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As peças que são confeccionadas no Núcleo seguem, na maioria das vezes, para estocagem e são expostas e comercializadas em feiras de artesanato e artefatos diversos dentro e fora do estado. Essas feiras geralmente acontecem em meses específicos do ano e já fazem parte do cronograma de produção das rendeiras. As duas mais importantes feiras das quais as rendeiras participam são a FIARTE (Feira Internacional do Artesanato), realizada sempre no mês de janeiro de cada ano, em Natal, e a BRASIL MOSTRA BRASIL, que acontece geralmente no mês de agosto. Eventualmente, as rendeiras são convidadas para participações em outros eventos, a exemplo da Semana da Moda de Natal (Natal Fashion Week), para exposição e comercialização. Nos anos de 2006 e 2007, as artesãs participaram da Semana de Ciência, Tecnologia e Cultura da UFRN (CIENTEC/UFRN), através do convite e mobilização dos alunos integrantes desta pesquisa, quando da exposição do projeto Rendeiras da Vila no respectivo evento, constituindo-se como uma oportunidade de divulgação e venda para as artesãs e como fonte de observações e resultados para os pesquisadores.

A comercialização também é realizada diretamente no Núcleo às pessoas que visitam o lugar e sob encomendas. Sobre esse aspecto, em especial, destacamos um fato ocorrido durante a realização desta pesquisa: foi solicitado, por uma pessoa ligada à prefeitura de Natal, um montante de 48 peças, sendo 24 panos de bandeja e 24 trilhos de mesa, o que geraria uma venda de R$ 1.440,00 (hum mil, quatrocentos e quarenta reais). Essa encomenda acabou por alterar a rotina e organização de trabalho das artesãs, uma vez que acelerou e intensificou o processo de produção, além de ter sido necessário o recrutamento (terceirização) de rendeiras que não faziam parte do Núcleo de forma efetiva, a fim de agilizar a conclusão da encomenda em tempo.

Ao fim dos trabalhos, as rendeiras foram informadas de que os produtos iriam para revenda em uma loja da prefeitura e que elas só iriam receber o pagamento conforme fossem vendidos na loja. Diante disso, as artesãs não entregaram as peças, uma vez que elas

não trabalham em sistema de consignação, numa tentativa de evitar a exploração por parte de atravessadores, sendo esta uma estratégia de auto-valorização do trabalho.

Esse fato incomum provocou intensificação de trabalho no Núcleo, alterando o modo de trabalho e interferindo no modo de vida das artesãs, além de deixar um forte sentimento de descrença em relação aos órgãos governamentais, conforme reforça a fala a seguir: “É esse o tipo de incentivo que a gente recebe da prefeitura aqui... calote!” (RN2 – Rendeira do Núcleo, 59 anos). Numa demonstração de compromisso com o Núcleo e com as rendeiras, fator importante para a continuidade da produção, a rendeira que fechou o acordo com a prefeitura arcou com o prejuízo, pagando de seus provimentos a cada artesã recrutada para o trabalho e estocando as peças para serem vendidas posteriormente. Análises sobre esse fato mostraram que, independentemente do não recebimento do valor, a encomenda teve repercussão negativa junto às rendeiras por modificar sua rotina, ritmo e carga de trabalho.

As rendeiras não comercializam com cartões de crédito, cheques, prestações e outras formas de pagamento a prazo. Não importa qual valor: o pagamento é sempre à vista, salvo alguns casos em que a rendeira conhece o cliente e lhe concede algum prazo de pagamento. Durante esta pesquisa, outro caso relativo à comercialização foi constatado pelos pesquisadores. Uma venda de aproximadamente R$ 500,00, valor considerado alto, não foi finalizada em virtude de a cliente desejar pagar em cheque, mesmo sendo esta cliente amiga do filho da rendeira. Sobre esse fato, a seguinte frase foi proferida pela rendeira: “[...] Cliente desse tipo eu dispenso, pode ser a compra que for, mas entregar minhas peças e ficar com um papel na mão, não ! [...]” (RN2 – Rendeira do Núcleo, 59 anos).

