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Resolução CNE/CP n° 1/2002 e pelo Parecer CNE/CP nº 09/2001

3.3 A INTERDISCIPLINARIDADE NOS DOCUMENTOS OFICIAIS PARA A

3.3.1 Resolução CNE/CP n° 1/2002 e pelo Parecer CNE/CP nº 09/2001

Nesse primeiro conjunto de documentos constituídos pela Resolução CNE/CP n° 1/2002, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica (DCNFPEB) e pelo Parecer CNE/CP nº 09/2001, os aspectos que sustentam os indicativos para a interdisciplinaridade na formação dos professores estão fortemente vinculados às demandas da Educação Básica. O aprofundamento da discussão da interdisciplinaridade na Educação Básica será feito no item 6.2 desse trabalho.

Na continuidade de encontrar evidências que nos indiquem como a interdisciplinaridade aparece na Resolução CNE/CP n° 1/2002 e no Parecer CNE/CP n.º 09/2001, destacamos a abordagem do conhecimento como totalidade61.

Os saberes disciplinares são recortes de uma mesma área e, guardam, portanto, correlações entre si. Da mesma forma, as áreas, tomadas em conjunto, devem também remeter-se umas às outras, superando a fragmentação e apontando a construção integral do currículo [...] (BRASIL, PARECER CNE/CP nº 09, 2001a, p. 27 – 28).

Destacamos dessa compreensão do conhecimento a ênfase no aspecto disciplinar, o que nos leva a afirmar que, embora o conhecimento deva ser compreendido numa totalidade, a sua apresentação é disciplinar. Ou seja, os conhecimentos, objeto de ensino do professor, deveriam ser compreendidos na sua totalidade; contudo, a sua apresentação partiria da perspectiva disciplinar. A partir desses apontamentos, nossa análise conclui que esse conjunto de documentos para

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A apresentação da abordagem do conhecimento como totalidade e como superação da fragmentação permite inferir que texto o oficial assume a perspectiva epistemológica da interdisciplinaridade.

a formação docente defende uma formação disciplinar dos professores, a qual exploraremos a seguir.

Todavia, essa compreensão do conhecimento como totalidade contribui para superação da sua fragmentação:

A superação da fragmentação, portanto, requer que a formação do professor para atuar no ensino médio contemple a necessária compreensão do sentido do aprendizado em cada área, além do domínio dos conhecimentos e competências específicos de cada saber disciplinar (BRASIL, PARECER CNE/CP nº 09, 2001a, p. 28).

A superação da fragmentação do conhecimento converge com a necessidade apontada para a Educação Básica:

[...] a maioria das capacidades que se pretende que os alunos da educação infantil, do ensino fundamental e do médio desenvolvam, atravessa as tradicionais fronteiras disciplinares e exige um trabalho integrado de diferentes professores [...] (BRASIL, PARECER CNE/CP nº 09, 2001a, p. 54).

Pela lógica disposta no texto oficial, os professores deveriam trabalhar de forma integrada, de forma colaborativa, de forma coletiva a fim de promover a superação da fragmentação do conhecimento na Educação Básica. A fim de desenvolver essa perspectiva de trabalho nos futuros professores, no art. 2º, inciso VII, as DCNFPEB orientam que os cursos realizem atividades curriculares, de modo a desenvolver hábitos de colaboração e de trabalho em equipe, bem como utilizem:

[...] estratégias didáticas que privilegiem a resolução de situações-problema contextualizadas, a formulação e realização de projetos, para as quais são indispensáveis abordagens interdisciplinares (BRASIL, PARECER CNE/CP n.º 09, 2001a, p. 54-55).

Na perspectiva da simetria invertida, isso reforça a necessidade de que a matriz curricular da formação do professor contemple estudos e atividades interdisciplinares (BRASIL, PARECER CNE/CP nº 09, 2001a, p. 54)

Nossa análise permite inferir que tais indicativos apontam para a perspectiva metodológica da interdisciplinaridade no processo formativo dos futuros professores, tal como referenciado por Schneider (2010). Nesse estudo, a autora, ao analisar tanto as DCNFPEB como o Parecer CNE/CP nº 09/2001, concluiu que houve ênfase nos aspectos metodológicos da atividade interdisciplinar demarcando uma adoção predominantemente instrumental do termo.

Ao apresentar esses destaques dos textos, queremos com isso reforçar a perspectiva metodológica da interdisciplinaridade para a formação de professores materializada principalmente pela ideia de resolução de problemas e desenvolvimento de projetos.

A partir desses apontamentos, nossa análise conclui que esse primeiro conjunto de documentos (Resolução CNE/CP n° 1/2002 e pelo Parecer CNE/CP nº 09/2001) defende uma formação disciplinar dos professores com abordagens interdisciplinares.

Sobre a defesa por um modelo de formação disciplinar com abordagens interdisciplinares para a formação de professores, Diniz – Pereira (2017) esclarece:

É importante, ainda, pensar a formação de um professor que compreenda os fundamentos das ciências e revele uma visão ampla dos saberes [...] Para tanto, ao contrário do que normalmente se pensa, o profissional deveria realizar estudos aprofundados em uma área específica do conhecimento e, paralelamente, contemplar as reflexões sobre o ensino-aprendizagem dos conceitos mais fundamentais dessa área. Em termos da atuação profissional, significa projetar alguém que trabalhe preferencialmente em uma determinada área do conhecimento escolar, a que se dedique mais, mas que, necessariamente, esteja em contato permanente com outros campos do saber (DINIZ – PEREIRA, 2017, p. 11).

