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O entendimento do que é Design é fundamental para compreender como esse conhecimento pode contribuir e agregar valor ao sistema de produção artesanal. Pequini (2005, p. 41) expõe as definições de Tedeschi (1968) e de Maldonado (1977), ambos conceituando o design, embora com linhas de pensamentos diferentes. Para Tedeschi, “[...] o design apenas se refere aos produtos tridimensionais ou máquinas, fabricados exclusivamente por processos modernos de produção para distingui-los dos métodos manuais tradicionais [...]”. Contrapondo-se a esse conceito, Maldonado esclarece que “[...] existe uma infinidade de produtos que pertencem a um universo de produção não industrial, mas que utilizam o projeto, a funcionalidade e estética em seus princípios projetuais e que são produtos do Design [...]”.

Diante dessa diferença de concepções, Pequini (op. cit., p. 42) faz a seguinte indagação: “É possível definir o design apenas como uma atividade que gera uma produção industrial e em série, ou apenas no processo de projetar um produto?”.

Atualmente, as definições de Design fogem um pouco dessa dialética e tentam ressaltar outros pontos importantes da atividade, de modo que o conceito seja entendido de

forma mais global e menos pontual. O International Council of Societies of Industrial Design (ICSID) define Design como “[...] uma atividade envolvida nos processos de desenvolvimento de produto, estando ligada ao uso, função, produção, mercado, utilidade e mercado formal ou estéticas dos produtos [...]”.

Gomes Filho (2003) se refere ao Design como a ferramenta que pode ser utilizada para a melhoria do padrão de qualidade dos objetos em geral. O autor ainda afirma que

[...] utilizado como ferramenta estratégica, o design fornece condições de planejamento, concepção e especificação dos objetos, amarradas à sua natureza tecnológica e os demais processos que fazem parte de sua produção. [...] O design existe exatamente para possibilitar a concepção, inovação, o desenvolvimento tecnológico e a elaboração de objetos que, dentro de um enfoque sistêmico, possibilite reunir, integrar e harmonizar diversos fatores relativos à sua metodologia projetual (GOMES FILHO, 2003, p.21).

Fiell (2002, p. 15) explica que, com a implacável globalização da economia de mercado livre, o Design se tornou um fenômeno verdadeiramente global. Por todo o mundo, fabricantes de todos os tipos de produtos reconhecem e implementam cada vez mais o Design como um meio essencial para chegar a um novo público e para adquirir vantagem competitiva.

Para Munari (1977), o Design exige método, técnica e vai além da subjetividade dos pensamentos e criações aleatórias. Sobre o método projetual, o autor esclarece:

Consiste en unas operaciones necesarias en un orden lógico distado por la experiencia. Su finalidad es conseguir un máximo resultado con el mínimo esfuerzo. En el campo del diseño no es correcto proyectar sin metodo, pensar de forma artística buscando una idea sin hacer previamente un estudio.4 Para Duschenes (2007), as ações inseridas no âmbito do Design devem ser frutos da Criatividade, Invenção e Inovação:

Criatividade é um produto da mente humana, é a nossa imensa capacidade de encontrar novas formas de agir, interagir, brincar, abstrair, ela está inserida no universo das idéias. Invenção é um passo à frente da criatividade, onde se constrói, se esboça um produto ou processo inédito, resultante da combinação de idéias criativas concretizadas, ela está inserida no universo das tecnologias. Inovação é a transformação da invenção em um bem de consumo, algo que tenha aceitação no mercado, é a invenção produzida em escala industrial e está inserida no universo dos mercados, uma vez que precisa ser vendável (DUSCHENES, 2007, grifo nosso).

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Consiste em uma operação necessária, em uma ordem lógica, ditada pela experiência. Sua finalidade é conseguir o máximo de resultado com um mínimo de esforço. No campo do Design, não é correto projetar sem métodos, pensar de forma artística buscando uma idéia sem haver previamente um estudo.

A Oficina de Design investigada nesta pesquisa se propunha realizar um trabalho de criatividade, invenção e inovação com a renda de bilro. Conhecer as definições e premissas do Design é fundamental para analisar de forma crítica e coerente as repercussões da intervenção.

2.5.1 Design e Produção Artesanal

O Design pode contribuir basicamente de duas formas na produção artesanal: a) quando se busca “agregar valor” ao produto, no que diz respeito às novas formas, cores, texturas, materiais, simbologias, técnicas produtivas, etc., ou b) na criação de uma “identidade” para esses produtos e/ou locais de produção através da concepção de logomarcas, etiquetas, placas, fôlderes, embalagens e demais peças publicitárias que funcionam como elo de ligação entre o produtor e o consumidor (BOTELHOS, 2005).

Com relação às interferências realizadas diretamente no produto, foco de estudo desta pesquisa, destacamos as palavras de Freitas (2006) quando menciona que “[...] são necessárias algumas adequações da metodologia projetual de produtos industriais ao setor artesanal a fim de garantir a qualidade final das propostas [...]”. A autora destaca a necessidade de realização de um diagnóstico técnico e cultural, de um conhecimento e domínio da técnica artesanal e do conhecimento da cultura que envolve o produtor ou a comunidade produtora, permitindo ao profissional que atua no planejamento do produto visualizar as dificuldades e resistências perante as sugestões de inovação.

