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PARTE I PERCURSO TEÓRICO DA PESQUISA

II – TEORIAS DA APRENDIZAGEM NA FORMAÇÃO DE AGRICULTORES

4.2 A Andragogia para Piaget e Wallon

Na perspectiva construtivista de Piaget, o começo do conhecimento é a ação do sujeito sobre o objeto, ou seja, o conhecimento humano se constrói na interação do homem com o meio onde vive ou seja, na interação sujeito-objeto. Assim, conhecer consiste em operar sobre a realidade e transformá-la a fim de compreendê-la. É algo que se dá a partir da ação do homem sobre o objeto de conhecimento (Ormrod, 2012; Piaget, 1998).

Na teoria piagetiana, o indivíduo é um organismo em constante busca de adaptação ao meio para garantir sua sobrevivência. Para isso, é dotado de mecanismos autorreguladores que possibilitam mantê-lo adaptado, em um processo constante de mudança para obtenção de equilíbrio com as forças que se opõem à vida. A resposta do homem a um desafio ou desequilíbrio depende de sua estrutura cognitiva, de como as experiências foram organizadas por ele internamente. A reação a uma determinada dificuldade imposta pelo meio, depende basicamente de como o sujeito assimilou, organizou e estruturou suas experiências anteriores (Arancibia et al., 2008; Sousa, 1986).

Um conceito importante para se compreender esse processo é o de Estruturas (ou Esquemas) Cognitivas. Elas são formadas continuamente durante a existência do indivíduo, pela ligação de informações novas às já existentes na memória. O Conhecimento, por sua vez, é um conjunto de informações interligadas de forma lógica, determinado pela herança genética e pelas interações com o meio. O Desenvolvimento Cognitivo é, deste modo, resultado das alterações ocorridas nas Estruturas Cognitivas, deixando-as mais complexas e permitindo a resolução de problemas também mais complexos (Ormrod, 2012; Piaget, 2013).

As formas de estruturação do Conhecimento são construídas nas novas e sucessivas interações com o objeto. Uma das mais importantes formas de interação, a Adaptação, ocorre por meio dessa organização. Nela, o organismo discrimina entre estímulos e sensações, selecionando aqueles que irá utilizar em alguma forma de Estrutura Cognitiva. A Adaptação possui três mecanismos complementares que garantem o processo de desenvolvimento: a Assimilação, a Acomodação e a Equilibração (Arancibia et al., 2008; Piaget, 1998).

 Na Assimilação ocorre a incorporação de novas informações em um esquema pré- existente. Quando um sujeito é confrontado com uma nova situação, ele inevitavelmente tenta lidar com a mesma de acordo com as estruturas ou esquemas que possui e que julga adequados para a situação. Na Assimilação a Estrutura

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Cognitiva não é modificada significativamente, mas se expande de maneira que possa ser aplicada em novos contextos (Arancibia et al., 2008; Sousa, 1986);

 A Acomodação envolve a mudança de ideias, ações e estratégias de ação utilizando como base novas experiências (Ormrod, 2012; Sousa, 1986);

 A Equilibração é a tendência inata dos indivíduos de modificarem seus esquemas permitindo-lhes manter coerência com o meio em que vivem. O processo de aprendizagem possui assim, sua própria recompensa. Ao modificar uma crença que não faz sentido, o indivíduo se sente recompensado por satisfazer o princípio do equilíbrio, um mecanismo que impulsiona a curiosidade e a aprendizagem, e ao mesmo tempo regula os processos de Assimilação e Acomodação, tornando-os coerentes (Arancibia et al., 2008; Sousa, 1986).

Segundo Piaget (1998), o conhecimento é a equilibração/reequilibração entre Assimilação e Acomodação, resultante de interações que se produzem entre o sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido, contendo um elemento de elaboração novo (Arancibia et al., 2008; Ormrod, 2012). O indivíduo, sob a ótica piagetiana, não é um ser passivo que espera que alguém que possua conhecimento, transmita-o a ele por benevolência. É aquele que aprende pelas próprias ações, organizando seu pensamento e ao mesmo tempo o ambiente em que vive. Essas interações são também influenciadas por um imenso número de elementos e fatos que interagem entre si e a estrutura cognitiva já existente. Nesse contexto, cabe ao educador rural trabalhar o modo de pensamento do agricultor, de forma que ele possa elaborar melhor sua forma de interagir com os desafios do ambiente rural (Sousa, 1986).

Os seres humanos são naturalmente processadores ativos de informação, manipulando os estímulos recebidos e observando as consequências dessa manipulação. Ao interagirem com os estímulos recebidos ficam totalmente envolvidos na interpretação e aprendizado de tudo ao seu redor (Ormrod, 2012). Para Piaget (1998), não existe conhecimento que resulte da simples atitude de registrar os fatos observados e as informações obtidas, pois não existe conhecimento desconectado das estruturas referentes às atividades que o indivíduo exerce. Nesse aspecto, o sujeito deve ser considerado um ser em constante construção, pela sua interação com os objetos, seja do mundo físico ou cultural.

