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5.2 Construção Social da Oficina de Design

5.2.1 Esquema de Construção Social

Para o aproveitamento dos conhecimentos de todos os especialistas, sejam do nível externo ou interno à empresa, faz-se necessário formar grupos de pessoas afins, de acordo com suas capacidades e competências, para que todos juntos em um único dispositivo social possam apontar ou resolver os problemas (VIDAL, 2003).

Considerando a Oficina de Design como a intervenção técnica a ser introduzida na empresa – nesse caso, o Núcleo de Produção – será mostrado a seguir (Figura 5-41) este dispositivo de construção social, com a composição e a função de cada um destes grupos de pessoas.

Grupo de Ação Ergonômica (GAE) – Formado pelas pessoas internas e externas ao Núcleo, essa equipe é constituída pelo designer (mestrando) responsável pela realização da oficina e por duas rendeiras líderes. Esse grupo foi complementado posteriormente com a presença de uma mestranda e duas alunas (bolsistas) de graduação.

a) Designer/mestrando: instrutor contratado pela instituição para desenvolver a oficina junto às rendeiras, sendo ele o responsável por criar os novos desenhos e produtos e conduzir a atividade durante o período de realização do projeto. b) Rendeiras líderes: duas rendeiras que dirigem o Núcleo e tomam as decisões

sobre a implementação de melhorias e outras ações. Estas também têm grande

Figura 5-41 – Esquema multifuncional do dispositivo de construção social da Oficina de Design Fonte: Adaptado de SALDANHA (2004 p.107) e VIDAL (2002, p.138)

capacidade técnica e orientam as demais no surgimento de dúvidas relativas à produção. Foram as responsáveis por autorizar, mobilizar e viabilizar a oficina. c) Mestranda e alunas de graduação: Outras três pessoas compuseram o GAE de

modo a contribuir com as investigações pós-oficina.

Grupo de Suporte (GS) – Integrado por pessoas de poder de decisão, a quem a equipe de ação ergonômica se reporta durante a ação, e constituído pelos seguintes componentes:

a) Rendeiras líderes: requisitadas desde o primeiro momento quando se decidiu prover a ação e sempre requisitadas durante sua realização, seja para solicitação de autorizações diversas ou para consultas técnicas. Têm forte poder de decisão no Núcleo de Produção, e toda e qualquer atividade desenvolvida é determinada e gerida por elas.

b) Instituição apoiadora da oficina: responsável em gerir o desenvolvimento da oficina. Responsável, também, por fornecer a matéria-prima e controlar a freqüência do instrutor e das artesãs, assim como por exigir e receber os relatórios conclusivos da ação.

Grupo de Acompanhamento (GA) – Semelhante ao grupo de Suporte, mas com certa distinção, pois neste grupo estão as pessoas com capacidade técnica para tomar decisões, a saber:

a) Rendeiras líderes: conhecedoras da produção e das técnicas de rendar. Rendeiras às quais o designer recorria para validar os novos desenhos, eram também solicitadas pelas rendeiras menos experientes para esclarecimento de dúvidas relativas à produção, principalmente no que se referia ao início da produção de uma peça nova.

b) Costureira: possuidora de capacidade técnica específica (costura) necessária para finalização das peças da oficina, além de responsável pela sugestão e tomada de decisões sobre as melhores composições dos produtos.

c) Coordenadora do Projeto/ Orientadora do mestrando: pessoa responsável por orientar as atividades a serem desenvolvidas em diversos aspectos, tais como técnicas de interação com as rendeiras, registros de informações, indicação de leitura, motivação de atividades a serem desenvolvidas, etc.

Grupo de Especialistas (GE) – Grupo formado por pessoas que detêm um conhecimento específico, sendo solicitado pelo GAE durante a atividade para uma participação exata e pontual em determinada etapa do trabalho. Nesse caso, é formado por duas pessoas: um artesão externo ao Núcleo, a quem chamaremos de “interlocutor privilegiado”, e a costureira.

a) Artesão: não faz parte do Núcleo, mas freqüentou o lugar por um período de tempo. Aprendeu a atividade de rendar e recriou os desenhos da renda em microcomputador; componente a quem o designer recorreu antes da realização da oficina para observar, aprender e replicar o método de confecção do desenho em computador.

b) Costureira: não possuía conhecimento da renda, mas era especialista em costura. O designer solicitava-lhe os serviços sempre que se concluía uma peça e era necessária sua aplicação nos demais produtos.

Grupos de Foco (GF) – Formados por todas as rendeiras que participaram da oficina. Estas foram distribuídas em três subgrupos específicos:

a) [GF-1] Grupo de Foco 1 (4 artesãs) – Rendeiras rendam no Núcleo de Produção diariamente.

