• Nenhum resultado encontrado

ANCORAGENS TEÓRICO-CONCEITUAIS: DO QUE FALAMOS QUANDO

Nesse trabalho, nossa reflexão é orientada pelo entendimento do magistério enquanto profissão. Com isso, defendemos que o exercício da profissão docente requer a formação em cursos de nível superior realizados em universidades, as licenciaturas.

Também partimos do entendimento de que a formação de professores ocorre num processo contínuo e permanente, na perspectiva de ―desenvolvimento profissional‖, tal como apresentada por Nóvoa (1992) e Garcia, C. (1999)6

. Logo, não se esgota na formação inicial ou na formação continuada e supera a visão de que a formação constrói-se por acumulação de cursos (NÓVOA, 1992).

Muito embora compreendamos o conceito de formação docente na perspectiva de ―desenvolvimento profissional‖, estaremos, neste estudo, tal como

6 A ―O conceito desenvolvimento tem uma conotação de evolução e continuidade que supera a

delimitado na Resolução Nº 2, de 1º de julho de 20157, utilizando a nomenclatura formação inicial com objetivo didático de focar nas licenciaturas. Considera-se, nesse estudo, a definição de licenciaturas trazida por Gatti (2010), ao compreendê- las enquanto cursos de nível superior que, em conformidade com a legislação, objetivam a formação de professores para a Educação Básica do país.

Na contraposição da utilização do termo formação inicial, encontramos a defesa de Diniz-Pereira (2008, 2015) pela utilização do termo formação acadêmico- profissional, uma vez que o termo formação inicial não corresponde à realidade brasileira, visto que muitos dos ingressantes nos cursos de formação de professores já atuam ou mesmo já possuem uma formação anterior, como no caso curso de nível médio magistério.

Ainda que estejamos utilizando nesse trabalho a nomenclatura formação inicial, compreendemos que o contato com a formação e profissão tem início antes mesmo da entrada dos licenciandos nos cursos de formação docente, tal como nos apontam Tardif (2002), Garcia, C. (2009) e Diniz-Pereira (2008, 2015). O período prolongado de observação do magistério como alunos da Educação Básica vai configurando de forma paulatina uma aprendizagem informal sobre a docência.

Assim, os futuros professores, ao chegarem à universidade, nos cursos de licenciatura, têm ideias e crenças fortemente estabelecidas do que seja a formação e a profissão docente. Desconstruir essas ideias e crenças estabelecidas a partir do senso comum e construir conhecimentos e saberes fundamentados teórica e cientificamente são um dos desafios aos cursos de formação de professores, tal como apontam Ludke e Boing (2012).

Defendemos que a formação de professores deve ser realizada exclusivamente nas universidades. Sabe-se que a formação em nível superior realizada na universidade reivindica uma formação pautada na indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão. Essa característica possibilita ao futuro professor alcançar níveis de capacidade intelectual que requer desenvolver dentre outras habilidades cognitivas, a autonomia, a criatividade, a elaboração pessoal, a argumentação e o pensamento crítico e científico. Por isso, a formação de

7

Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada. O Art. 9º dessa normativa define como cursos de formação inicial para os profissionais do magistério para a educação básica, em nível superior: I - cursos de graduação de licenciatura; II - cursos de formação pedagógica para graduados não licenciados; III - cursos de segunda licenciatura.

professores realizada na universidade, para além de ser uma formação profissional, é também uma formação acadêmica.

Com isso, queremos demarcar que a formação de professores que ocorre em outros espaços não universitários, como faculdades isoladas, centro universitários e outros, podem prescindir de ter uma formação pautada na indissociabilidade ensino- pesquisa-extensão. Em outras palavras, podem deixar de agregar à formação do futuro professor a formação acadêmica, tal como mencionamos.

Em que pese defendamos a formação de professores na universidade, não estamos alheios a toda dificuldade que este processo formativo enfrenta para a sua realização no âmbito acadêmico, tal como abordaremos no tópico no seguinte. Em acordo com o Art. 3º da Resolução Nº 2, de 1º de julho de 2015, e com a literatura especializada da área, compreendemos que a formação realizada na universidade, para além de ser uma formação acadêmica, também é uma formação profissional, ou seja, ―(...) entendem-se os processos institucionais de formação de uma profissão que geram a licença para o seu exercício e o seu reconhecimento legal e público‖ (CUNHA, 2013, p. 612).

O reconhecimento da importância da formação de professores consolida a profissão docente através da sua profissionalidade, visto que se entende que é uma profissão com saberes e um agir profissional8 específico. Neste trabalho, apoiamo- nos nos estudos de Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004) e Brzezinski (2014) sobre profissionalidade. Dos primeiros, decorre o entendimento de profissionalidade como o processo no qual o futuro professor está adquirindo os saberes necessários à atividade docente (da disciplina e pedagógicos). Da segunda, decorre o entendimento como:

[...] conjunto de conhecimentos, saberes, capacidades e competências de que dispõe o professor, no desempenho de suas atividades. Profissionalidade, então, constitui um conjunto de requisitos profissionais indispensáveis para transformar em professor aquele sujeito leigo que busca uma formação para o futuro exercício profissional no campo da docência (BRZEZINSKI, 2014, p.8).

A formação de professores realizada na universidade constitui a base do processo de profissionalização docente (RAMALHO, NUÑEZ, GAUTHIER, 2004;

8

Conceituação utilizada por Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004). Trata-se de uma ação consciente, ou seja, não só executa por que domina a técnica, mas sabe o porquê o faz com autonomia e com intencionalidade.

