• Nenhum resultado encontrado

PARTE I PERCURSO TEÓRICO DA PESQUISA

II – TEORIAS DA APRENDIZAGEM NA FORMAÇÃO DE AGRICULTORES

2.2 Teorias de Aprendizagem na Formação Profissional

2.2.3 Teoria Cognitivista

2.2.3.2 Percepção e atribuição de significado

Percepção é o processo de identificação de um estímulo através dos sentidos para fornecer-lhe um significado (Schunk, 2012; Woolfolk, 2010). O fenômeno da Percepção é importante não só na área da Educação, mas em muitas outras, como a de Markenting, a qual será também incluída nessa revisão. Smith (1975, como citado em Woolfolk, 2010), mostra que quando se pergunta sobre o significado do símbolo I3, por exemplo, podem-se gerar respostas distintas dependendo da bagagem de informações que o indivíduo possui. Se se questiona que letra é esta, a resposta pode ser “B”. Por outro lado, se se questiona que número é este, a resposta pode ser treze. As respostas diferem de acordo com a capacidade do respondente de reconhecer uma letra do alfabeto ou um número arábico, embora o símbolo seja o mesmo. Para alguém que nunca viu um número ou uma letra, o símbolo pode não possuir qualquer significado. O processo de Percepção é complexo, e requer que sejam identificadas as características do estímulo recebido (cor, forma, propriedades táteis, peso, sabor), e os diferencie das características anteriormente conhecidas do mesmo estímulo. Se nessa comparação o objeto proposto possuir as mesmas características das informações armazenadas na memória, ele será identificado e o processo encerrado. Caso não possua, a busca por uma solução adequada continuará até que seja identificado (Luria, 1991; Schunk, 2012). Bordenave (1985, p. 13), exemplifica o processo de Percepção e atribuição de significado ao descrever o caso de um Extensionista que, “buscando introduzir o hábito de beber água filtrada em uma comunidade rural, elaborou um cartaz com uma criança bebendo água ao lado de um filtro e uma frase com os dizeres: ‘Beba água filtrada!’”. Ao tentar descobrir as causas do insucesso dessa campanha, ele verificou que duas questões estavam dificultando o processo de comunicação com o público-alvo. A primeira era o analfabetismo e a segunda que os moradores não conheciam um “filtro” e não tinham ideia do que o desenho representava. Assim, a interpretação da imagem

79

ficava comprometida, pois eles não conseguiam ligar o ato de beber água ao filtro. Não conseguiam perceber também, que o garoto da foto estava bebendo água. Quando questionados sobre a figura do cartaz, algumas interpretações dos agricultores foram: “Está bebendo cachaça” (sic.) ou “Ele bebe café” (sic.). Realmente, eles nunca viram um filtro e, por isso, não sabiam o que era “filtrar água”.

No início do século XX, os psicólogos alemães estudaram a percepção humana e observaram que ela se organiza em padrões. Desenvolveram a teoria Leis da Gestalt, segundo a qual, os seres humanos organizam as informações recebidas através dos sentidos, na forma de padrões ou relações. Assim, informações partidas e sem relação, são naturalmente percebidas de maneira organizada e significativa. Os princípios de organização da Percepção descritos pelas Gestalt orientam os estudos sobre como os componentes visuais são percebidos e organizados em padrões ou conjuntos, ao invés de suas partes ou componentes. Alguns dos princípios que determinam como os indivíduos agrupam os objetos de acordo com sua percepção visual são mostrados na Tabela 2 (Schunk, 2012; Solomon, 2013; Woolfolk, 2010).

A complexidade com que a mente organiza as informações é na verdade maior que os teóricos da Gestalt imaginavam. Ao observar um dado objeto, são comparadas informações sua, com modelos armazenados no cérebro que possuam características semelhantes. Assim, para conectar rapidamente modelos armazenados aos objetos observados, além de analisar as características, utiliza-se o contexto onde eles se inserem e o que se sabe sobre eles (Solomon, 2013; Woolfolk, 2010). Perceber determinado objeto não depende somente da recepção de estímulos físicos, mas também da interação desses estímulos com o ambiente e do indivíduo que o recebe. Kotler e Keller (2012) e Solomon (2013), descrevem esse fenômeno sob o ponto de vista do Marketing e afirmam que alguns estímulos, apesar de chamarem a atenção, podem não causar o efeito esperado para quem os emitiu. O fenômeno Distorção Seletiva é descrito como uma tendência do receptor da mensagem de interpretá-la adaptando-a aos seus valores e pré-julgamentos. Outro fenômeno é a Retenção Seletiva, em que as pessoas retêm informações que reforçam suas crenças e atitudes, esquecendo ou desconsiderando o restante das informações da mensagem.

