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As dezoito artesãs que estão ligadas ao Núcleo atualmente encontram-se divididas da seguinte forma: cinco (5) que rendam diariamente no Núcleo; duas (2) que freqüentam esporadicamente; e onze (11) que produzem peças em suas residências e enviam para comercializar no Núcleo.

Das dezoito, doze (12) participaram do estudo da população realizado nesta pesquisa, sendo as cinco que rendam no Núcleo diariamente e outras sete (7) que produzem nas suas residências.

Do total de 12 rendeiras investigadas, apenas uma não é natural de Natal. As demais, nascidas e residentes até hoje na Vila de Ponta Negra, viveram na época em que o bairro era apenas um conglomerado agrícola de uma colônia de pescadores e acompanharam as transformações turísticas iniciadas por volta da década de 1970 e intensificadas na última década, conforme relatos delas próprias:

Eu ainda sou da época que não tinha água, não tinha luz, ninguém tinha televisão, não tinha telefone, não tinha nada, nada, nada. Se adoecia uma pessoa aqui na vila, tinha que ir correndo até o centro da cidade ou de cavalo ou a pé, porque não tinha nada, não tinha transporte, não tinha

ônibus – o transporte que tinha era só cavalo, a gente saía daqui até o centro da cidade a pé. (RV8 – Rendeira da Vila, 66 anos).

A Vila de Ponta Negra era assim, os homens trabalhavam em roçado e em pescaria, as mulheres faziam renda, outras vendiam mangaba, outras vendiam goma, outras vendiam a renda da gente na cidade, era assim [...]

(RN3 – Rendeira do Núcleo, 72 anos).

O aprendizado na renda, para 75% (nove) das rendeiras entrevistadas, teve início aos sete anos, idade mais recomendada para começar o aprendizado dessa arte, segundo as próprias rendeiras. Duas (17%) aprenderam aos 10 anos e uma aprendeu aos 53 anos, sendo esta última, hoje com 57 anos, natural de outro estado, residente na Vila há 5 anos e considerada principiante. O aprendizado, na maioria dos casos, foi repassado pelas mães e avós, sendo de caráter familiar, passado de geração em geração, como demonstra a informação verbal abaixo:

A minha mãe sabia fazer renda, as minhas irmãs tudinho sabia fazer, era seis mulher, todas seis sabia fazer renda, e eu aprendi a fazer com a minha mãe. Não demorei a aprender, não, aprendi rápido [sic] (RN2 – Rendeira do

Núcleo, 62 anos).

[...] Eu via assim aquelas mulher trabalhando, aí eu pegava um coquinho

pequenininho, enfiava um ponteiro, saía assim no lixeiro procurando linha, emendava, aí enrolava no ponteirinho com o coquinho e ficava ali junto do povo, o povo trabalhando e eu olhando. Aí quando foi um dia, a minha mãe chegou e perguntou: Você quer aprender isso? Aí eu disse: Eu quero. Aprende mesmo? Aprendo. Aí ela foi e pagou uma mulher e a mulher me ensinou... Aprendi assim, de repente! [sic] (RN5 – Rendeira do Núcleo, 74

anos).

A idade das artesãs varia de 44 a 72 anos; porém, a faixa etária predominante é acima de 50 anos, correspondendo a dez (83%) das rendeiras entrevistadas, sendo que sete (58%) possuem mais de 60 anos. Entre 44 e 50 anos, existem apenas duas (17%). Todas são ou já foram casadas, dentre as quais cinco são viúvas, e todas possuem mais de dois filhos. Também oito rendeiras disseram que possuem filhas que sabem rendar; no entanto, apenas seis disseram que suas filhas ainda rendam, mas esporadicamente e sem compromisso. De todas as entrevistadas, apenas duas declararam que possuem netas que sabem rendar, evidenciando o desinteresse da nova geração no aprendizado da arte.

Embora oito rendeiras (66%) declarassem ter motivação e paciência para repassar o ensinamento da renda, elas relatam que as novas gerações não têm interesse em aprender, principalmente por se tratar de uma atividade demorada e com baixo retorno financeiro.