Souza (1986), revisando a estruturação do conhecimento sob a ótica piagetiana, para a ação do Extensionista junto ao agricultor, descreve algumas ações para que a atuação do educador se torne mais eficiente e eficaz:

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 O agricultor apenas irá aprender, conhecer e se organizar através da ação, ou seja, só se organizará se organizando. É necessário, pois, que o Extensionista conheça profundamente o significado, a relevância e as formas pelas quais o agricultor lida com seu ambiente;

 Conhecer o contexto em que o agricultor vive envolve uma certa humildade para entender que o que pode ser percebido como óbvio e claro para o técnico, pode possuir um significado totalmente diferente no sistema de relações lógicas do agricultor. As diferenças de comportamento entre indivíduos são resultado de diferenças na Estrutura Cognitiva, adquiridas ao longo da vida e assimiladas de maneira distinta nas interações com seus pares;

 Ao organizar seus esquemas cognitivos, o agricultor internaliza categorias específicas de pensamento e as possibilidades de interpretação das relações existentes no seu entorno, sejam elas sociais ou técnicas;

 Cada novo esquema só pode ser criado utilizando como base Estruturas Cognitivas já existentes. Questões importantes no comportamento diário do agricultor, como por exemplo, o uso de defensívos agrícolas, são formadas a partir de sua vivência e cristalizadas em esquemas específicos que podem ser momentâneos ou não;

 Como estão cristalizadas ou equilibradas, esses esquemas tendem a permanecer. O tipo de cristalização ou equilíbrio da Estrutura Cognitiva do agricultor pode dificultar sua modificação;

 Metodologias comumente utilizadas no trabalho de Extensão Rural, por si mesmas não promovem o desequilíbrio de esquemas já formados. Argumentar simplesmente que a utilização de um equipamento de proteção irá prevenir uma possível contaminação, pode não levar a uma modificação de comportamento;

 Uma nova elaboração de esquemas mentais apenas irá ocorrer, se houver modificações nos esquemas mentais do agricultor e do Extensionista. A modificação só é possível através do questionamento, do confronto de ideias e convicções, da dúvida e da ação, elementos básicos para gerar desequilíbrios e consequentemente levar o agricultor a buscar novas e múltiplas formas de se adaptar.

No contexto da Andragogia, o estudo de Piaget contribuiu para a percepção de que o adulto que não teve oportunidades educacionais na idade apropriada, pode apresentar peculiaridades que precisam ser consideradas. Ele aprende de forma diferente da criança, pois

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o seu saber já está amadurecido para viver situações de aprendizagem mais complexas, no entanto, suas experiências cognitivas podem estar limitadas por suas experiências.

Em sua obra, Wallon dá um enfoque maior aos aspectos referentes à afetividade no processo de desenvolvimento cognitivo do ser humano. A construção do sujeito e do objeto com a qual ele construirá o conhecimento, depende da alternância entre afetividade no relacionamento com o cotidiano e seu interlocutor (Dantas, 1992).

Para Wallon, o ser humano deve ser visto como uma parte que compõe o mundo que o rodeia e onde está inserido. Seu processo de socialização ocorre pela interação com o outro e com sua produção (texto, pintura, música). O autor afirma que a cultura aproxima os homens, pois permite sua identificação com seus pares, e nesse sentido, o meio social e a cultura constituem as condições, as possibilidades e os limites de seu desenvolvimento. Por isso, o adulto precisa ser entendido em seu ambiente, e seu desenvolvimento cognitivo como resultado de sua interação com esse meio(Dantas, 1992).

Ferreira e Acioly-Régnier (2010) e Soares (2014), destacam que para Wallon, a dimensão afetiva ocupa lugar muito importante, tanto sob o aspecto de construção da pessoa quanto do conhecimento. Os autores afirmam que a emoção é a demonstração da afetividade, uma ocorrência fisiológica revelada no humor e nos atos. Ao mesmo tempo, ela é um comportamento social com o objetivo específico de adaptação do homem ao seu ambiente. A emoção, antes da linguagem, é o meio utilizado para estabelecer uma relação com o mundo externo. Os movimentos de expressão evoluem de fisiológicos a afetivos: a emoção cede terreno aos sentimentos e, depois, às atividades intelectuais.

A emoção antecede o comportamento aprendido, é um processo corporal que, quando ocorre com muita intensidade, prejudica a percepção do exterior. Para que se possa trabalhar os processos cognitivos nos indivíduos, é necessário que a “temperatura emocional" esteja baixa. O desenvolvimento cognitivo, deve ser conduzido com predominância da razão, ou, na afirmação de Wallon, “a razão é o destino final do homem” (Soares, 2014).