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2.4 Ergonomia

2.4.1 Antropotecnologia

Criada com o intuito de aumentar a abrangência da Ergonomia, e em analogia a essa mesma disciplina, desenvolveu-se um novo campo de estudo denominado Antropotecnologia, que pode ser definido como a adaptação da tecnologia a ser transferida a uma determinada população, considerando a influência de fatores geográficos, econômicos, sociológicos e antropológicos (SANTOS et al, 1997, p.50). O termo Antropotecnologia foi cunhado por Alain Wisner, a partir da junção das palavras tecnologia e antropologia, que o utilizou para designar o emprego simultâneo das ciências naturais e sociais, a fim de conduzir melhor as transferências de tecnologias nos países em via de desenvolvimento industrial, estendendo tal transferência aos saberes, know-how e procedimentos científicos e técnicos (VIDAL, 2003, p. 94).

Segundo Wisner (1999), os estudos da Antropotecnologia se iniciaram a partir das análises dos sucessos e fracassos das diversas modalidades de transferências de tecnologia no mundo, em geral de países desenvolvidos para aqueles em via de desenvolvimento. O autor separa essas transferências em dois modelos.

Transferências sob controle estrangeiro:

Quando é realizada sob completa responsabilidade, financeira, técnica e social de uma empresa estrangeira pertencente a um país desenvolvido industrialmente. Os resultados desta situação nas condições de trabalho variam, dependendo se se trata de uma transferência de refugos, quando há importação de máquinas de um modelo antigo, já usada, às vezes perigosa, com resultados muitas vezes desastrosos, tanto de ponto de vista da saúde dos trabalhadores, quanto da produção, ou quando é feita a transferência total, uma situação oposta à anterior, quando se transfere o que de mais moderno existe, englobando os dispositivos técnicos, as máquinas, os modelos de organização e de formação (WISNER, op. cit.).

Quando a compra de equipamentos e importação de tecnologias, sistemas, modelos de organização do trabalho são feitas sob o domínio do país importador e adequadas às suas necessidades, estando a contribuição da antropotecnologia voltada para a busca de respostas positivas para essas adequações (WISNER, 1999).

Esse mesmo autor apresenta duas linhas de trabalho principais como método de execução das transferências, quais sejam, o estudo prévio das realidades locais e a participação de ambas as partes (país vendedor, país comprador) no processo.

Quanto ao estudo prévio das condições locais:

Pode ser feita pela documentação, a consulta a especialistas e através de visitas. A visita ao local onde será instalada a futura tecnologia é particularmente necessária, pois podem surgir elementos muito importantes que foram desprezados nas primeiras investigações. O estudo da tecnologia a transferir pode ser feita de acordo com os métodos habituais de análise do trabalho, de entrevista com a gerência e com os trabalhadores, de consulta de documentos, absenteísmo e rotatividade de pessoal, acidentes e incidentes, qualidade de quantidade de produção. (WISNER, op. cit.).

Sobre a participação em cada etapa do projeto, Wisner (op. cit.) esclarece que “[...] as pessoas envolvidas na transferência, tanto do lado de quem exporta, quanto de quem recebe a tecnologia, devem estar presentes em todas as etapas de constituição desta transferência [...]”. O autor divide essas etapas em quatro, a saber:

a) a escolha da tecnologia: “Constitui uma etapa crítica do projeto. Às vezes é uma escolha escamoteada, pois o comprador quer ver se reproduziu a mesma tecnologia do exterior ou porque o vendedor só apresenta uma única técnica, cuja difusão ele quer assegurar”.

b) a escolha do tipo de construção: “Pode gerar problemas graves se não considerado, na medida em que as condições climáticas são freqüentemente a causa principal de intolerância dos trabalhadores”.

c) a compra das máquinas: “É um período crítico para a adaptação do trabalho ao homem. Em muitos casos, se faz necessário requerer modificações consideráveis, principalmente quando se trata de países em que as dimensões antropométrica da população são muitos distintas”.

d) a formação de trabalhadores: “Tem um papel fundamental numa população pouco ou não formada nas tarefas técnicas. A seleção deverá ser feita numa perspectiva dinâmica para fornecer bons elementos para formar”.

Complementando essas informações, Santos et al (1997, p.50) conceituam as transferências de tecnologia como “[...] a relação entre aqueles que desenvolvem e/ou detêm a

tecnologia e aqueles que vão utilizar um conhecimento tecnológico existente onde ele não foi concebido e/ou executado [...]”. Entretanto, segundo os autores, para que essa passagem de conhecimentos seja feita com sucesso, faz-se necessária a realização de estudos preliminares para se conhecer o sistema industrial, cultural, habitacional, demográfico, climático, de transporte, técnico, socioeconômico, organizacional e dos recursos humanos existentes.

Ainda de acordo com esses autores (op. cit.), numa análise de estudos antropotecnológicos, deve-se levar em conta:

a) dados socioeconômicos: nível de renda média, tendência evolutiva da renda, repartição e distribuição de renda, etc.;

b) dados socioculturais e antropológicos: urbanização, instrução, alfabetização, antigüidade das atividades artesanais, formação étnica da sociedade e seus costumes;

c) dados geográficos e demográficos: geografia física, topografia, saúde, infra- estrutura, tecido industrial, transportes, etc.;

d) dados sob condições de trabalho: segurança no trabalho, doenças profissionais, carga de trabalho físico e mental, emprego, instabilidade, salário, etc.