[...] Eu ensinei minha filha e ensinei minha neta, só que nenhuma das duas

pratica porque disse que não vai ficar duas nem três horas sentada numa almofada pra fazer uma peça pra ganhar nada. Elas preferem fazer unha,

né, que senta hora e meia e ganha 10, 12 reais, 15 [...] [sic] (RN4 –

Rendeira do Núcleo, 59 anos).

Das minhas filhas, só duas sabem rendar, mas não fazem, não. Todas trabalham fora. Isso aqui (referindo-se à renda) a gente faz por amor. Demora demais a vender, se a gente fosse viver só disso aqui morreria de fome... (risos). [sic] (RN2 – Rendeira do Núcleo, 62 anos).

Nenhuma das minhas netas querem aprender, não. Dizem que não têm paciência, que não vai aprender. E eu digo: minhas filhas, quando chegar a época de a gente ganhar dinheiro com a renda, a gente não sabe mais fazer e vocês também não vão saber fazer e não vão ganhar dinheiro. Eu tenho muita fé que ainda vamos ganhar muito dinheiro na renda! [sic] (RN2 –

Rendeira do Núcleo, 62 anos).

Relatos das filhas de rendeiras também ratificam isso, alegando que o desinteresse ocorre principalmente pela falta de tempo, dedicação aos estudos e trabalho, como também pela falta de valorização da atividade e baixa perspectiva de venda.

Desde que me entendo de gente que vejo mamãe fazendo, mas nunca me interessei, não... É lindo, muito bonito. Na verdade, nunca tive paciência porque estudava, comecei a trabalhar, aí o tempo foi corrido entendeu? Aí não me interessei, realmente eu não me interessei, se eu tivesse me interessado eu tinha aprendido, mas é tempo também, com três filhos pra criar fica bem corrido... [sic] (Filha de rendeira, 31 anos).

Eu via mamãe trabalhar, mas nunca tive interesse, não, porque eu acho muito difícil e eu não tenho cabeça pra isso, não... Eu fui pra um curso de bordado, não conseguia nem bordar, quem bordava pra mim era minha amiga... Num sou dessas, não tenho jeito, sabe? Eu gosto da renda, acho bonito, eu compro, mas pra mim fazer, eu acho muito difícil... [sic] (Filha de

rendeira, 34 anos).

Com relação à escolaridade, sete rendeiras (58,3%) não concluíram o Ensino Fundamental, apenas duas completaram o Ensino Médio e outras duas o Fundamental. Uma rendeira é iletrada e deficiente auditiva. De um modo geral, as artesãs investigadas possuem baixo nível de escolaridade.

A maioria das artesãs tem a mesma crença religiosa, e esse fato em especial tem significado na produção na renda, uma vez que, em dias santificados, as rendeiras do Núcleo não trabalham. O lugar permanece fechado também nas datas em que as artesãs viajam ao Ceará para as festividades do Padre Cícero, geralmente no mês de janeiro, e em datas esporádicas durante o ano. Destacamos ainda que elas participam de movimentos ligados à Igreja Católica, principalmente nas comemorações de São João, quando se tem um dia dedicado às rendeiras nas festividades religiosas desse santo na Vila de Ponta Negra.

Outras atividades, além das religiosas, fazem parte da vida social dessas mulheres. Das doze, sete (58%) são integrantes do Grupo de Idosos do bairro; seis (50%) fazem parte do Grupo dos Hipertensos; cinco (41%) participam do Clube de Mães; duas (17%) fazem parte do Grupo da Ginástica; outras duas do Conselho Comunitário e seis participam de movimentos de Danças Folclóricas no bairro, sendo que algumas das artesãs fazem parte de mais de um grupo.

