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ANÁLISES LITERÁRIAS

No documento ANAIS – Mostra Científica 2016 (páginas 109-115)

Agora, o conto Presépio, de Carlos Drummond de Andrade, será analisado sob quatro perspectivas literárias estruturalistas: o enredo, o foco narrativo, as personagens e o espaço.

a) Análise do enredo:

O enredo, segundo Mesquita (1994, p. 7), é “a apresentação/representação de situações, de personagens nelas envolvidos e as sucessivas transformações que vão ocorrendo entre elas, criando-se novas situações, até se chegar à final – o desfecho do enredo.” No conto Presépio, de Carlos Drummond de Andrade, o enredo pode ser sintetizado no primeiro parágrafo, “Dasdores (assim se chamavam as moças daquele tempo) sentia-se dividida entre a Missa do Galo e o presépio. Se fosse à igreja, o presépio não ficaria armado antes de meia-noite e, se dedicasse ao segundo, não veria o namorado.” (s/d, s/n), assim, entendemos que o enredo, na sua essência, é o corpo de uma narrativa. A temática religiosa da montagem do presépio é o tema principal do conto, até pela composição do título, e que dialoga com a espera de Dasdores por Abelardo (seu namorado), como também o compromisso com a Missa do Galo, formando assim, uma disputa psicológica entre o sagrado e o profano.

“O enredo é estruturado pelo princípio lógico da casualidade e pela lógica temporal.” (MESQUITA, 1994, p. 12), e no conto, a sequência de acontecimentos vividos por Dasdores, desde a sua rotina diária incansável, quando “Os pais exigem-lhe o máximo, não porque a casa seja pobre, mas porque o primeiro mandamento da educação feminina é: trabalharás dia e noite.” (ANDRADE, s/d, s/n). Nota-se um abuso do trabalho feminino domiciliar. E no dia do Natal, sua rotina é duplicada, pelos afazeres domésticos comuns e pelos possuidores de características festivas, como a montagem do presépio, uma tarefa ensinada e herdada da tia falecida que exigia a colocação de cada peça no devido lugar, porque “E só Dasdores conhece o lugar de cada peça, determinado há

quase dois mil anos, porque cada bicho, cada musgo tem seu papel no nascimento do Menino, e ai do presépio que cede a novidades.” (Idem). Contudo para atrapalhar os afazeres de Dasdores, algumas situações ocorrem, “Todos os irmãos querem colaborar, mas antes atrapalham, e Dasdores prefere ver-se morta a ceder-lhes a responsabilidade plena da direção.” (Idem), “Nem todos os animais estão perfeitos; este carneirinho tem uma perna quebrada,” (...) (Idem) e “Alguém bate palmas na escada; ô de casa! Amigas que vêm combinar a hora de ir para a igreja. Entram e acham o presépio desarranjado, na sala em desordem. Esta visita come mais tempo, matéria preciosa” (...) (Idem).

Conforme Mesquita (1994, p. 13), o enredo “pode apresentar o seu significado mais ou menos transparente, assim como um leitor pode ‘ler’, com maior ou menor acuidade, o sentido de um texto.”. O Presépio pode ser visto por várias perspectivas, tais quais, a comemoração natalina nas famílias, a subordinação feminina, o enlace amoroso, as relações sociais, enfim, essas visões são alguns exemplos graças à estética da recepção.

A realidade emerge no conto, de tal forma, que ao ler, parece um relato pessoal, exemplificamos com a luta entre os afazeres de Dasdores e o tempo corrido. Ao chegar a noite, “Pronto, este ano não haverá Natal. Nem namorado. E a noite se fundirá num largo pranto sobre o travesseiro.” (ANDRADE, s/d, s/n), explica-se pela quantidade exacerbada de afazeres, assim, Dasdores não participou da Missa do Galo e nem passeou com seu namorado, ficando a cuidado da casa, e principalmente do presépio, assim, vemos um clássico exemplo da valorização do material e desprezo pelo social e espiritual. Em Presépio, o núcleo dramático confere ao confronto da rotina dos afazeres e os desejos de Dasdores, essas relações em luta vão impulsionando as mudanças das situações criadas. (MESQUITA, 1994).

b) Análise do foco narrativo:

A tipologia do narrador de Norman Friedman pretende estabelecer elementos que contribuam nas respostas das questões: “quem conta a história?”, “que posição em relação a história ocupa o narrador?”, “que canais de comunicação o narrador utiliza para comunicar a história?”, e a “que distância há entre o leitor e a história?”. (LEITE, 2001).

