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O processo de Difusão de inovações tecnológicas

PARTE I PERCURSO TEÓRICO DA PESQUISA

II – TEORIAS DA APRENDIZAGEM NA FORMAÇÃO DE AGRICULTORES

5.2 A Extensão Rural e a Atitude de Adoção de Inovações

5.2.1 O processo de Difusão de inovações tecnológicas

A Extensão Rural se baseia na pressuposição de que as escolas de Ciências Agrárias e Centros de Pesquisa geram tecnologias aplicáveis, e que os Extensionistas, de posse delas, realizam a Difusão, transferindo-as apara os agricultores. Esse raciocínio desconsidera o conhecimento e a criatividade do habitante do meio rural, ignora sua autoconfiança, a energia social do grupo onde vive e sua importância como fator capaz de influenciar a decisão de mudança. Ele desconsidera também que em seu dia a dia, o homem do campo utiliza o conhecimento desenvolvido pelos seus pares, reinventam ideias e conceitos externos à sua realidade e as integram em decisões complexas no sistema de produção (Röling & Fliert, 1994).

Mas o processo de Difusão de uma inovação é muito mais complexo que simplesmente convencer sobre a utilização ou não de uma técnica. Em seu livro clássico “Difusão de Inovações”, Everet Rogers (2003), define Difusão como a maneira pela qual uma informação é comunicada aos membros de um grupo social, utilizando canais de comunicação específicos, onde os envolvidos criam e compartilham informações entre si, para atingir uma compreensão mútua. Nesse sentido, a comunicação é um processo que envolve exatamente o descrito por Freire (2011b) em seu livro “Extensão ou Comunicação”, ao falar sobre a criação e o compartilhamento de informações entre os membros de um grupo, com o objetivo de alcançar uma compreensão mútua sobre um tema. O conceito de Rogers contraria frontalmente a ideia de que a Difusão seria por si mesma negativa, imposta ao público e pouco participativa. Ao contrário, ela é fruto da interação e da troca de conhecimento entre o habitante do espaço rural e os técnicos.

A visão do processo de Extensão descrita acima, diverge do modelo proposto por Rostov (1974, como citado em Hegedüs, Cimadevilla & Thornton, 2008) e denominado Teoria da Modernização, segundo a qual, um país em desenvolvimento deveria percorrer o mesmo caminho que um país desenvolvido percorreu. O autor pressupõe a existência do moderno e do antigo ou tradicional, sem que haja qualquer interação entre eles. O moderno representaria o racional, a vontade de realizar e a especialização; já o tradicional representaria a afetividade, a presença de papéis difusos e as relações parentais e comunitárias. Pela Teoria da Modernização, as sociedades tradicionais necessitam de uma força externa para promover uma injeção de capital e tecnologia vindas das sociedades modernas. O caminho percorrido de um polo ao outro

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seria gradual, sem a presença de rupturas ou crises e deveria ser imitado por aqueles que desejassem se desenvolver. Aspectos culturais e sociais, se fossem considerados um obstáculo, deveriam ser desconsiderados e/ou alterados.

No trabalho de Extensão, os meios de comunicação exercem um papel muito importante, e a compreensão de como eles influenciam os mecanismos Psicossociais e o indivíduo é fundamental. Para Bandura (2001), a Teoria Social Cognitiva explica melhor a forma de comunicação do indivíduo em seu grupo social, através da qual os indivíduos se auto- organizam, são proativos, autorreflexivos e se autorregulam, e o autodesenvolvimento humano, bem como a adaptação e a mudança, fazem parte dos sistemas sociais. O processo de comunicação nesse sistema funciona não como um modelo de Casualidade Unidirecional, mas por Casualidade Recíproca Triádica, em que a comunicação é o resultado de uma interação entre o comportamento, o indivíduo e o ambiente (Figura 12). Aspectos cognitivos, afetivos e biológicos, padrões comportamentais e eventos ambientais atuam por esse modelo, interagindo e se influenciando bidirecionalmente. A ação de um indivíduo ocorre, portanto, dentro de uma rede de influências recíprocas. No tópico seguinte, o tema será discutido em maior profundidade.

Figura 12: Modelo de Casualidade Recíproca Triádica

Fonte: Bandura (2001).

A ação dialógica proposta por Freire (2011b), que procura construir com o agricultor os conhecimentos úteis à sua realidade, tendo como base seus conhecimentos e sua cultura, está, de certa forma, alinhada à teoria descrita acima. A ação do Extensionista permite a implementação de uma forma de comunicação mais fluida, construindo uma aprendizagem real e duradoura. As novas tecnologias de comunicação exigem do indivíduo habilidades como a

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flexibilidade e uma estratégia cognitiva que lhe permita traduzir o conhecimento em uma ação efetiva. O processamento solitário e passivo de informação definitivamente não cabe nesse contexto (Röling & Jong, 1998). As consequências da Difusão de uma inovação seriam, portanto, o resultado das alterações produzidas em um indivíduo ou em um grupo social, após um processo de construção mútua em um determinado ambiente. A inovação tecnológica, assim como sua difusão, é apenas um meio que determina a ocorrência de uma determinada ação, seja ela positiva ou negativa (Rogers, 2003).

