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3 TEATRO FORA DO(S) EIXO(S) E O FOMENTO AOS COLETIVOS TEATRAIS NO

3.2 TEATRO DE GRUPO NO ESTADO DA BAHIA

3.2.2 O ano da virada do teatro de grupo baiano

Até o final da década de 90 a organização em grupo, como modo de operar com as artes cênicas, tinha maior aceitação no interior baiano. Um dado que apoia essa afirmativa é o fato de que, à exceção do Bando de Teatro Olodum, único grupo profissional acima de vinte anos de trabalho ininterruptos na capital, e do grupo Via Magia (1982), com um trabalho mais voltado à arte-educação, os agrupamentos mais antigos ainda em atividade são de cidades interioranas. Coletivos como o Avante Época (Vitória da Conquista, 1972), Mutirão de Teatro (Jequié, 1979), Cia I Ato (Juazeiro-BA, 1989), que apesar de desenvolverem um importante trabalho nas microrregiões em que se inserem, ainda possuem uma estrutura de organização amadora.

As precárias condições de sustentabilidade que ocasionam a migração de artistas profissionais para os grandes centros em busca de melhores condições de trabalho talvez

sejam um dos fatores que justificam essa aceitação, sendo a organização em grupo uma estratégia para lidar com essas dificuldades.

O ano de fundação dos principais grupos profissionais atuantes na capital e no interior baiano da atualidade indica que o final da década de noventa foi um momento especialmente importante para o teatro de grupo na Bahia, o que demonstra uma alteração no quadro verificado até então. Seguindo a trajetória bem sucedida do ‘Bando’, fundado no início da década, nesse período outros grupos começam a surgir, lançando os pilares de um embrionário despertar de grupalidade que ganha força nos anos posteriores com a reforma curricular da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, a criação dos Festivais3 e a fundação da Cooperativa Baiana de Teatro.

Por sua particular importância, delimito como marco desse novo período o ano de 1998 que conjuga um momento de efervescência cultural, seja entre as produções independentes, seja das iniciativas coletivas na capital e no interior.

Vários fatores contribuem para tornar esse ano especialmente relevante dentro do cenário cultural da Bahia. O primeiro deles é a reinauguração do Teatro Vila Velha, que depois de uma intensa reforma, apresenta-se como um dos melhores equipamentos culturais do Estado. Com um modelo de gestão que privilegia a cooperação entre companhias e grupos, bem como uma arquitetura versátil que não se encerra no modelo de palco italiano, possibilitando diversificadas disposições do espaço de encenação, o Vila privilegia a experimentação cênica, potencializa-se ainda mais enquanto berço de ideias inovadoras e surgimento de novos coletivos cênicos.

As políticas culturais implementadas nos anos anteriores começam a mobilizar o fluxo da produção cultural na capital e interior, o que impulsiona a criação artística e a formação de espectadores. Esse pode ter sido um segundo elemento deflagrador desse momento auspicioso que começou a se delinear a partir de 1998. Mas o terceiro, e talvez o mais importante indicador da relevância desse ano, foi o surgimento de novos grupos de teatro com pesquisas estéticas diferenciadas que criaram outra atmosfera na cena que vinha sendo construída desde então:

Carlos Petrovich resgata o brilho do Teatro dos Novos, selando a inauguração do novo Vila com o espetáculo “Um Tal de Dom Quixote”; o Bando de Teatro Olodum se

3 Festival Ipitanga de Teatro, promovido desde 2006 pela Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas-BA; Festival

Latino Americano de Teatro (Filte), promovido desde 2007 pelo grupo Oco Teatro Laboratório (Lauro de Freitas-BA); Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia (FIAC-BA), promovido desde 2008 pela Realejo Produções; e o Festival de Teatro Amador da Bahia (FETA), promovido desde 2010 pelo Centro Cultural Ensaio;

consolida como referência de teatro de grupo baiano e negro depois do seu polêmico e recém- criado sucesso “Cabaré da Rrrraça!” (1997); em 1998, Cristina Castro funda o Núcleo Vila Dança, que apesar de não explorar a linguagem teatral, desempenha importantes trabalhos como grupo residente daquele espaço; os elementos da religiosidade e cultura afro-brasileira são as forças-motrizes dos dramas-rituais do Nata – Núcleo Afro-Brasileiro de Teatro de Alagoinhas (1998), grupo dirigido por Fernanda Júlia, fundado no interior e hoje sediado no Teatro Vila Velha.

Para além dos muros do Vila, novos grupos também são fundados nesse mesmo ano. Na Universidade Federal da Bahia, os estudantes Jorge Alencar e Ellen Mello resolvem reunir pessoas com interesses estéticos diferentes, cunhando uma pesquisa cênica híbrida entre teatro e dança, amalgamada pela lógica de desenho animado. Esses são os elementos que sintetizam o trabalho desenvolvido pelo grupo Dimenti (1998). Seus espetáculos interpretados por atores-bailarinos passeiam por essas duas linguagens explorando os seus limites e fronteiras. Hoje o Dimenti possui uma produção consolidada atuando, inclusive, em outros ramos como a linguagem audiovisual e a produção de festivais e intercâmbios entre criadores das artes cênicas.

O diretor João Lima, juntando-se com alunos de vários cursos da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) funda o Grupo Via Palco (1998) que irá se especializar na linguagem do circo-teatro e do palhaço, tornando-se um importante difusor de espetáculos dessa envergadura. É reconhecido, especialmente, por seus trabalhos dedicados ao público infanto-juvenil.

Em Feira de Santana, alunos do curso livre de teatro do Centro Universitário de Cultura e Arte (Cuca), núcleo de extensão da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), se reúnem e decidem fundar a Cia Cuca de Teatro (1998), que realiza um importante e consolidado trabalho de formação de plateia, com uma estrutura profissional sólida e que se destaca entre as produções do interior do Estado. O grupo tem como especialidade o teatro infantil, montando textos de Maria Clara Machado e de autoria coletiva. Outro coletivo do interior que também possui uma estrutura profissional é o já citado Teatro Popular de Ilhéus (1996) que se dedica à investigação de um teatro político e a linguagem estética que explora a cultura popular e a literatura de cordel.

Em Vitória da Conquista, a Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), através de sua pró-reitoria de Extensão, resolve incentivar as linguagens artísticas criando cursos livre de dança, música e teatro. O grupo de teatro da UESB (1998), coordenado por Marcelo Benigno, mais tarde, se emancipa da universidade e torna-se o Caçuá

de Teatro. Em ambas as fases, esse coletivo se especializou na pesquisa da cultura popular do sudoeste baiano, sendo o tema recorrente em seus principais espetáculos. O trabalho de formação desempenhado por Marcelo Benigno dá origem a diversos outros grupos locais com artistas egressos do Caçuá de Teatro. São eles: Cia Pafatac de Teatro (2000 - 2004), Trupe de Teatro Os Saltimbancos (2001-2003), e o grupo de teatro Finos Trapos (2003). A hoje consolidada Cia de Teatro Operakata (2001), dirigida pelo diretor Gilsérgio Botelho, também tem sua história na cidade relacionada ao rompimento de artistas com o Caçuá de Teatro.