IMBERNÓN, 2011; GATTI, BARRETO, ANDRÉ, 2011). Entendemos a profissionalização como o processo de alguém tornar-se profissional e ocorre por toda a vida do professor. Contudo, esse processo de profissionalização foi tomado pelos discursos das políticas de formação de professores pautado pela racionalidade técnica, no qual o professor é um técnico executor de tarefas planejadas por especialistas. Todavia, ao tomar o conceito de profissionalização, apoiamo-nos na perspectiva dos autores Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004, p. 50) em que afirmam:

[...] A profissionalização é entendida como o desenvolvimento sistemático da profissão. A profissionalização reúne em si todos os atos ou eventos relacionados direta ou indiretamente para melhorar o desempenho do trabalho profissional. O processo de profissionalização da docência representa uma mudança de paradigma no que se refere à formação, o que implica sair do paradigma da racionalidade técnica, para se procurar um paradigma emergente, ou da profissionalização, no qual o professor é construtor da sua identidade profissional.

A formação de professores é parte integrante das reivindicações de uma política de valorização e profissionalização docente que também engloba outros elementos, tais como: as questões da carreira, da formação continuada, da remuneração e das condições de trabalho (OLIVEIRA, 2013). Estamos convencidos também de que falar na formação de professores necessariamente passa por reflexões profundas sobre a função e o papel da escola e do professor. Embora reconhecendo a necessidade do tratamento sobre essas reflexões, nesse trabalho não aprofundaremos estas questões.

Quanto à formação de professores, defendemos que esse processo formativo ocorra situado histórica e socialmente, contemplando dimensões acadêmicas (como já tratamos acima), pessoais e profissionais. Contemplar na formação do professor a dimensão pessoal significa denotar atenção especial à formação humana do professor, uma vez que em sua atividade irá trabalhar com seres humanos, sobre seres humanos e para seres humanos (TARDIF; LESSARD, 2005).

É esse o contexto também de que precisamos para compreender quando Gatti (2009) coloca a importância da docência na contribuição da formação das próximas gerações e na preservação da civilização. Ademais, o indivíduo que está vivenciando o processo formativo, o futuro professor, está numa fase do seu desenvolvimento humano e pessoal, ou seja, é um ser humano em

desenvolvimento, em aprendizagem, construindo e desenvolvendo valores, atitudes, hábitos.

A dimensão profissional trata da formação profissional que em nosso entendimento demanda construir a base de conhecimento para o ensino, tal como apontada por Shulman (2005). Para esse autor, a base de conhecimento para o ensino possui categorias subjacentes: • conhecimento do conteúdo; • conhecimento pedagógico geral, com especial referência aos princípios e estratégias mais abrangentes de gerenciamento e organização de sala de aula, que parecem transcender a matéria; • conhecimento do currículo, particularmente dos materiais e programas que servem como ―ferramentas do ofício‖ para os professores; • conhecimento pedagógico do conteúdo, esse amálgama especial de conteúdo e pedagogia que é o terreno exclusivo dos professores, seu meio especial de compreensão profissional; • conhecimento dos alunos e de suas características; • conhecimento de contextos educacionais, desde o funcionamento do grupo ou da sala de aula, passando pela gestão e financiamento dos sistemas educacionais, até as características das comunidades e suas culturas; e • conhecimento dos fins, propósitos e valores da educação e de sua base histórica e filosófica.

A base de conhecimento para o ensino, portanto, consiste em ter conhecimentos9 sobre seu trabalho e sobre seu local de trabalho e suas circunstâncias. Contudo, ter conhecimentos sobre o seu trabalho implica ter conhecimento técnico, já que é uma atividade prática, mas não se limita a isso. Trata-se de pensar a atividade docente como práxis, uma ação intencional, com objetivo, que faz e sabe o como e o porquê o faz.

A formação de professores, conforme apresentada aqui, trata-se de uma formação plural, pois envolve formação profissional, humana, reflexiva e para cultura organizacional da escola. É multifacetada, pois envolve diferentes dimensões e conhecimentos.

A formação de professores, tal como apresentada aqui, evidencia-se como

complexa, pois envolve pensar na profissão demandando conhecimentos sobre o

seu trabalho; no sujeito que se forma enquanto ser humano em desenvolvimento; no

9

Para este trabalho conhecimento e saberes serão tomados como sinônimos. Tais conceitos são diferentes de competências. Ao tomar o conceito de conhecimento/saberes, assumimos a perspectiva trazida pela autora Pimenta (2005, p. 42): ―[...] visão de totalidade, consciência ampla das raízes, dos desdobramentos e implicações do que se faz para além da situação [...] dos porquês e dos para quê‖. Já a competência fica restrita à aplicação do conhecimento técnico, à ação imediata.

futuro local de trabalho e na sua cultura organizacional (LIBÂNEO, 2005); no contexto sócio-histórico em que se encontra a instituição e o processo formativo; no local onde ocorre a formação, ou seja, na universidade enquanto instituição cultural e humana.

Com isso, reconhecemos a complexidade da tarefa de formar professores. Ao situar a pesquisa dentro desse debate, queremos desconstruir uma retórica que simplifica a formação de professores ao domínio do conhecimento específico (quem sabe pode ensinar) ou mesmo ao ―treinamento‖ de técnicas didático-pedagógicas. A existência de um debate mais profundo sobre a formação de professores contribui para valorização da formação e profissão docente, pois evidencia tratar-se de uma profissão com saberes e conhecimentos próprios. Acreditamos que assim contribuímos para desconstruir uma retórica que simplifica a formação de professores a uma reforma curricular, ou seja, a uma troca de disciplinas somente, demarcando-a como um campo de conhecimento complexo, plural e multifacetado.