Rogers (2003), avança nessa linha, e descreve três grandes passos que envolvem o processo de Difusão: o desenvolvimento de uma tecnologia, sua disseminação e a avaliação das consequências de sua adoção ou rejeição. Disseminar uma inovação é para ele, a parte do processo que envolve a comunicação de uma nova ideia a um grupo social, cujas consequências são as alterações provocadas por sua implementação em um determinado contexto. Essas mudanças, por sua vez, podem ser classificadas em dois grupos:

 Mudança imanente: resultado da criação ou desenvolvimento da inovação pelo indivíduo ou seu grupo social;

 Mudança por contato: interação da sociedade com outra cultura e/ou saber. Ocorre quando novas ideias são apresentadas a uma sociedade e nela introduzidas. Segundo o autor, as duas formas de mudança são definidas por sua origem, mas não abrangem o papel ou a importância das mesmas como deflagradoras do processo de adoção.

Influenciar um indivíduo para que uma mudança ocorra não é um processo simples, a decisão de mudar normalmente ocorre em um contexto onde atuam diferentes fatores, e não é um caminho único em linha reta. A contribuição relativa de um agente influenciador pode se alterar dependendo da natureza e da força dos demais agentes envolvidos. Um influenciador atuando em uma mesma estrutura causal de fatores, pode também alterar seu papel na determinação de uma ação, após passar por uma nova experiência (Wood & Bandura, 1989).

Um comportamento é, por isso, o resultado de um arranjo único de agentes causais, organizados de forma que se um deles não participar, o comportamento pode não ocorrer. A participação da mídia como agente influenciador em uma decisão pode ser inferior, igual ou superior aos demais determinantes. Ela pode, por exemplo, alterar os valores, o comportamento e o julgamento de alguém, sem que haja necessidade de uma outra pessoa atuar no processo (Bandura, 2001). O peso e a forma de participação da mídia no processo de decisão do agricultor podem e devem ser debatidos no âmbito da Extensão Rural, mas sem perder de vista a complexidade desse processo.

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Há que se considerar também que o agricultor utiliza, em seu processo de Decisão de Adoção, a avaliação de algumas características da inovação. Rogers (2003), descreve algumas que precisam ser incluídas nessa discussão:

 Vantagem relativa: a inovação deve oferecer vantagens em relação à técnica anteriormente utilizada;

 Compatibilidade: precisa ser compatível com as características do indivíduo em relação a recursos, cultura e valores;

 Observalidade: precisa ter suas características visíveis ao observador, como a facilidade de ser utilizada, seus efeitos, funções e economicidade;

 Complexidade: deve ser facilmente compreendida e utilizada.

Ao mesmo tempo, Thornton (2003, como citado em Hegedüs et al., 2008), recomenda especial atenção às informações que o agricultor possui e sua avaliação sobre o risco/benefício de uma Adoção. Toda inovação possui um risco que é percebido pelo adotante e/ou grupo social a que pertence e é esse risco que atua de maneira decisiva influenciando o processo.

Caffe (1982, como citado em Brandura, 2001), comparou a capacidade de influência da mídia ou de fontes interpessoais de informação no processo de decisão. A capacidade de informar, persuadir e a credibilidade não são características ligadas unicamente à mídia ou à fonte interpessoal. Os indivíduos utilizam fontes muitos diferentes, e sua utilização depende da possibilidade de acesso a elas e da capacidade de fornecerem a informação desejada. Para Pelz (1983), em um processo de Difusão, são utilizados indistintamente para obtenção de informações, os canais de comunicação, a mídia e os contatos interpessoais. A importância dessas fontes, no entanto, varia de acordo com o tipo de informação necessária, ou seja, diagnosticar o problema, buscar soluções, avaliar as opções ou implementar a solução.

A modelagem da mídia pelo observador pode interferir na adoção de novas práticas e comportamentos de diversas maneiras, podendo, por exemplo, instruir as pessoas sobre novas formas de pensar e de se comportar por meio da demonstração ou da simples descrição da ação. Uma modelagem eficiente não promove apenas a aprendizagem de uma competência, também melhora a sensação de eficácia pessoal necessária para transformar conhecimentos e habilidades em implementações de ações bem-sucedidas (Bandura 1997, como citado em Bandura, 2001). Os modelos de comportamento são em sua essência motivadores, mas também são eficientes para informar e habilitar os aprendizes. A insegurança sobre a adoção de uma nova prática que envolve custos e riscos, pode ser dissipada pela visualização dos efeitos de sua implantação por outros indivíduos. Os benefícios observados enfraquecem as restrições de

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adoção entre aqueles mais cautelosos e, ao mesmo tempo, aumentam a Difusão da inovação no grupo social, pois a divulgação dos resultados promove maior suporte social para sua aceitação. Assim, os modelos não servem apenas para exemplificar e legitimar inovações, eles também as defendem na medida que incentivam seus pares a adotá-la(Bandura, 2001).

Em ambientes virtuais, a importância do grupo social no processo de adoção também é elevada. Choi, Kim e Jeho (2010), estudando a Difusão de produtos, ideias e conceitos inovadores em redes sociais, mostram que, embora a inovação ocorra em vários locais, alguns produtos são aceitos rapidamente e outros não. Uma inovação possui uma forte relação com a organização do grupo social no qual será propagada; dessa forma, em grupos que possuem uma estrutura de rede mais organizada, ela se difunde com muito mais facilidade e eficiência.

As TIC permitem que o indivíduo seja cada vez menos dependente de um sistema de persuasão onde o conteúdo é filtrado e o receptor da mensagem se torna dependente do emissor, como o descrito por Freire (2011b), para o contexto da Extensão Rural. Elas podem proporcionar um acesso direto ao conhecimento, independente do lugar onde o agricultor resida ou trabalhe, e sem que ele dependa de instituições ou de recursos públicos.