Em Presépio, o narrador é classificado como autor onisciente intruso, devido a sua liberdade de narrar, desde os comentários tecidos sobre fatos e as personagens d a

narrativa, exemplifiquemos, “É difícil ver namorado na rua, pois moça não deve sair de casa, salvo para rezar ou visitar parentes.” (ANDRADE, s/d, s/n) e “Dasdores sente -se livre em meio às tarefas, e até mesmo extrair delas algum prazer.” (Idem). O narr ador aproxima o texto ao leitor pela linguagem simples e informal.

c) Análise das personagens:

“Aristóteles aponta, entre outras coisas, para dois aspectos essenciais: a personagem como reflexo da pessoa humana, [e] a personagem como construção, cuja existência obedece às leis particulares que regem o texto.” (BRAIT, 2000, p. 29), no conto analisado, as personagens possuem reflexo das pessoas humanas, principalmente, por Dasdores, que remete a mulher com muitos afazeres domésticos, desejos e anseios, enlaçada pelo amor.

Segundo a classificação tradicional das personagens, Dasdores é tida como protagonista, por possuir o primeiro plano na narrativa; Abelardo, o namorado, é adjuvante ou coadjuvante, por estar ao lado da protagonista. No decorrer da narrativa aparecem algumas personagens com pequena significação e atuação, como a família e as amigas de Dasdores, elas são denominadas de decorativas, contudo desempenham uma função e não podem ser consideradas dispensáveis. (BRAIT, 2000).

d) Análise do espaço:

“Ocorre à fusão dos indícios espaciais e temporais num todo compreensível e concreto. Aqui o tempo condensa-se, comprime-se e torna-se artisticamente visível; o próprio espaço intensifica-se, penetra no movimento do tempo, do enredo e da história”.

(BAKHTIN, 1988, p. 211). Nesse sentido o tempo e o espaço unem-se, e o cruzamento e a fusão acaba por caracterizar o cronotopo, uma composição das palavras gregas cronos:

tempo e topo: lugar. O tempo e o lugar unidos para formar o espaço psicológico ou concreto onde habitam as personagens.

Por ambientação, entenderíamos o conjunto de processos conhecidos ou possíveis, destinados a provocar, na narrativa, a noção de um determinado ambiente. Para a aferição do espaço levamos a nossa experiência do mundo, onde transparecem os recursos expressivos do autor, impõe-se um certo conhecimento da arte narrativa. (LINS apud DIMAS, 1987, p. 20).

No conto de Carlos Drummond de Andrade, o espaço remonta a casa de Dasdores, e a igreja católica frequentada por ela, vale ressaltar que o espaço pode alcançar um nível tão importante quanto outros componentes da narrativa, assim, ele é possuidor de dados da realidade. A ambientação, implícita e subjacente, confere a traços do espaço, como “Dasdores e suas numerosas obrigações: cuidar dos irmãos, velar pelos doces de calda, pelas conservas, manejar agulha e bilro, escrever as cartas de todos.”

(ANDRADE, s/d,s/p), por inferência, entende-se um estilo de vida tradicional dos séculos XIX e XX, uma residência assídua e organizada, e os preparativos para o Natal, tornaram a casa bagunçada, “Entram e acham o presépio desarranjado, na sala em desordem.” (Idem), deixando a protagonista agoniada com as tarefas e os compromissos.