80

Tabela 2: Fatores determinantes para o agrupamento visual segundo a Gestalt

Imagem Fatores determinantes

Figura-fundo: qualquer campo perceptual pode ser subdividido em uma figura contrastando com um fundo. As características mais perceptíveis (cor, forma, tamanho e tonalidade) distinguem a figura de seu fundo. Os rostos ou a jarra são vistos por contraste.

Proximidade: os objetos mais próximos entre si são percebidos como grupos separados dos mais distantes. Assim, as linhas são vistas em três grupos.

Similaridade: elementos semelhantes em tamanho ou cor são percebidos juntos. As linhas são percebidas em um padrão alternado devido à semelhança de altura entre elas.

Fechamento: o cérebro completa os componentes que faltam para interpretar uma figura incompleta como um todo. Enxerga-se um círculo ao invés de linhas curvas.

Fonte: Schunk (2012) e Woolfolk (2010), adaptado pelo autor.

Schiffman e Kanuk (2010) e Solomon (2013), descrevem dois outros comportamentos dos indivíduos, ao serem expostos a estímulos: a Defesa Perceptiva e o Bloqueio Perceptivo ou Seleção Perceptiva.

 A Defesa Perceptiva se refere à situação em que o subconsciente do indivíduo bloqueia estímulos que considera psicologicamente ameaçadores, impedindo sua percepção, mesmo que ele tenha sido exposto tão intensamente quanto um estímulo neutro;

 Já o Bloqueio Perceptivo ou Seleção Perceptiva se refere à ação de selecionar, dentre todos os estímulos recebidos, aqueles que lhe interessa, bloqueando os demais. Ao realizar essa ação, o indivíduo faz uma “economia psíquica”, protegendo a consciência da quantidade esmagadora de estímulos a que está exposta em seu dia a dia.

Outro comportamento relativamente comum é a adaptação a determinado estímulo, gerando hábito. O fenômeno de Adaptação é influenciado, segundo Solomon (2013), por cinco fatores:

 Intensidade: cores obscuras ou sons suaves geram hábito com maior facilidade;

 Duração: estímulos que exigem um tempo maior de atenção para seu processamento tendem a gerar hábito;

81

 Discriminação: estímulos simples geram hábito com maior facilidade que os complexos;

 Exposição: estímulos comuns e corriqueiros geram hábito com maior facilidade;

 Relevância: estímulos irrelevantes ou sem importância, atraem menos atenção, gerando hábito com maior facilidade.

A interação entre o indivíduo e o objeto percebido é com certeza um dos aspectos mais importantes do processo perceptivo. Fonseca (2006) realizou estudo etnográfico com agricultores que cultivavam flores no município de Barbacena, estado Minas Gerais, com o objetivo de identificar a percepção de riscos e a maneira de agir deles ao manipular agrotóxicos. O autor concluiu que a percepção de risco dos agricultores era resultado de uma construção cultural composta por crenças e representações, que determinavam suas reações e comportamentos ao lidarem com a substância química. O conhecimento dos riscos associados à manipulação do produto, não era suficiente para utilizarem habitualmente medidas de proteção que impedissem sua contaminação pelo produto.

Um trabalho interessante sobre esse mesmo tema foi realizado por Belo (2014), no município de Lucas do Rio Verde, um importante polo agrícola do estado de Mato Grosso. Para avaliar os fatores que interferem na percepção de risco dos agricultores que utilizavam defensivos agrícolas, o autor entrevistou cinquenta e uma pessoas e concluiu que existem seis fatores determinantes na percepção de risco em utilizar esses produtos:

 A percepção de risco de intoxicação difere de acordo com o indivíduo envolvido, podendo ser mais elevada para mulheres e crianças e mais baixa para homens adultos;

 A percepção de risco é fortemente influenciada pelos meios de comunicação, assim como são limitadas as informações sobre os riscos a que o agricultor tem acesso;

 A visibilidade e a previsibilidade da ameaça de se intoxicar influenciam diretamente a percepção sobre o risco do agricultor;

 As exposições voluntárias ao agrotóxico são percebidas como menos arriscadas que as exposições involuntárias;

 Em grande parte dos casos, a aceitação do risco é influenciada pela relação custo/benefício da exposição. Se o benefício é maior o indivíduo se expõe mais ao produto;

82

 A percepção do risco é fortemente influenciada pela familiaridade que o indivíduo possui com o produto, assim como a sensação de controle sobre a situação como um todo.

O autor comprova ainda que a dificuldade de interpretação das informações disponíveis para o agricultor, aliada à ausência de assistência técnica, contribuem para o uso inadequado dos defensívos agrícolas.