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PARTE I PERCURSO TEÓRICO DA PESQUISA

II – TEORIAS DA APRENDIZAGEM NA FORMAÇÃO DE AGRICULTORES

4.3 A Andragogia para Vygotsky e Freire

Freire (1996, 2007) e Vygotsky (2005, 2007), concebem o ser humano como um indivíduo interativo, capaz de criar sua cultura, incompleto, inserido em um contexto histórico e socialmente construído por ele e os demais integrantes do grupo a que pertence. Para eles, o adulto aprendiz é também um indivíduo que pensa e age, que é capaz de criar e de reconstruir, e por isso está em constante processo de mudança, para se tornar cada vez mais humano.

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Em seus estudos, Vygotsky deu especial importância à sociedade e à cultura no desenvolvimento cognitivo do indivíduo, e por esse motivo sua teoria é também chamada de Perspectiva Sociocultural. Suas ideias podem ser resumidas em alguns conceitos (Ormrod, 2012):

 Internalização: é o processo pelo qual as atividades sociais se tornam atividades mentais internas. Ela ocorre à medida que o indivíduo discute com outras pessoas aspectos de sua realidade e incorpora naturalmente a forma como estas interpretam o mundo. Uma vez que o conhecimento é internalizado, ele passa a utilizar palavras, conceitos, símbolos e outras representações características de sua cultura como sendo próprias. Uma das formas de internalização é a argumentação, pois nela o adulto pode perceber diferentes pontos de vista de uma mesma situação;

 O pensamento e a linguagem estão intimamente relacionados. O adulto normalmente se refere às palavras quando pensa em um objeto, relacionando-os. Por exemplo, quando o agricultor pensa uma lavoura, palavras como café, milho ou mandioca aparecem instantaneamente em sua mente. Ao ligar pensamentos e linguagem o adulto começa a emitir opiniões próprias, o chamado Discurso Privado;

 O Diálogo Informal assim como a Educação, viabiliza a transmissão de um indivíduo para outro a forma pela qual sua cultura interpreta o mundo e como responde a ele. Durante essa interação, os adultos compartilham o significado que atribuem aos objetos, eventos e, de maneira geral, à experiência humana. Nos processos educativos, na concepção de Vygotsky, o ato do professor ensinar conceitos, ideias e terminologias específicas, também é uma maneira de transmitir a interpretação que sua cultura possui sobre esses fatos;

 Um indivíduo pode realizar tarefas mais difíceis se auxiliado por outro cognitivamente mais competente que ele. Nesse sentido, existem dois tipos de habilidades que podem servir de referência para identificar um ponto específico de desenvolvimento de um indivíduo:

o O nível atual de desenvolvimento é o limite máximo de dificuldade de uma tarefa que ele é capaz de executar sozinho e de forma independente; o O nível potencial de desenvolvimento é o limite máximo de dificuldade de uma tarefa que ele pode realizar com o auxílio de alguém mais competente.

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Problemas difíceis são facilmente solucionados pelo aprendiz quando alguém mais hábil o auxilia a identificar seus componentes cruciais, assim como as estratégias utilizadas para resolvê-los. Consequentemente, a interação de vários indivíduos, pela sua diversidade, pode ser mais efetiva na solução de um problema que um indivíduo sozinho. Essas perspectivas permitem compreender os jovens e adultos analfabetos e/ou não escolarizados como indivíduos que possuem uma história de interação social e uma cultura, que acumularam conhecimentos e experiências ao longo da vida, e necessitam de uma intervenção educativa para desencadear o desenvolvimento de suas potencialidades, utilizando conceitos que consideram suas características (Vygotsky, Luria & Leontiev, 2006).

Orientar adultos para a aprendizagem e aperfeiçoamento do seu perfil moral e educativo, constitui um poderoso motor de transformação e de desenvolvimento individual. Nele, a subjetividade, inerente ao processo de aprender, atribui relevância às experiências, interpretando-as e integrando-as ao processo educativo (Vygotsky, 2007).

Uma orientação para a aprendizagem deve ser estruturada, na visão de Vygotsky, como um Andaime Instrucional, gradualmente retirado à medida que o adulto se torna efetivamente mais competente. Quando a tarefa ensinada é nova para o aprendiz, o educador pode empregar uma instrução mais direta. À medida que a competência do aluno aumenta, ele passa a oferecer menos orientação (Ormrod, 2012; Santrock, 2011).

Fund (2007), avaliou o efeito da aprendizagem em Andaimes em um ambiente computadorizado, para 473 estudantes, utilizando a resolução de problemas de matemática e a interpretação de texto. Para o autor, a utilização do Andaime Instrucional modelou as atividades de aprendizado, induzindo a reflexão sobre os temas abordados, fornecendo apoio e orientação aos estudantes e promovendo a responsabilidade deles por sua própria aprendizagem.

Delen, Liew e Willson (2014), avaliaram o comportamento de 80 estudantes de Graduação e Pós-Graduação em ambientes de aprendizagem baseados em vídeo, utilizando ou não Andaimes Instrucionais. Os resultados do estudo sugerem que os ambientes de aprendizagem com funções interativas, estimulam os indivíduos a se empenharem ativamente em sua aprendizagem e a dedicarem mais tempo nesse processo, resultando em um melhor desempenho. Os autores concluíram que os Designers Instrucionais precisam criar ambientes de aprendizagem onde haja interatividade.

