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Memória de Trabalho e Memória de Curto Prazo

PARTE I PERCURSO TEÓRICO DA PESQUISA

II – TEORIAS DA APRENDIZAGEM NA FORMAÇÃO DE AGRICULTORES

2.2 Teorias de Aprendizagem na Formação Profissional

2.2.3 Teoria Cognitivista

2.2.3.4 Memória de Trabalho e Memória de Curto Prazo

Embora a Memória de Trabalho e a Memória de Curto Prazo sejam normalmente descritas em conjunto, elas diferem quanto ao tipo. Enquanto a primeira se refere a um local onde a nova informação é manipulada e armazenada por tempo limitado (Bruning et al., 2012; Sweller, Merrienboer & Paas, 1998), a outra realiza o armazenamento imediato da nova

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informação que dura em torno de quinze a vinte segundos (Baddeley, 2002; Bruning et al., 2012). Assim, enquanto a Memória de Trabalho se relaciona com o processamento e armazenamento temporário da informação permitindo o raciocínio, a tomada de decisões e determinando o comportamento, a Memória de Curto prazo apenas armazena a informação sem qualquer manipulação ou organização da mesma por um período muito curto de tempo (Mourão & Melo, 2011; Woolfolk, 2010). Como o mecanismo de armazenamento da informação é também o local onde ocorre o processamento cognitivo, a maioria dos teóricos considera a utilização do termo Memória de Trabalho, como mais adequada (Ormrod, 2012).

O processo-chave das informações que chegam à Memória de Trabalho é a Codificação. Ela prepara as informações recebidas de forma que posam ser armazenadas na Memória de Longo Prazo e resgatadas posteriormente, relacionando a informação nova às já existentes na Memória de Longo Prazo. Outras maneiras de codificação que facilitam a memorização são a organização, a elaboração e a estruturação de esquemas (Schunk, 2012).

A organização da informação melhora o armazenamento por meio do relacionamento de cada item registrado com os demais, de forma hierárquica ou não, fazendo com que a recordação de um elemento permita a dos demais que se relacionam com ele (Basden, Basden, Devecchio & Anders, 1991). A organização das informações na memória também pode ser realizada através da utilização de técnicas mnemônicas (associação a uma informação pessoal, espacial ou com alguma importância para o indivíduo) ou a imagens. Esse tipo de estratégia na elaboração de recursos audiovisuais pode auxiliar a imaginação e a memorização dos aprendizes (Schunk, 2012).

A elaboração consiste na criação de uma ligação da nova informação com o que já se sabe. Possui um importante papel na codificação ou no resgate de informações já existentes (Anderson, 1996). Conteúdos abstratos são mais difíceis de aprender e memorizar pela dificuldade de serem relacionados a outros conhecimentos (Schunk, 2012). O agricultor, por exercer sua atividade em um trabalho concreto, possui maior dificuldade em lidar com conteúdos abstratos. E por não possuir conhecimento anterior que possa ligar uma informação antiga à nova a memorização é muitas vezes mais difícil em comparação ao indivíduo urbano. Para Shunk (2012), quando se codifica uma informação na Memória de Trabalho, ela não é necessariamente elaborada. Pode ser armazenada por repetição e não por relacionamento com conhecimentos prévios. Um aplicador pode simplesmente memorizar que precisa utilizar o equipamento de proteção ou relacioná-lo à proteção de sua saúde.

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eliminados quando se trata de informações familiares, que já estão armazenadas na Memória de Longo Prazo na forma de Esquemas Cognitivos. Esses esquemas são utilizados para armazenar e organizar conhecimentos, incorporando ou dividindo os vários elementos de informação em um único elemento com uma função específica. A construção de um número crescente de esquemas cada vez mais complexos, combinando de maneira significativa elementos de nível hierárquico inferior com esquemas de nível superior, possibilita a localização e resgate das informações de maneira rápida e eficaz (Paas & Ayres, 2014). Eles ajudam a se relacionar com o ambiente, pois incluem o conhecimento geral sobre um contexto capaz de gerar e controlar ações sequenciais rotineiras. Essa construção de significado é fundamental para que ocorra a codificação (Schunk, 2012).

Ackermann et al. (2017), avaliaram o efeito de repassar informações médicas aos pacientes de maneira estruturada (organizada) ou não-estruturada, sobre a recuperação de lembranças das recomendações dadas a eles. Observaram que a lembrança do conteúdo passado de maneira estruturada, foi 17% superior em relação aos que receberam a informação de maneira não-estruturada. Porém, ao avaliarem esse efeito sobre o nível de conhecimento prévio dos pacientes, constataram uma recuperação 42% superior para aqueles que possuíam baixo nível de informações prévias sobre o conteúdo passado. Portanto, a estruturação das informações repassadas é bastante útil para promover a lembrança das recomendações aos pacientes, porém é particularmente eficiente para aqueles com baixo nível de informações médicas.