O Núcleo de Produção Rendeiras da Vila é freqüentado diariamente por cinco artesãs. Porém, destas cinco, apenas quatro participaram da oficina – ficando de fora a rendeira que tem deficiência auditiva por estar nesse mesmo período se recuperando de um procedimento médico. Todas residem em Ponta Negra, próximo ao Núcleo, possuem mais de 60 anos de idade, aprenderam a rendar na infância (por volta dos 7 anos de idade) e nunca deixaram a atividade. Todas exercem o ofício há mais de 50 anos. São viúvas, aposentadas ou pensionistas dos maridos. Duas, além das pensões, possuem quiosques na praia e, apesar de não trabalharem lá, ajudam na administração do lugar e no preparo de alimentos, principalmente na alta estação. São senhoras ativas, que participam de movimentos sociais (Grupo de idosos, Clube de mães, Danças folclóricas, etc.) e fazem a renda por amor e dedicação, sem motivação financeira evidente. Possuem grande conhecimento e experiência no ofício. Declaram que nunca deixariam de rendar, mesmo que não haja mais venda. O depoimento a seguir retrata essa afirmação:

[...] Eu faço renda por amor, porque eu gosto, né?! Quando vende, a gente

fica mais alegre, mas se não vender mais nada, eu não ligo, continuo rendando e só paro um dia que Deus não deixar mais... Eu venho todo dia, eu já tô acostumada a vir, quando eu não venho me dá até uma agonia [...]

[sic] (RN2 – Rendeira do Núcleo, 62 anos).

b) [GF-2] Grupo de Foco 2 (8 rendeiras) – Rendeiras que fazem parte do Núcleo, mas não freqüentam o lugar, produzem as rendas em suas residências e enviam para á a fim de serem comercializadas.

Na sua fundação, o Núcleo contava com a participação de 14 rendeiras trabalhando efetivamente. Com o passar dos anos e a desvalorização do trabalho artesanal, a busca por outras ocupações, além de divergências e problemas pessoais, fizeram com que esse número diminuísse. Entretanto, algumas rendeiras que deixaram de freqüentar diariamente o lugar continuaram a rendar em suas casas, enviando suas peças para serem comercializadas através do Núcleo. Atualmente, 11 rendeiras produzem em suas residências, mas apenas oito participaram da oficina. São artesãs com mais de 50 anos de idade, residentes da Vila da Ponta Negra e que também aprenderam a rendar na infância. Possuem grande conhecimento e experiência no ofício, porém, não dispensam a mesma importância à atividade quanto as rendeiras do GF 1. Assim como as demais, a principal motivação para o trabalho é o prazer e não o dinheiro, como relatado: “[..] Não é porque dá dinheiro, é porque gosto, aquilo ali já vem da época da minha mãe e não dá pra esquecer [...]” [sic] (RV8 – Rendeira da Vila, 66 anos).

c) [GF-3] Grupo de Foco 3 (6 rendeiras) – Mulheres que sabem rendar, mas não produzem com freqüência, além de não possuírem relação produtiva e comercial com o Núcleo.

Formado por um grupo de mulheres da Vila de Ponta Negra que sabem rendar, mas não fazem isso com freqüência nem produzem para venda. Foram convidadas a participar da oficina para completar o número mínimo de pessoas exigido pela instituição financiadora. As idades delas variam de 35 a 45 anos; aprenderam o ofício há pouco tempo e a maioria não possui ligação cultural com a arte da renda. Todas possuem atividades outras atividades profissionais,

contribuem com o orçamento doméstico e declaram não rendar freqüentemente em virtude da falta de tempo:

[..] Eu não faço renda porque não tenho condições de fazer, não tenho

tempo. Eu tenho comércio que tomo conta sozinha... vontade eu tenho de aprender, .mas... Até mesmo pra dar continuidade à renda,. porque como eu sou mais nova, quer dizer.... já é uma chance de ter mais um tempo pra frente da renda, né!? [...] [sic] (Artesã da Vila, 40 anos).

Na construção social do projeto, como observado, existe uma multifuncionalidade das artesãs, ou seja, algumas participam de grupos diferentes. Nesse caso específico, destacamos a importância e a participação das rendeiras líderes em praticamente todos os grupos (GAE, GS, GA, GF-1).

No GAE (Grupo de Ação Ergonômica), essas duas rendeiras participaram diretamente da execução dos trabalhos, principalmente nas questões relativas à escolha dos desenhos, produção e orientação às demais rendeiras menos experientes. No GS (Grupo de Suporte), as rendeiras tinham autonomia para tomar decisões, desde a aceitação da oficina até a seleção e convite das outras artesãs. Elas também tomavam decisões relativas à escolha dos desenhos e ao feitio da renda durante as atividades. No GA (Grupo de Acompanhamento), as duas rendeiras validavam os desenhos e produtos e orientavam o instrutor no tocante à criação dos desenhos e as demais rendeiras quanto à produção da renda, por possuírem competência técnica para isso – característica marcante desse grupo. Por fim, no GF1 (Grupo de Foco 1), também demonstraram presença marcante em razão de também estarem participando das atividades e serem alvo de investigação deste trabalho.