Além dos problemas com recebimento de cheques, também podemos supor a existência de certo “apego” e proteção à peça que a rendeira produziu. A artesã, por se sentir “dona” do saber e do produto, acaba por estabelecer com ele certa “relação afetuosa”. Demonstração de cuidado e relação entre o artesão e seu produto é algo já observado em trabalhos sobre o assunto. Nóbrega (2005, p. 219), em seu livro Renda Renascença: memória de ofício paraibana, menciona que, na comercialização da renda renascença da Paraíba, comumente as rendeiras tentam invalidar os argumentos de pechincha, mostrando o quanto têm orgulho de seu trabalho; na negociação, envaidecem-se de suas habilidades manuais, destacando com freqüência o quanto é árduo e cansativo seu ofício e fazendo alusões ao passado, lembrando a época em que recebiam mais pelos produtos, deixando claro sua relação de “afeto” com suas peças.

Observam-se, também na produção da renda de bilro, casos em que o dinheiro não é a maior motivação para o trabalho. Relatos de algumas rendeiras que trabalham no Núcleo, quando indagadas sobre a motivação para trabalhar, ratificam isso:

[...] Eu peço muito a Deus não faltar nunca essa motivação que eu tenho, de

um dia ver isso aqui uma loja bem bonita, bem chique, com bem gente comprando renda e muita gente fazendo também... Num tem uma peça que vale o quanto que trabalhou... Isso aqui só faz quem tem amor, quem gosta de fazer. Se fosse por dinheiro, ninguém fazia, não [...] [sic] (RN4 –

Rendeira do Núcleo, 59 anos).

[...] Eu faço por amor, porque eu gosto, né?! Quando vende, a gente fica

mais alegre, mas se não vender eu vou continuar fazendo, até enquanto eu tiver saúde. Eu venho todo dia, já tô acostumada a vim, quando eu não venho me dá uma agonia tão grande [...] [sic] (RN2 – Rendeira do Núcleo,

62 anos).

Essa realidade não é exclusiva desse Núcleo de Produção. Caso semelhante de algumas artesãs do estado de Alagoas, produtoras de panela de barro, é citado por Leite (2005, p. 33):

[...] Quando as mais antigas artesãs são indagadas por que continuam a exercer o ofício, descortinam-se os outros nexos que nos ajudam a entender a dimensão cultural da prática artesanal. Seria difícil entendermos a manutenção desse ofício apenas pelos critérios econômicos. Definitivamente, não é apenas por dinheiro que se faz panela de barro. Muitas artesãs afirmaram já ter desejado parar, mas não conseguem. Precisam abrir o barro, como se moldá-los ajudasse a suportar a vida [...] Essa constatação certamente é verificada nas rendeiras do Núcleo; contudo, ressaltamos que a baixa comercialização, desvalorização do trabalho artesanal, valor baixo da hora de trabalho também se constituem em dois dos motivos da diminuição do número de rendeiras em atividade na Vila de Ponta Negra.

A tabela 4-6 mostra a remuneração das rendeiras por tipo de produto, demonstrando o valor de venda, remuneração da artesã, tempo médio de produção, valor de hora de trabalho e remuneração mensal.

Tabela 4-6 – Relação entre valor da peça, tempo de produção e valor de hora de trabalho da rendeira REMUNERAÇÃO DAS RENDEIRAS POR PEÇA

PRODUTO VALOR DE VENDA (VV) REMUNERAÇÃO DA RENDEIRA (RR)** TEMPO MÉDIO DE PRODUÇÃO EM HORAS (HR)* VALOR DA HORA DE TRAB. (HT) REMUNERAÇÃO MENSAL 44 HS SEMANAIS (R$) 80% DE VV (R$) HT=(RR/HR) (R$) Vestido 100,00 80,00 200 0,40 70,40 Saia 90,00 72,00 130 0,55 96,80 Pano de bandeja 13,00 10,40 18 0,57 100,32 Camiseta regata 60,00 48,00 80 0,60 105,60 Toalha de mesa média (1m diâmetro) 80,00 64,00 100 0,64 112,64 Caminho de mesa (estola) (1m comp.) 60,00 48,00 60 0,80 140,80 Colcha de cama (casal) 1.000,00 800,00 1000 0,80 140,80 Xale 100,00 80,00 90 0,88 154,88

Constata-se, a partir da sistematização dos dados da tabela 4-6, que o valor da hora trabalhada da rendeira varia de R$ 0,40 (quarenta centavos de reais) a R$ 0,88 (oitenta e oito centavos de reais). Considerando a jornada de trabalho de 44 horas semanais, como os trabalhadores regidos pela CLT, e a garantia da comercialização, a remuneração mensal de uma rendeira seria entre R$ 70,00 e R$ 155,00, ou seja, 17% a 37% do salário mínimo vigente em 2008 (R$ 415,00).