Wisner (1999) destaca o fato de que, freqüentemente, o que é transferido com as máquinas é o conhecimento do engenheiro e do técnico – quer dizer, o trabalho prescrito, o modo como deve ser realizada a atividade – e não o trabalho real – o que é feito realmente pelo trabalhador –, não reconhecendo a experiência do operário.

Deve-se existir um interesse em estudar a atividade real de trabalho dos operadores, não raro muito diferente da atividade prescrita pela organização. O inventário das diferenças entre atividades reais e atividades prescritas é extremamente útil para descobrir tudo o que é difícil, ou até impossível de realizar no trabalho prescrito ou que foi mal compreendido. Assim, uma das dificuldades da transferência de tecnologia é o mau conhecimento que possuem a empresa vendedora quanto ao modo que o pessoal consegue fazê- lo funcionar eficazmente. A distância entre o trabalho real e o trabalho prescrito é uma fonte grave de enganos entre os trabalhadores e a gerência nas transferências de tecnologias (WISNER, op. cit.).

Segundo Wisner (2003), “[...] o homem, animal social, possui características fisiológicas e psicológicas que precisam ser melhor conhecidas e modos relacionais que precisam ser aprofundados antes de qualquer adaptação à uma nova tecnologia [...]”.

O mesmo autor esclarece:

Todo indivíduo chega ao trabalho com seu capital genético, remontando o conjunto de sua história patológica e antes do nascimento, à sua existência in

utero, e com as marcas acumuladas das agressões físicas e mentais sofridas

étnicos, seus aprendizados. Tudo isso pesa no custo pessoal da situação de trabalho em que é colocado.

E complementa:

O trabalhador não pode somente ser avaliado de forma instantânea, ele deve ser considerado no conjunto de sua vida pessoal e coletiva de tal maneira que suas qualidades possam se exprimir plenamente através do seu saber e do seu trabalho real. (WISNER, 2003).

Wisner (1999) propõe que se deva enxergar o homem além do corpo físico e levar em consideração as coletividades humanas nas questões sociais, culturais, psicológicas, econômicas, entre outras, nas suas relações com as pessoas e com seu trabalho. Para isso, faz- se necessário o conhecimento da Antropologia, ciência que estuda a espécie humana em seus aspectos biológicos (origem, evolução, características distintivas, distribuição de subgrupos e variedades) e comportamentais, especialmente os referentes a costumes, técnicas e modos de vida de grupos e coletividades.

A participação do homem e do caráter pessoal do trabalho na introdução e implementação de mudanças constitui um dos principais focos de estudo da Antropotecnologia, que procura realizar essa mudança de maneira eficaz, sendo esta efetiva quando requisitada, recebida, compreendida, difundida e amplamente aperfeiçoada (SANTOS et al, 1997). Segundo Wisner (op. cit.), quando essas mudanças não ocorrem segundo os conceitos descritos e as avaliações prescritas, a transferência de tecnologia pode gerar efeitos negativos em dois aspectos principais, a produção e a saúde:

No tocante à produção, os problemas referem-se à baixa produtividade, baixa utilização do potencial das máquinas, materiais inadequados e más condições de trabalho, estando o baixo volume de produção ligado a uma taxa insuficiente de engajamento das máquinas e à parada das máquinas relacionadas com várias causas, entre elas: condições climáticas ruins, manutenção insuficiente e não disponibilidade de peças e absenteísmo e rotação do pessoal devido principalmente às condições ruins de trabalho e de vida.

Quanto à saúde do trabalhador, Santos et al (op. cit.) esclarecem que este pode desenvolver as chamadas “doenças do desenvolvimento”, males diversos provocados pela inadequação dos sistemas produtivos às realidades humanas.

Finalizando, apresentamos, à guisa de conclusão, as palavras de Dias (2000) e Wisner (op. cit.) quando se reportam à Antropotecnologia:

Sem levar em conta os aspectos peculiares das regiões onde se vão implantar as novas tecnologias, a tendência é o fracasso total da empreitada, pois em muitos casos a tecnologia que funciona no país ou local de origem pode, simplesmente, não funcionar perfeitamente no local onde está sendo

implantada, isto provavelmente porque alguns aspectos importantes não foram considerados no planejamento. (DIAS, op. cit.).

Como a ergonomia, a antropotecnologia deveria ser uma arte técnica que permita obter resultados econômicos esperados com a transferência de tecnologia, sempre gerindo as condições de trabalho e vida satisfatórias para os trabalhadores. Trata-se de um objetivo modesto, subordinado às decisões políticas nacionais como a situação da economia mundial. Não saberíamos ver como uma nova forma presente de procura da felicidade, mas, simplesmente, da saúde (WISNER, 1999).

O desenvolvimento e implementação de um novo conceito de produto e de uma nova alternativa de produção para o setor artesanal através da integração de conhecimentos e técnicas do Design constituem-se num problema que se insere no campo da Antropotecnologia.