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O QUE HÁ NAS ENTRELINHAS DESTA OBRA

No documento ANAIS – Mostra Científica 2016 (páginas 81-84)

O narrador faz um resumo de sua vida desde a infância, marcado pelas ideias do fracasso e da imperfeição, no decorrer da voz narrativa, envolve outros personagens.

Mais à frente do ator principal, um beberrão que também necessita arranjar uso de ansiolíticos, há também, sua mãe, uma mulher densamente depressiva, especialmente depois que perdeu o marido, e há seu irmão, que ainda na mocidade ganha o triste diagnóstico de esquizofrênico.

O protagonista de “O Doente”, numa série de entrevistas gravadas, um homem repassa os principais momentos de sua vida a partir da morte do pai, de câncer, um domador de pulgas que apresentava seus shows nas mansões da burguesia paulista, ele passa a sentir, ainda com mais intensidade, sua condição imperfeita e na verdade humana, no dia do seu aniversário de onze anos.

O romance “O doente”, abre com a palavra “transcrição”, numa página em branco, depois observa seguem-se travessões que se repetem por seis linhas, só então aparece à primeira palavra do romance, a preposição “de”. Logo em seguida à abertura, o público leitor descobre-se com o subsequente fragmento:

De que somos nossa infância. Foi uma entrevista que vi, domingo passado na televisão. O papo era o de sempre: castração, frustação, teoria dos instintos, fase anal, o menino é o pai do homem, essas coisas. Mas me chamou a atenção porque foi no dia em que a gente marcou essa conversa. Começou a gravar?

Então antes eu gostaria de ler uma frase pra você. Se um dia alguém escrever minha história, seria uma possível epígrafe. (VIANA, 2014 p.07).

Prontamente, entende que se trata de uma gravação. E em seguida o narrador desconhecido se expressa ao dizer que: “Acho que uma série de motivos me impediria de escrever um livro. Primeiro por questão de distanciamento que seguramente não tenho.

Na verdade, seria o contrário: proximidade excessiva.” (Viana, 2014, p.07).

Assim sendo, declara-se ser incapaz de escrever um livro. A história, no entanto, ainda não começa o protagonista, cujo nome jamais se sabe, ao invés de buscar um psicanalista, como ele mesmo afirma:

No fundo, acho que não faço análise não porque não acredito, mas justamente porque tenho medo do que posso encontrar. Todo mundo acha que eu preciso de ajuda. Eu também acho que eu preciso de ajuda. Todo mundo precisa de ajuda. Além do mais, minha história. Diz uma coisa, o que você acha de envernizar um pouco o verbo pra gente começar? (VIANA, 2014 p. 10)

Assim sendo, resolve procurar um colega jornalista que, provido de seu gravador, se coloca à disposição para "ouvir" o que o outro tem a dizer . Desse modo, esclarece-se que, o seu desígnio não é e nunca foi escutar conceitos, não é uma pessoa para assentar um braço sobre seus ombros e então contar a ele toda sua vida. Este interlocutor, que não por acaso, está ali, parado naquele lugar porque ama escutar histórias, não se anuncia em ocasião alguma.

Tudo o que se sabe a seu conceito é apenas e totalmente através da voz, que nem se pode afirmar ser ou não de um narrador, mas puramente e meramente a voz de uma gravação. Do mesmo modo, sempre na casa desse esquisito personagem, o jornalista ouve e provavelmente, registra tudo que pode, a varar madrugadas, regadas a muito uísque.

É através desse recitar que ficamos conhecendo o fato de que o pai do narrador tenha morrido crucialmente no dia de seu aniversário de 11 anos, fato que sem dúvida nenhuma, seria o suficiente para que as mudanças começassem a surgir em sua vida para sempre. Então a voz da gravação diz: “Vamos lá. Se um dia eu escrevesse minha história, ela teria como ponto de partida a morte do meu pai. No dia do meu aniversário de onze anos”. (VIANA, 2014, p. 10).