Para o autor, a formação de professores seria realizada numa base disciplinar com atividades e reflexões que contemplassem outras áreas de conhecimento, ampliando a sua visão do conhecimento. Retomaremos oportunamente essa perspectiva do autor.

Sobre o documento analisado em questão, identificamos que esse sinaliza, mesmo que brevemente, para uma formação interdisciplinar, a partir de áreas do conhecimento, o que nos leva a pensar nos cursos interdisciplinares.

[...] necessidade de se discutir a formação de professores para algumas áreas de conhecimento desenvolvidas no ensino fundamental, como Ciências Naturais ou Artes, que pressupõem uma abordagem equilibrada e articulada de diferentes disciplinas (Biologia, Física, Química, Astronomia, Geologia etc, no caso de Ciências Naturais) e diferentes linguagens (da Música, da Dança, das Artes Visuais, do Teatro, no caso de Arte), que, atualmente, são ministradas por professores preparados para ensinar apenas uma dessas disciplinas ou linguagens (BRASIL, PARECER CNE/CP n.º 09, 2001a, p. 27).

Sobre esse modelo de formação de professores por áreas de conhecimento, não há nenhuma outra delimitação, a não ser dúvidas:

A questão a ser enfrentada é a da definição de qual é a formação necessária para que os professores dessas áreas possam efetivar as propostas contidas nas diretrizes curriculares (BRASIL, PARECER CNE/CP nº 09, 2001a, p. 27).

Entendemos que, ao apresentar, mesmo com incertezas e indefinições, a interdisciplinaridade como princípio formativo, o Parecer CNE/CP nº 09/2001 respalda legalmente a criação e implementação de cursos interdisciplinares. E mais: ao ressaltar a ―necessidade de se discutir a formação de professores para algumas áreas de conhecimento desenvolvidas no ensino fundamental, como Ciências Naturais‖, o parecer regulamenta, mesmo que de forma imprecisa, o que foi previsto na meta 17 do PNE 2001 -2010.

Nos artigos finais da Resolução CNE/CP n° 1/2002, especificamente no art. 14 e parágrafo subsequente, encontramos a seguinte orientação:

Art. 14. Nestas Diretrizes, é enfatizada a flexibilidade necessária, de modo que cada instituição formadora construa projetos inovadores e próprios, integrando os eixos articuladores nelas mencionados.

§ 1º A flexibilidade abrangerá as dimensões teóricas e práticas, de interdisciplinaridade, dos conhecimentos a serem ensinados, dos que fundamentam a ação pedagógica, da formação comum e específica, bem como dos diferentes âmbitos do conhecimento e da autonomia intelectual e profissional. (BRASIL, RESOLUÇÃO CNE/CP n° 1, 2002, p. 6)

O sentido da interdisciplinaridade aparece vinculado à inovação e flexibilidade. Contudo, é necessário explicitar que ambos os conceitos decorrem de outro campo de conhecimento, que não o da educação, mas sim do Mundo do Trabalho, da Reestruturação Produtiva e também da Ciência/ Tecnologia62. Trata-se então de uma recontextualização63 de conceitos, conforme nos aponta Bernstein (1996), para a formação de professores. Este caminho, qual seja de inter-relação entre o mundo do trabalho, as políticas educacionais e a formação docente, está claramente delineado e denunciado por Kuenzer (1999) e Maués (2003), dentre tantos outros.

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No caso do conceito de flexibilidade, aparece fortemente relacionado ao Mundo do Trabalho e consequentemente às políticas econômicas. A flexibilidade, no contexto da Reestruturação Produtiva, é uma importante competência para o trabalhador, pois o possibilita um saber-fazer para as diferentes situações laborais. É uma competência vista com bons olhos pelo mundo empresarial. Já a inovação, no contexto da tecnologia/ ciência é vista com o sentido de modernidade contrapondo-se à ideia de atrasado, ultrapassado.

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Segundo Bernstein (1996), a recontextualização constitui-se numa prática de transferência de textos de um campo para outro.

Santomé (1998) também denuncia as influências dos modelos empresariais nos sistemas educacionais. Os estudos de Frigotto (1995, 1996) denunciam que todo esse movimento de recontextualização dos conceitos parte do resgate da Teoria do Capital Humano, inserida na educação brasileira, mais fortemente, a partir da década de 1970.

Segundo Catani, Oliveira e Dourado (2001), a proposta de flexibilização curricular para os cursos de graduação vem em contraposição à proposta do currículo mínimo, caracterizado pela sua excessiva rigidez. Trata-se de um ―ideário da flexibilização curricular‖, pautado pelas discussões do Mundo do Trabalho. Somente com um currículo flexível ―[...] seria possível formar ―profissionais dinâmicos, adaptáveis às demandas do mercado de trabalho‖ e ―aptos aprender a aprender‖ (CATANI; OLIVEIRA; DOURADO, 2001, p. 11). É nesse contexto que devemos entender o processo de reforma curricular que objetiva a flexibilização da formação.

Entretanto, se considerarmos os critérios de análise pontuados por Cunha (2001) sobre elementos definidores do papel da inovação no contexto educativo, tais como a ruptura com a forma positivista de ensinar e aprender; a reconfiguração dos saberes, minimizando a dualidade clássica entre ciência e cultura, saber escolar e saber cotidiano, percebemos que a interdisciplinaridade nos documentos legais não assume essa perspectiva, ficando a definição de ―inovação‖ mais a título de ―ornamentação‖ no documento.

A partir das nossas análises, resumidamente, podemos apontar que as DCNFPEB, embora não se comprometam em apresentar uma definição conceitual, conferem à interdisciplinaridade um destaque como princípio metodológico nos projetos dos cursos.