BREVES CONSIDERAÇÕES

O presente trabalho foi dividido em dois momentos cruciais para sua composição, em prólogo foi feito como proposto, uma contextualização histórica do momento em que o poeta viveu e de sua vida, trançando um contexto psicossocial que estabelece as influências do autor para a escrita de suas obras. No segundo momento foi feita a comparação com base no contexto a qual estava inserido o escritor e também seguindo os parâmetros estabelecidos anteriormente para que isso fosse viável. Ao estudar Carlos Drummond de Andrade, podemos desvendar um momento cultural e multifacetado que foi o século XX. Momento em que o mundo passou por diversas mudanças culturais e intelectuais de grande importância para a humanidade, a literatura e para a arte como um todo. Podemos constatar que o poeta é universalista em sua pluralidade de pensamentos, por não encaixar-se dentro da própria definição poética.

No conto “Presépio”, de meados do século XX, o escritor exprime o pensamento sobre a condição da mulher, e pensamento machista encontrado no conto nada difere do século a qual o contista é filiado. Drummond advindo de duas guerras mundiais procurou expressar-se de forma contrária ao pensamento estabelecido pela época. Ao término da análise, verifica-se que as personagens são convergentes as mulheres reais do século XXI, pois na atualidade os pensamentos sexistas são deliberadamente expostos em nosso cotidiano, exemplificadas através de piadas e divisões salariais.

O estudo pretende provocar a reflexão sobre as questões de gênero que perduram até o século atual. Logo, foi possível perceber a genialidade do autor e sua

importância para o gênero literário a qual pertence, Drummond exerce não só papel fundamental para a literatura como igualmente para a história do Brasil.

REFERÊNCIAS

ANDRADE, Carlos Drummond de. Alguma poesia. Belo Horizonte: Edições Pindorama, 1930.

______. Poesia até agora: Alguma poesia, Brejo das almas, Sentimento do mundo, José, A rosa do povo, Novos poemas. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1948.

______. Obra completa: Estudo crítico de Emanuel de Moraes, fortuna crítica, cronologia e bibliografia. R. de Janeiro: Aguilar, 1964 (publicada pela mesma editora sob o título Poesia completa e prosa (1973), e sob o título de Poesia e prosa (1979).

______. Presépio. Disponível em: <http://contobrasileiro.com.br/ presepio-conto-de-carlos-drummond-de-andrade/>. Acesso em: 12. Out. 2016.

BAKHTIN, Mikhail M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo: Hucitec, 1988.

BRAIT, Beth. A personagem. São Paulo: Editora Ática, 2000. (Série Princípios).

CANDIDO, Antônio. O Romantismo no Brasil. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2002.

COUTINHO, Eduardo F. Mutações do comparatismo no universo latino-americano: a questão da historiografia literária. In: SCHMIDT, Rita T. Sob o signo do presente:

intervenções comparatistas. Porto Alegre: UFRGS Editora, 2010.

DIMAS, Antônio. Espaço e romance. 2. ed. São Paulo: Editora ática, 1987. (Série Princípios).

ESTAÇÃO VEJA. Carlos Drummond de Andrade: 100 anos. Entrevista publicada em

VEJA em 19/11/1980. Disponível em:

<http://veja.abril.com.br/idade/estacao/drummond/ entrevista.htm />. Acesso em: 19 dez. 2016.

FERREIRA, António Manuel. O conto de Miguel Torga. In: Flavia Maria Corradin; Lilian Jacoto (Org.). Literatura Portuguesa: ontem, hoje. São Paulo: Paulistana, 2008. p. 27-38.

LEITE, Ligia Chiappini Moraes. O foco narrativo (ou A polêmica em torno da ilusão). 10.

ed. São Paulo: Editora Ática, 2001. (Série Princípios).

MASSAUD, Moisés. História da literatura brasileira. Editora Cultrix, 1989.

MESQUITA, Samira Nahid de. O enredo. 3. ed. São Paulo: Editora Ática, 1994. (Série Princípios).

NOGUEIRA, Carlos. Cancioneiro Popular de Baião. Vol. I. Baião: Cooperativa Cultural de Baião − Fonte do Mel, 1996.

“OS VIAJANTES E O MONSTRO” POR ANA MARIA

No documento ANAIS – Mostra Científica 2016 (páginas 109-115)