Para Vygotsky (2007), o conhecimento do mundo é sempre mediado pelas práticas culturais, pelo outro e pela linguagem. Por meio da comunicação oral, durante sua interação com o outro e com seu meio, a própria realidade é significada. O aprendizado humano, nessa

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perspectiva, é essencialmente social e se processa na interação com outro indivíduo, à medida que seus elementos constitutivos se interagem com a cultura e o intelecto dos demais participantes do grupo. No caso específico do homem do campo, sua aprendizagem possui características que se enquadram exatamente no descrito por Vygotsky. Binotto (2005) e Silva (2013), avaliaram a obtenção de conhecimento em agricultores nos estados do Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul respectivamente, e observaram que as técnicas utilizadas pelos agricultores possuem uma improvisação, cuja fonte de informação é principalmente tácita e permeada por questões culturais. Segundo as autoras, quanto maior a necessidade de informação sobre um tema, mais troca de conhecimentos entre os agricultores ocorrem.

A relação entre o indivíduo e a sociedade é um processo dialético, construído e mediado pela linguagem; é simultaneamente um processo subjetivo e social. Por esse motivo, o ensino pode propiciar o desenvolvimento do indivíduo na medida em que o conhecimento é socialmente elaborado, e as estratégias cognitivas utilizadas para sua internalização são empreendidas principalmente durante as interações sociais e educativas. Portanto, o aprendizado é uma consequência da compreensão do homem como um ser que se forma ao entrar em contato com o outro, onde o ato de aprender é necessariamente mediado e se processa numa relação em que o conhecimento existente se contrapõe ao novo, permitindo o desenvolvimento das funções psicológicas superiores e de formas de pensamento mais complexas(Vygotsky, 2007). Na Educação Andragógica, a metodologia é focada no processo de aprendizagem por meio da troca e do respeito às experiências e às visões de mundo dos alunos-participantes. Nela, a aprendizagem é resultado da interação coma a realidade.

Freire (2007), jamais concordou com práticas educacionais que transmitissem aos sujeitos um saber já construído. Para ele, o ato de educar precisa incluir o pensar e o concluir, como sinônimos de reflexão, argumentação e criticidade, em oposição a simples reprodução de ideias.Ainda segundo Freire (2011b), o modelo de Extensão ou Educação Rural que ocorria no Brasil nas décadas de 1960 e 1970, baseava-se unicamente na transferência de tecnologia, cuja base era um modelo de comunicação com a população rural denominado de Difusionista. Por esse modelo, as formas de intervenção utilizadas naquela época pelos agentes de Extensão Rural focavam apenas as questões técnicas relacionadas à produtividade, sem considerar as questões culturais, sociais e ambientais dos produtores rurais e suas famílias. A Educação tinha como objetivo a divulgação e a adoção de técnicas capazes de aumentar a produtividade de seu trabalho. Como consequência, conceitos e procedimentos eram difundidos, desconsiderando as experiências anteriores, os interesses, os conhecimentos adquiridos ao longo do tempo, os

164 desejos e as aspirações da população rural.

Zuin, Zuin e Manrique (2011), avaliaram a capacitação de Extensionistas e agricultores de algumas cidades do estado de São Paulo e constataram que há necessidade de se modificar a metodologia utilizada na Educação no meio rural e mais especificamente na Extensão Rural. Segundo os autores, é necessário que os processos educativos tenham como sustentação a comunicação dialógica com a população rural. A Educação Rural não deve simplesmente alterar a atitude do indivíduo, desconsiderando sua maneira de perceber e de se relacionar com o ambiente onde vive.

Na ação educativa, deve existir uma relação de troca horizontal entre educador e educando, exigindo-se nessa troca, atitudes de transformação da realidade onde vive. É por isso que a Educação deve ser capaz de conscientizar, pois, além de conhecer a realidade, busca transformá-la, ou seja, tanto o educador quanto o educando aprofundam seus conhecimentos em torno do mesmo objeto conhecido para poder intervir sobre ele (Freire, 2007).

Dessa forma, a Educação de Adultos não pode ser entendida como algo que não pode ser tocado, distante dos sonhos e das experiências. O processo precisa ser uma ação que ofereça aos indivíduos a autonomia necessária para que possam refletir sobre sua condição na sociedade e a importância dessa condição para a sua existência (Freire, 2000).

É nesse sentido que espaços educativos necessitam ser espaços sociais voltados para as múltiplas experiências dos aprendizes, utilizando-as como elemento norteador de sua prática. Segundo Freire (2000), o ensino mecânico, preocupado apenas com a tecnologia perde o que possui de mais fundamental: o sentido da aprendizagem. De fato, é a partir desse significado encontrado na aprendizagem, que os indivíduos tornam suas experiências mais ricas, aperfeiçoam seus conhecimentos já adquiridos e podem se deslumbrar com o ato de aprender, que, por sua vez, pode se transformar em um ato de criação, possibilitando a melhoria das condições em que vive.