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5 A COLABORAÇÃO E A PEDAGOGIA DO TEATRO DE GRUPO

5.2 O OFICINÃO E A PEDAGOGIA DO TEATRO DE GRUPO

O Oficinão Finos Trapos se aproxima da Pedagogia do Teatro de Grupo porque é uma experiência sistematizada que exemplifica como os coletivos teatrais organizam modos/estratégias de transposição dos procedimentos criados e veiculados no teatro experimental, se debruçando sobre o mesmo para suas atividades de formação, desenvolvidas, principalmente, na modalidade de educação não formal. A descrição dessa experiência foi importante porque colocou em evidência a engenhosidade e inventividade dos grupos para superar limitações e desafios que emergem do seu cotidiano, sendo os resultados mais bem sucedidos incorporados em seu escopo de atuação.

Esse argumento é reforçado pelos estudos desenvolvidos pelo prof. André Carreira (2002) que ao se ater ao contexto dos agrupamentos do Estado de Santa Catarina, nos apresenta um cenário que se assemelha ao quadro encontrado no território baiano, o que nos indica que os contextos culturais regionais possuem traços semelhantes, tanto no que diz respeito aos problemas quanto às soluções encontradas para amenizá-los ou solucioná-los.

Segundo o pesquisador,

As experiências de inúmeros grupos, tais como União e Olho Vivo de São Paulo, Fora do Sério de Ribeirão Preto, Oi Nóis Aqui Traveis de Porto Alegre, demonstram que a sobrevivência do trabalho teatral não está apenas pela dedicação exclusiva ao fazer teatral, mas sim, por várias articulações que possibilitem aos teatristas manter seu desejo de fazer teatro. (CARREIRA, 2002, p.63)

As estratégias de sobrevivência possibilitam que os grupos ampliem seu escopo de atuação, não se restringindo apenas à pesquisa e montagem de espetáculos. Assim, temos grupos que se identificam com práticas pedagógicas, outros se dedicam à realização de eventos comerciais no formato teatro-empresa, alguns se articulam enquanto produtora cultural e administram eventos/projetos de outros artistas ou grupos, dentre outras possibilidades. Essas articulações são realizadas de acordo com o contexto em que os grupos estão inseridos, com as características dos seus membros e com a filosofia de trabalho ali delineada.

Isso demonstra que para além da ideia de compartilhamento e troca de saberes a atuação dos grupos – seja na sistematização de práticas pedagógicas seja em outras frentes de trabalho – corresponde também a um objetivo pragmático: a sua sustentabilidade.

Daí talvez emerja a desconfiança de alguns setores sobre essas práticas.

Não deixa de ser curioso o fato de que centenas de ações de formação são propostas por agrupamentos e por artistas independentes todos os anos, especialmente sob o rótulo de contrapartidas sociais, e poucas conseguem ultrapassar a primeira edição. Indago-me sob o principal motivo dessa descontinuidade: Falta de sistematização e planejamento por parte dos idealizadores? Falta de recursos? Não concretização dos objetivos propostos? Porque figuram como coadjuvante em um projeto? O fato de terem em vista respaldar a relevância do projeto em processos seletivos ou a sustentabilidade do coletivo?

Por enquanto não temos pesquisas que se aprofundam, problematizam ou lançam possíveis respostas a essas questões. Por isso, o tema configura-se ainda enquanto um terreno fértil a ser explorado pela pesquisa científica, como nos provoca Maria Lúcia Pupo (2010):

O teor dos compromissos assumidos pelos coletivos, os procedimentos propostos, as perspectivas de pesquisa teatral favorecidas pelo apoio público ainda não chegaram a ser objeto de um exame sistemático, o que, sem dúvida, se configura como relevante. [...] Na medida em que o teor das contrapartidas propostas constitui um dos critérios levados em conta pelas comissões responsáveis pela seleção dos projetos, o seu exame pode sem dúvida trazer à tona as maneiras pelas quais os grupos vêm concretizando seu ideal de intervenção pública. (p. 154)

Esse cenário aponta ainda mais a relevância da consolidação da área de interesse Pedagogia do Teatro de Grupo no contexto da pesquisa acadêmica. Investigações com esse foco podem, inclusive, nos apontar com mais propriedade os impactos, o perfil predominante e a relevância (ou não) dessas intervenções pedagógicas.