A participação do Design no setor artesanal é foco de várias discussões e estudos que procuram entender como associar as metodologias de projetação, prospecção de vendas e as práticas do Design aos meios e interesses da produção artesanal, sem alterar o modo de vida dos artesãos. A esse respeito, Leite (2005) levanta a seguinte questão:

O que é mais válido? Preservar o modelo tradicionalista do artesanato em que não se altera o modo de vida do artesão e mantém o produto tradicional, muitas vezes sem perspectiva de comercialização, ou projetar para mercado, com notória prospecção de venda, e, no entanto, alterar o modo de vida do artesão? (op. cit., p. 28).

Uma resposta definitiva para essa pergunta certamente é algo difícil de ser obtida; no entanto, da mesma forma que existem os casos positivos e de sucesso dessa interferência, também existem os insucessos e fracassos, principalmente quando essa participação não é adaptada à realidade produtiva das comunidades receptoras, aos meios de trabalho e ao modo de vida das comunidades, como ressalva Leite (op. cit., p. 30). Freitas (op. cit., p. 128) complementa essa idéia, esclarecendo que o designer deveria atuar considerando principalmente o contexto em que o artesão vive, buscando compreender o modo de

produção, tendo como desafio promover produtividade e, ao mesmo tempo, preservar as peculiaridades do processo, de modo a unir tradição e modernidade, descobrir novos usos, compartilhar idéias e experimentar o fazer.

Lima (2005, p. 20) provoca o questionamento quando discorre sobre a relação entre o Designer e o artesanato: “[...] Não entendo por que o designer no Brasil se recusa tanto a assumir a tradição, por que sempre condiciona o sucesso mercadológico do produto artesanal à criação do novo [...]”. O mesmo autor ainda ressalta que

na ânsia pelo moderno, o profissional do Design pode criar um novo produto que deixa de ser do artesão e passa a ser dele, até porque, por subordinação de classe, o artesão se submete ao desejo daquele que é tido como o que domina o saber e as tendências de mercado. Quando isto acontece, o artesão passa a gerar um produto que lhe é externo, deixa de ser o dono integral de seu processo de trabalho e transforma-se em mão-de-obra que executa os riscos dos “cérebros pensantes”, os detentores do saber e os indivíduos laureados nesse processo.

Lima (2005, grifo nosso) ainda ressalta a existência de cinco focos de observação que devem ser destacados quando se trata da participação do design no setor artesanal:

1) o artesanato não é mera mercadoria e traz, embutido em si, valores, crenças, culturas: É importante entender o objeto artesanal dentro das relações de mercado, mas como um produto diferenciado, que nunca se perca a dimensão cultural que está embutida nele, porque, quando se lida com a cultura, se agrega valor, e assim se consegue fazer com que o objeto seja mais valorizado e mais caro exatamente por essa razão.

2) O artesanato não é produto de máquina. Sendo manual, ele é irregular, perfeitamente irregular: Um pote de Passagem, localidade à margem do Rio São Francisco na Bahia, apresenta manchas irregulares. Se houvesse sido produzido na indústria seria refugado como objeto mal feito, no entanto, suas marcas podem ser lidas de outra forma, atestando uma identidade cultural de grande importância.

3) O artesanato não é algo imutável: O artesanato está sempre em processo de mudança, e as interferências muitas vezes devem partir do pressuposto de que as pessoas são capazes de mudar, detêm um saber, o domínio de uma arte e chegam a bons resultados sem que sejam levadas soluções prontas.

4) Artesanato é ritmo, é tempo de produção: Esta é uma grande questão para todos os que resolvem enfrentar o desafio de equacionar o binômio artesanato x mercado. Lidando com a comercialização, o mercado acaba por exigir uma continuidade de produção que o artesanato muitas vezes não atende.

5) Artesanato pressupõe autoria e, portanto, tem a ver com os direitos do autor: É bom que desde já busquemos discutir os direitos do autor, direitos de coletividade. Muitas vezes definimos os artesãos como anônimos porque integram coletivamente o repertório cultural de um grupo, esses saberes e expressões são patrimônios coletivos de uma comunidade.

Nesse contexto, cabe mencionar as discussões mais recentes acerca da atuação profissional do designer, através das palavras de Niemeyer (2008), quando se reporta à criação do Código de Ética para Designers.

Segundo a autora, “[...] urge a necessidade de ampliação do debate sobre a ética na profissão, para que a configuração do código de ética esteja assente para reger os compromissos dos designers no que diz respeito ao seu saber fazer profissional [...]”. Ainda de acordo com Niemeyer (2008), a última versão do Código de Ética Internacional de Designer foi publicada em 2001, conjuntamente pelo International Council of Societies of Industrial Design – ICSID, o International Council ao Associations of Graphic Designers – ICOGRADA e o International Federation of interior Designers – IFI. Para a autora, faz-se necessária a construção do Código de Ética a ser adotado pelos designers do Brasil que, sendo sólido e eficiente, será causa e efeito do amadurecimento do Design: “[...] É imperativo que sejam retomadas e ampliadas as discussões sobre as regras que pautam as relações humanas envolvidas no processo de design, sejam elas no plano das relações de trabalho, de desenvolvimento e projeto, de uso e de pós-uso [...]”.

Como revisto, a participação do design no setor artesanal provoca diversos questionamentos e discussões acerca das positividades e negatividades geradas nessas interferências. Não seria diferente no estudo de caso apresentado nesta pesquisa. A renda de bilro é um artesanato tradicional, com grande carga cultural e histórica envolvida, e o entendimento dessas questões, bem como o conhecimento de outros exemplos de intervenções, tornam-se fundamentais para substanciar as análises e resultados da pesquisa.