Sobre a situação econômica dessas mulheres, atualmente sete recebem aposentadoria ou pensão (uma recebe 1/2 salário mínimo, as demais recebem 1 salário mínimo); duas também possuem quiosques na praia de Ponta Negra, os quais, apesar de serem administrados por seus filhos, exigem delas trabalhos quanto à preparação de alimentos. Duas trabalham em empregos formais (empregada doméstica e cozinheira), praticando o ofício da renda nos horários vagos. As demais (três rendeiras) não trabalham profissionalmente e não contribuem com o orçamento doméstico. Nenhuma delas depende financeiramente da renda de bilro para sobreviver.

Através da ação conversacional e das conversas complementares, constatamos que a rotina de trabalho das artesãs é bastante intensa. A Tabela 4-7 resume a rotina das rendeiras, identificando o momento do dia em que são praticadas as atividades domésticas e profissionais e a quantidade de horas dedicadas à renda por dia.

Figura 4-21 – Religiosidade na renda Figura 4-22 – Placa de saudação das

Tabela 4-7 – Rotina de trabalho das rendeiras de bilro da Vila de Ponta Negra Fonte: SALDANHA et al (2007) Rendeira Idade Tempo na atividade de renda (anos)

DIVISÃO DAS ATIVIDADES DIÁRIAS Atividades domésticas Atividades profissionais externas Renda de Bilro (horas/dia) TOTAL de horas na renda M T N M T N M T N Rendeira 1 48 8 X X X 3 3 Rendeira 2 62 23 X X X 2 4 2 8 Rendeira 3 72 43 X X 3 4 7 Rendeira 4 59 50 X X X 2 4 3 9 Rendeira 5 74 65 2 4 6 Rendeira 6 72 63 X X X 3 1 4 Rendeira 7 59 4 X X 4 4 Rendeira 8 66 57 X X X 1 2 2 5 Rendeira 9 68 56 X X 2 3 5 Rendeira 10 46 37 X X X 2 2 4 Rendeira 11 59 50 X X X 3 1 4 Rendeira 12 70 61 2 4 6

Algumas rendeiras, durante sua vida, foram obrigadas a parar ou reduzir a produção da renda de bilro, a fim de exercer outras atividades mais rentáveis. Contudo, como observado na tabela 4-7, 75% das entrevistadas (nove) rendam há mais de 30 anos consecutivos.

Todas as rendeiras se dedicam às atividades domésticas, que são intercaladas com as atividades do artesanato. Porém, quatro delas, além do exercício do lar e da renda, ainda possuem obrigações extras: duas preparam alimentos para seus quiosques na praia (administrados por seus filhos) e outras duas possuem empregos formais, sendo uma auxiliar de cozinha em uma creche, e outra empregada doméstica.

O número de horas diárias dedicadas à renda varia de 3 a 9 horas, distribuídas em dois ou três turnos (manhã, tarde e noite) – fato possibilitado por possuírem almofadas no Núcleo e em suas residências. Para oito (67%) rendeiras, o tempo total diário de dedicação à atividade é entre 4 e 6 horas. Três (25%) delas dedicam-se ao ofício mais do que 6 horas diárias e uma em torno de 9 horas por dia, sendo 2 horas no período da manhã, 4 à tarde e 3 à noite, intercalando a renda com as atividades domésticas e o preparo de alimentos para o quiosque na praia.

De acordo com Saldanha et al (2007), é importante ressaltar que não existem rigidez no cumprimento das jornadas dedicadas ao ofício de rendar e flexibilidade própria da forma de organização do trabalho artesanal, permitindo que cada rendeira estabeleça a sua

rotina de trabalho, cadências, pausas e folgas, possibilitando assim conciliar o trabalho com as atividades pessoais. No entanto, de acordo com os relatos, é provável que o tempo dedicado à renda seja maior do que o especificado na Tabela 4-7, visto que todas possuem mais que uma almofada, além de declararem fazer a renda por puro prazer e amor à atividade, conforme relatado: “Eu tenho amor ao meu trabalho, adoro fazer meu trabalho e vou morrer trabalhando”. (RN1 – Rendeira do Núcleo, 74 anos).