Uma outra forma de codificação de informações foi descrita por e Gross (2009) e Mayer e Moreno (1998), e como Modelo de Codificação Dupla, onde as percepções verbais e visuais são processadas separadamente, mas mediadas por vínculos referenciais que levam a dois tipos de respostas, as verbais e as não-verbais. Mayer e Moreno (2002), realizaram três estudos avaliando o efeito sobre a aprendizagem de alunos, da adição ou não de texto na tela em um equipamento multimídia. Os alunos compreenderam melhor a explicação quando as palavras foram apresentadas de forma auditiva e visual, em vez de apenas auditivas, desde que não existisse outro material visual concorrente. Esses resultados podem ser explicados pelo Modelo de Codificação Dupla, base para o Design de Instruções Multimídia.

Mas qual seria a capacidade da Memória de Trabalho? Muitos teóricos consideram que ela possui dois ou mais sistemas de armazenamento especializados em diferentes modalidades sensoriais. Em seus estudos, Baddeley (2000, 2003), Corso e Dorneles (2012) e Mourão e Melo (2011), descrevem um modelo de estratégias múltiplas de armazenamento na Memória de

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Trabalho, com três componentes: o Executivo Central, o Laço ou Alça Fonológica e o Bloco de Esboço Visoespacial. O Executivo Central possui a função de controle e regulação dos processos decidindo em que se deve prestar atenção e como realizar uma sequência de operações. Para Baddeley (2000), o Executivo Central possui as seguintes capacidades:

 Atenção seletiva - habilidade de focar a atenção em uma informação relevante e ao mesmo tempo inibir distrações;

 Flexibilidade mental - capacidade de coordenar atividades cognitivas variadas ao mesmo tempo;

 Selecionar e executar estratégias;

 Capacidade de alocar recursos em outras partes da Memória de Trabalho;

 Capacidade de obter informações armazenadas na Memória de Longo Prazo. O Laço Fonológico pode manter armazenado um volume pequeno de informações sonoras, organizado de forma temporal e sequencial, por um curto período de tempo. Ele pode também reciclá-las por reverberação (repetição subvocal ou vocal), caso seja necessário mantê- las por mais tempo (Baddeley 2000, 2003; Corso & Dorneles, 2012; Mourão & Melo, 2011). Esse componente da Memória de Trabalho possui dois subcomponentes: o Armazenador Fonológico ou Memória Fonológica de Curto Prazo, cuja função é armazenar as informações verbais, escritas ou faladas; e um Mecanismo de Reverberação ou de Ensaio Articulatório Subvocal, que possibilita o resgate de informações verbais, mantendo-as na Memória de Trabalho por repetição subvocal ou vocal. Ela também possui a capacidade de transformar os estímulos visuais ou sonoros em Códigos Fonológicos, que incluem propriedades acústica, temporal e sequencial do estímulo verbal (Baddeley, 2003).

O Bloco de Esboço Visuoespacial garante que informações visuais sejam memorizadas temporariamente através da criação e manutenção de imagens mentais para serem manipuladas. Ele pode trabalhar simultaneamente com o Laço Fonológico processando estímulos visuais e auditivos, sem que um interfira no processamento do outro (Galera, Garcia & Vasques, 2013). Para Logie (1995), esse bloco possui dois componentes: o Cache Visual, que armazena informações sobre forma e cor, e o Escriba Interior, que é responsável pela informação espacial e de movimento, assim como também por coletar informações no Cache Visual e transferi-las para o Executivo Central.

Baddeley (2003), Corso e Dorneles (2012) e Mourão e Melo (2011), descrevem ainda um sistema de armazenamento com capacidade limitada, denominado Buffer Episódico. O sistema é responsável pela integração de informações visuais, espaciais e verbais em ordem

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cronológica, como por exemplo, a recordação de uma história ou cena de um filme.

A capacidade da Memória de Trabalho parece estar fortemente relacionada ao desempenho do indivíduo em tarefas cognitivas complexas, como a compreensão de textos e a solução de problemas (Conway, Kane & Engle, 2003). Dentre essas tarefas, as que mais refletem sua capacidade são aquelas que exigem a seleção e a manutenção de múltiplas representações relevantes. Manter a atenção concentrada em situações dispersivas, é uma característica do individual (Kane & Engle, 2002).