Também não significa que a história desse personagem não venha a obter valor ante de tantas histórias tão ou mais calamitosas que têm por aí. Porém, sim pela estimação dada à singularidade e ao acontecimento de que cada história de vida, seja ela qual for, sendo ou não a mais importante, pelo ao menos é digna de ser relatada. Então ele confessa que:

Eu e meu irmão nascemos no cinema, crescemos no cinema, morando no mesmo prédio, no primeiro andar. Meu irmão e minha mãe ainda moram lá, o cinema ainda está lá, igualzinho. Minha mãe hoje cuida do que pode, eu ajudo no que posso à distância e meu irmão. Eu já falo do meu irmão, mas adianto que nossa relação hoje lembra um pouco a mamãe do conto “A saúde dos doentes”, de Cortázar, já leu? E um sentimento parecido, uma sensação de que meu irmão morreu, mas continuo recebendo notícias dele. (VIANA, 2014, p.13).

Todavia, durante toda a leitura, percebe que o narrador vai contando sua vida pelas surpresas de tudo o que habitou no passado, suas relações com o cinema, com a literatura, música e das artes em geral. A narrativa, basicamente, no decorrer de toda a narrativa do romance, segue uma estrutura de gravação sem a coerente edição, com espaços em branco. Além de muitas referências feitas à psicanálise, o eu lírico faz citação a vários livros de cunho literário, de filosófico, e de filmes famosos.

O romance no proceder das entrelinhas que quem sabe como saída para a dor, o garoto apaixona-se, essa paixão, que perpetua pelas idas e voltas ao alongado do monólogo, é uma vertente devoradora para o garoto que já se transformou em homem e que continuamente se consentiu desempenhar sua sexualidade fora de um conceito dito convencional, embora com/sem um preço a pagar por isso.

No decorrer da leitura perceber que depois da morte do seu pai, seu irmão começa da passar mal, a loucura do irmão, que acontece oito ou nove meses após a perda do pai, é uma falha que não se resolve.

Menos de um ano depois da morte do meu pai, meu irmão começou a ter umas febres súbitas antes de dormir. Minha mãe já tinha saído da depressão, e tenho pra mim que aquelas febres a deixavam feliz de poder cuidar novamente de alguém. Um dia meu irmão teve uma convulsão. Três dias de internação, delírios, suores, gritos. Ali foi o início do desgoverno. (VIANA, 2014, p. 49)

Consequentemente, a doença do rapaz começa com febres súbitas antes do amanhecer. Não é a troco de nada que, em oferecido período, o narrador alude que a mãe é uma das agentes para que seu irmão venha a ser esquizofrênico. Também a loucura do irmão pode ser entendida como um golpe que o real, que é sempre aleatória, dá em nossa realidade. Essa experiência do narrador com o real é apunhalada pela presença de pausas forçosas e acontecimentos que não se devem pronunciar. De um modo geral, as relações familiares são sempre veladas.

Entretanto, pode-se imaginar que o personagem passou por um processo transformador de auto ponto de análises entre um ponto e outro. Para o narrador, contar sua própria história para um colega jornalista, ou seja, citar o roteiro de sua biografia, dar um alvará, um significado ao seu drama, pode ter sido para uma busca de libertação, porém talvez, essa não fosse à única.

Assim sendo, a morte do pai, é aprofundada no livro. Por várias vezes refere -se ao assunto e fala do peso que precisa carregar por herdar os problemas que passam a lhe aborrecer a partir da exata ocasião em que sua mãe já não consegue manter de pé o pequeno comércio da família e, muito menos cuidar do filho adoentado. Na verdade, ao contrário do que esta morte significaria em termos simbólicos. No final, são passadas a limpo duas cartas (correspondências), que rematam o sentido da história.

No documento ANAIS – Mostra Científica 2016 (páginas 81-84)