A seguir serão apresentadas as doze rendeiras que participaram da pesquisa, sendo as cinco primeiras as que freqüentam o Núcleo diariamente. Destacamos as rendeiras Maria de Lourdes de Lima e Maria das Graças Costa da Silva (esta última, in memoriam) como as que mais contribuíram com o trabalho, por serem também as líderes do Núcleo de Produção.

1. Maria de Lourdes de Lima (Vó Maria)

74 anos de idade, viúva, aprendeu a rendar aos 7 anos e exerce o ofício desde então. Proprietária do Núcleo de Produção e líder do grupo. Rendeira experiente, com uma história de vida de muita luta e trabalho. Freqüenta o Núcleo diariamente há 11 anos.

2. Maria das Graças C. da Silva (Dona Graça, in memoriam) 59 anos de idade, aprendeu a atividade aos 7 e rendou durante 52 anos consecutivos. Maior contribuidora e incentivadora da pesquisa, a quem o grupo de pesquisa sempre se reportava, freqüentava o Núcleo diariamente e rendou até quando a saúde lhe permitiu. Faleceu em dezembro de 2008 e deixou no Núcleo e na Vila uma grande lacuna.

3. Josefa Henrique de Lima (Dona Josefa ou Zefinha) 62 anos de idade, aprendeu a rendar aos 7. Parou de rendar por 30 anos e voltou há 9. Possui 23 anos de experiência no ofício. É viúva e proprietária de barraca na praia de Ponta Negra, onde até hoje ajuda os filhos na administração do comércio. Freqüenta o Núcleo diariamente há 9 anos.

4. Lenira de Oliveira Correia (Dona Lenira)

72 anos de idade, aprendeu a rendar aos 7. Deixou de realizar a atividade por 20 anos e possui 43 anos de experiência no ofício. Dona de casa, viúva, empregada doméstica aposentada e pensionista. Freqüenta o Núcleo diariamente há 11 anos.

6. Maria Helena Correia dos Prazeres (Dona Helena) 66 anos de idade, casada, professora aposentada, aprendeu a rendar aos 7 e trabalha no ofício há 59 anos consecutivos. Já freqüentou o Núcleo, mas há alguns anos o deixou. Renda freqüentemente em sua residência e envia peças para serem comercializadas no Núcleo.

7. Marinez Correia de França (Dona Marinez)

46 anos de idade, casada, aprendeu a rendar aos 7 e renda há 39 anos consecutivos com pequenas pausas de alguns meses. Aprendeu o ofício com a mãe (Lenira – Rendeira 4). Já freqüentou o Núcleo e hoje dedica-se a uma baixa produção na sua residência.

8. Maria de Lourdes dos Santos (Dona Lourdes)

72 anos de idade, viúva, empregada doméstica aposentada, aprendeu a rendar aos 7 e renda há 65 anos consecutivos. Rendeira experiente, passou para a filha (Dalvaci, abaixo) a arte da renda. Não freqüenta o Núcleo e, sempre que a saúde lhe permite, faz renda em sua residência e envia para ser comercializada no Núcleo.

9. Dalvaci de Morais do Nascimento (Bel)

48 anos de idade, casada, funcionária pública, aprendeu a rendar aos 10 anos, parou por 28 anos e voltou há 5. Filha de Maria de Lourdes (acima), aprendeu o ofício observando a mãe. Freqüentou o Núcleo por dois anos e hoje não freqüenta mais. Renda em sua residência e comercializa no Núcleo, sempre de forma esporádica.

5. Maria Francisca de Oliveira (Muda)

70 anos de idade, viúva, pensionista, aprendeu a rendar aos 7 anos. É deficiente auditiva e renda há 63 anos consecutivos. Umas das artesãs mais assíduas no Núcleo desde a fundação há 11 anos.

O conhecimento da população de trabalhadores torna-se fundamental para o entendimento da atividade de trabalho de forma mais detalhada. Esse tipo de investigação permite, dentre outras coisas, descobrir questões relacionadas à vida das pessoas que estão diretamente concatenadas com seu trabalho, evidenciando variabilidades e características da atividade que muitas vezes passam despercebidas em outros tipos de análises.