Outros autores argumentam que a Memória de Trabalho se relaciona com a capacidade de entender o relacionamento entre dois ou mais elementos ou entre diferentes informações recebidas (Halford, Baker, McCredden & Bain, 2005). Seja qual for a capacidade da Memória de Trabalho, sua maior proporção está direcionada para o formato auditivo e mais especificamente quando o som é de origem verbal (Ormrod, 2012).

Dados verbais são armazenados pela combinação sonora ou pelo significado semântico. Os dados visuais, assim como os sonoros, podem ser armazenados através da combinação de pequenas peças que formam pedaços maiores, em um processo conhecido como “chunking” (nesse contexto, codificação) (Baddeley, 2001; Solomon, 2013). O agrupamento de elementos em um “chunk” permite a manipulação de um grupo de dados como uma unidade. Miller (1956), em um trabalho clássico, destacou que os indivíduos apresentam naturalmente uma limitação no armazenamento de informações que podem ser lembradas sem ajuda externa, e que o número de elementos que pode ser lembrado é de 7 ± 2. O número sete é denominado de “Número Mágico de Miller” em referência ao trabalho do autor. Esse número não é fixo e varia conforme a idade. Em crianças de dois e sete anos é de cinco elementos e de doze anos é sete. Estudantes universitários podem se lembrar de listas de oito a nove elementos, mas essa capacidade também possui uma variação individual (Santrock, 2011). O Número Mágico de Miller foi questionado por inúmeros autores que convergiram para um número menor de elementos, 4 ± 1 (Mathy & Feldman, 2012; Solomon, 2013). Mathy e Feldman (2012), após realizarem três experimentos em série, concluíram que quatro é a capacidade observada quando a Memória de Longo Prazo não é utilizada para combinar os “chunks”. Nesse caso, os conjuntos de informação são mais simples e regulares, enquanto sete é o limite quando o conjunto é mais complexo e utiliza a Memória de Longo Prazo. Os autores afirmam que os dois valores podem ser utilizados: 7 ± 2 ou 4 ± 1, mas se referem a diferentes quantidades e complexidade de informações.

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informações presentes na imagem visualizada. Diferentes estudos têm indicado que a Memória de Trabalho, no que se refere a imagens, possui sua capacidade limitada pela complexidade das mesmas. Imagens mais ricas em detalhes seriam de mais difícil memorização que imagens mais simples e com menos detalhes (Alvarez & Cavanagh, 2004; Awh, Barton & Vogel, 2007). Tanto os dados visuais quanto os espaciais precisam ser armazenados para que sejam manipulados. O armazenamento ocorre no Esboço Visuoespacial, que guarda as informações passivamente sobre forma e cor, e ativamente as informações espaciais e de movimento (Darling, Sala & Logie, 2009). Evidências indicam que o armazenamento de dados visuais ocorre por intermédio de códigos. Dois fenômenos em particular contribuem para essa conclusão. O primeiro deles se refere à Similaridade Visual onde imagens semelhantes são mais dificilmente armazenadas que imagens diferentes. O segundo é semelhante ao primeiro e se refere à Similaridade Fonológica onde sons semelhantes são menos lembrados que sons muito diferentes. (Galera et al., 2013).

Laughery (2006), realizou uma extensa revisão sobre os fatores que interferem na eficácia da comunicação de risco utilizando pictogramas. Seu estudo focou a efetividade da compreensão das mensagens transmitidas. No que diz respeito à imagem o autor lista:

 Tamanho: quanto maior, maior a codificação e memorização;

 Cor: a cor ou outras formas de provocar contraste na imagem, aumentam a visibilidade dos avisos, bem como a probabilidade de que a informação seja mais adequadamente codificada e processada;

 Pictogramas: As imagens gráficas podem assumir diferentes formas, incluindo fotografias reais, desenhos representativos e símbolos abstratos. Eles são particularmente eficientes para atrair a atenção e transmitir informações sobre seu conteúdo. Uma de suas principais vantagens é a possibilidade de promover a comunicação quando existem barreiras linguísticas e analfabetismo. Torna-se então importante que a informação representada seja reconhecida e compreendida a partir de experiências e conhecimentos gerais.

