabalho artesanal, baixo retorno financeiro e comercialização, foram reduzindo esse número de participantes e, atualmente, apenas 5 rendeiras são efetivas, freqüentando continuamente o espaço de segunda à sexta-feira, das 13h às 17 h.

Além dessas cinco, duas rendeiras freqüentam esporadicamente o lugar , e outras onze produzem as rendas em suas residências, enviando suas peças para serem comercializadas através do Núcleo. As figuras 4-17 a 4-20 mostram a sua localização na vila e o ambiente de produção das rendeiras.

Figura 4-17 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila” (Localizado ao lado da igreja da vila)

Em termos de espaço físico, o Núcleo é um local adaptado que também comporta o depósito e cozinha de uma lanchonete, com piso e paredes deteriorados, problemas de iluminação, ventilação e ruído constante, em virtude de estar localizado próximo a um terminal de ônibus. O Núcleo também não possui mobiliários novos e cadeiras adequadas ao trabalho, mas, apesar das deficiências, supre a necessidade das artesãs e não as impede de trabalharem com afinco na produção da renda.

Ao longo dos dez anos de existência, apesar de terem surgido tentativas externas por parte de órgãos governamentais para oficialização do espaço em termos de cooperativa, observou-se que suas integrantes não dispunham das condições mínimas para tal efetivação, principalmente no tocante ao número de artesãs participantes, além de elas mesmas não demonstrarem o desejo de se tornarem cooperadas nos moldes oficiais, como é demonstrado nos seguintes relatos:

[...] Acho que cooperativa não dá certo, não, porque a gente já tá

acostumado a fazer assim pra Maria vender. Acho que não dá certo não [...]

[sic] (RN3 – Rendeira do Núcleo, 72 anos).

[...] Eu conheço as regras da cooperativa, mas uma cooperativa requer

muitos requisitos para a gente manter ela, né? E a gente aqui não tem esses requisitos todo pra preencher uma cooperativa... Eu acho, na minha opinião, que num dá certo, não [...] [sic] (RN7 – Rendeira do Núcleo, 59

anos).

As rendeiras que trabalham unidas (cinco artesãs) adotam muitas das características do modo de produção artesanal cooperativo. Segundo Marglin (1996), o modo de produção artesanal cooperativo não elimina a principal característica do modo de produção artesanal – domínio do artesão sobre o produto e sobre o processo –, mas acrescenta algumas características próprias. Essas características estão principalmente relacionadas à utilização de um local próprio de produção que concentra um determinado número de pessoas, a compra da

Figura 4-19 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila” (espaço interno)

Figura 4-20 – Núcleo de Produção “Rendeiras da Vila” (interior da sala de estoque)

matéria-prima em conjunto, possibilitando a redução do custo, e a possibilidade de ajuda mútua e de compartilhamento de instrumentos.

Dentre as características da produção artesanal cooperativa observadas no Núcleo de Produção, destacamos as seguintes:

a) existência de um local próprio e específico para o trabalho em conjunto;

b) existência de lideranças responsáveis pela manutenção e organização do espaço, além da compra de matéria-prima;

c) horário e dias de funcionamento pré-determinados; d) divisão de matéria-prima realizada de forma coletiva;

e) trabalho coletivo quando se produz uma peça de grandes proporções ou quando surge grandes encomendas;

f) definição de valores fixos para venda das peças;

g) cooperação entre as artesãs mais experientes e as artesãs menos experientes, gerando transferência de conhecimentos e discussões coletivas acerca das técnicas do rendar, principalmente no início da confecção de um novo produto. h) Domínio total sobre o produto em virtude de poderem escolher o que produzir

o tipo de desenho, as cores, o modelo, etc, e domínio parcial sobre o processo, visto que muitas das rendeiras não desenham mais, etapa fundamental do processo de confecção da renda e que foi sendo perdido por muitas rendeiras ao longo dos anos.

Com base nas observações e ações conversacionais, foi possível elencar as principais vantagens do modelo de organização do trabalho artesanal cooperativo no Núcleo, a saber:

a) as artesãs que trabalham unidas aceitam melhor novos desafios, pois, no surgimento de dificuldades e dúvidas, há a possibilidade de troca de conhecimentos e orientações sobre como melhor fazer determinado trabalho, como também promovendo o aprendizado de peças mais complexas e de maior porte;

b) As rendeiras disponibilizam mais tempo e assumem maior compromisso com a atividade;

c) favorecem o estabelecimento de padrões de qualidade, rotinas de trabalho e convívio social;

d) tornam-se referência quando se fala em renda de bilro na Vila de Ponta Negra, em virtude da existência do Núcleo de Produção, mesmo sabendo-se que

existem outras artesãs que trabalham por conta própria no bairro em suas residências;

e) estão mais próximas do mercado consumidor;

f) facilitam o contato para participação em feiras, comunicação com organizações de fomento, com a mídia e instituições de ensino e pesquisa;

g) facilitam o surgimento de encomendas e possibilitam o aumento da produção e da variedade de produtos.

A organização do trabalho observado do Núcleo estimula a prática e o compromisso com a atividade, tornando-se, também, fonte de prazer e descontração, além de se configurar como uma alternativa de ocupação e geração de renda, principalmente porque, independentemente da comercialização individual, as rendeiras que trabalham unidas garantem a produção contínua, uma vez que, de cada peça vendida, 20% do valor é vertido para compra de matéria-prima que é utilizada por todas as artesãs que freqüentam o Núcleo (SALDANHA, 2007).

[...] Eu venho todo dia pra cá, eu já estou acostumada a vir. Quando eu não

venho, me dá até uma agonia... É a mesma coisa fazer aqui e fazer em casa, mas aqui é melhor porque aqui a gente gosta, a gente canta, a gente ri [...]

[sic] (RN2 – Rendeira do Núcleo, 62 anos).