Caffaro, Mirisola e Cavallo (2017), avaliaram a compreensão de figuras pictóricas de segurança utilizadas em máquinas agrícolas na Itália e observaram que muitas imagens não eram compreendidas pelos operadores, exceto aquelas que haviam sido vistas anteriormente por eles, e concluíram que campanhas educativas e treinamentos onde o significado dessas imagens de segurança sejam ressaltados são muito importantes. Quanto à compreensão de imagens por aplicadores de defesívos, um estudo realizado na Costa do Marfim, entre

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produtores de algodão, mostrou que 50% dos agricultores têm uma compreensão precisa das imagens dos rótulos de segurança de agrotóxicos; 17% os entendem parcialmente e 33% entendem de forma precária (Ajayi & Akinnifesi, 2007). No Brasil, Peres e Rozemberg (2003), avaliaram a compreensão de pictogramas das embalagens de defensivos agrícolas por agricultores e constataram que, muitas vezes, a interpretação das mensagens contidas nas imagens vai em direção oposta ao objetivo da figura ou pictograma utilizado pelo fabricante do produto (Figura 2).

Figura 2: Diferença entre o significado de um Pictograma e sua interpretação pelo agricultor

Significadode acordo com o fabricante: “Lave após o uso”

Significado de acordo com o produtor rural: "Misturando o remédio.” (sic.) (agricultor de 59 anos) Fonte: Peres e Rozemberg (2003, p. 337).

Os mecanismos envolvidos no armazenamento de Dados Fonológicos ainda não foram totalmente elucidados, principalmente aqueles relacionados ao aumento da amplitude de memória em crianças pré-escolares. Em termos gerais, a capacidade de armazenamento fonológico melhora juntamente com um aumento na velocidade da fala: quanto mais rápida melhor é a velocidade de lembrança (Swanson & Howell, 2001). O aumento ou diminuição da capacidade de armazenamento da Alça Fonológica pode ser influenciado por três fenômenos: a Similaridade Fonológica, a Extensão de Palavras e a Supressão Articulatória (Uehara & Landeira-Fernandez, 2010). No efeito de Similaridade Fonológica, os sons, as letras ou as palavras semelhantes auditivamente são de lembrança mais difícil. No efeito de Extensão das Palavras, a lembrança é influenciada pelo seu tamanho, quanto maior a palavra, mais difícil de ser armazenada e recordada (Henry, 1991; Galera et al., 2013). Já o efeito de Supressão Articulatória está relacionado à dificuldade de memorização quando se verbaliza, ao mesmo tempo e continuamente, sílabas ou números (Richardson & Baddeley, 1975). Salamé e Baddeley (1982), descrevem um outro fenômeno, o efeito da Fala Irrelevante, através do qual o processo de memorização é prejudicado quando há vozes de fundo.

Furnham e Strbac (2002), realizaram um experimento interessante: avaliaram o efeito de Distratores (música de fundo, televisão) na aprendizagem de 76 indivíduos, sendo 38

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introvertidos e 38 extrovertidos para tarefas de compreensão de texto, de recordação de um diálogo e de aritmética mental. Os autores concluíram que os indivíduos introvertidos são mais afetados negativamente em seu desempenho que os indivíduos extrovertidos. Isso pode ser particularmente importante para melhorar ações educativas com a população rural, que por suas características de isolamento e menor interação social, tende a ser mais introvertida.

A Alça Fonológica e o Esboço Visuoespacial desenvolvem-se de forma relativamente independente. Esses dois componentes passam a apresentar um maior grau de interdependência por ser uma função do Executivo Central a mediação da comunicação entre eles. O desenvolvimento do Executivo Central tem sido estudado através de tarefas complexas que requerem tanto o armazenamento quanto a manipulação mental da informação (Uehara & Landeira-Fernandez, 2010).

A Memória de Trabalho desempenha um papel importante nos processos de aprendizagem, raciocínio e compreensão da linguagem, e o funcionamento inadequado de um ou mais de seus componentes produz consequentemente, dificuldades de aprendizagem (Alloway, 2006). Ao executar os processos necessários para a compreensão de um texto de maneira ineficiente, o indivíduo consome grande parte dos seus recursos da Memória de Trabalho, passando a ter menos recursos para armazenar as informações já processadas, assim como recursos necessários para dar continuidade ao processo de leitura (Daneman & Capenter, 1980). Outros estudos indicam também que adultos com uma pobre compreensão de leitura têm prejuízo em mecanismos inibitórios para suprimir significados de palavras ambíguas e irrelevantes, o que dificulta a compreensão (Barnes, Faulkner, Wilkinson & Dennis, 2004). A amplitude do vocabulário parece também possuir grande influência sobre a capacidade da Memória de trabalho. Assim, quanto mais amplo e rico o vocabulário, maior a capacidade de consolidação na memória de Longo Prazo (Baddeley, Gathercole & Papagno, 1998). No caso de aplicadores de agrotóxicos, a baixa escolaridade (Vicente, Baptistella & Coelho, 1998) e consequentemente um vocabulário menor, dificultam a compreensão e o conhecimento do aprendiz.