Outro fator a ser considerado é que os agrupamentos se debruçam no desenvolvimento de um teatro experimental e de pesquisa, o que é possível concluir que os princípios difundidos pelo teatro de grupo e a sua investidura em diversificadas frentes de trabalho contribuem para o entrelaçamento entre as poéticas e processos de encenação contemporâneos e a Pedagogia do Teatro.

Isso justifica, inclusive, o interesse cada vez maior do meio acadêmico em registrar e discutir esse modo de operar com diversificadas abordagens. Ainda que não seja a única via de intersecção entre a cena contemporânea e prática pedagógica, a Pedagogia do Teatro de Grupo, no meu entendimento, por toda a complexidade que permeia essa forma de organização cênica, é a mais interessante e estimulante.

Contudo, considero importante destacar que o fato de uma atividade ser promovida por um grupo de teatro não é em si garantia de que esta será executada a contento, zelando pela ética e pela construção de um espaço de troca de saberes. Afinal, existem bons e maus profissionais dentro e fora de grupos. Podemos apenas supor que, no que se refere à Pedagogia do Teatro de Grupo, a concretização dos resultados projetados são mais palpáveis nas ações educativas propostas nos grupos que possuem especialistas com formação em licenciatura – mesmo sendo com habilitação em outras áreas que não a do teatro ou artes cênicas – porque essas tendem a ser mais elaboradas e com critérios mais bem definidos.

Quando um participante se inscreve num curso de formação promovido por um grupo de teatro, tem como garantia imediata apenas a chancela do capital simbólico daquele coletivo, a qual é construída ao longo de sua trajetória. O curso em si pode corresponder às expectativas preliminares do participante ou não.

A qualidade do trabalho desenvolvido e a ética com que conduz o processo artístico-pedagógico variam de coletivo para coletivo. Inúmeras peculiaridades – como a filosofia do grupo e dos profissionais a ele vinculado, habilidades ou limitações de ordem metodológica e de sistematização, os percalços financeiros do grupo etc. – podem interferir diretamente na concretização dos resultados propostos.

Contudo, ainda que a sistematização e a concretização dos resultados pretendidos sejam questionáveis, flexíveis e/ou peculiares a cada coletivo, um grupo profissional dificilmente se arrisca em uma frente de trabalho sem o mínimo de domínio dos conteúdos concernentes àquela área. Mesmo no contexto das contrapartidas sociais, que tendem a figurar como acessórias em um projeto, para que essas ocorram é necessário o empenho, seja do coletivo como um todo, seja de membros vocacionados para aquele determinado tipo de atividade, com vistas a dominar as ferramentas necessárias daquela área de atuação.

Em síntese, um grupo não logra êxito se aventurando em promover atividades sem um mínimo de elaboração e o desenvolvimento de competências naquele campo e/ou sem dispor de recursos humanos e econômicos para tal. O estudo de caso aqui apresentado, por exemplo, demonstra que, sem uma reflexão sobre a sua prática, não seria possível ao grupo de teatro Finos Trapos enxergar as potencialidades de sua ação de formação.

A partir dessas reflexões foi possível aos membros do grupo a compreensão do Oficinão como:

 Uma frente de trabalho que agrega aos membros do grupo o alargamento do seu raio de atuação, possibilitando a elaboração de estratégias para lidarem com a instabilidade de recursos, própria dos contextos culturais regionais;

 Local de difusão da prática artística e filosofia de trabalho do grupo;

 Espaço de aprendizado, seja para os participantes, seja para os membros;

 Recurso para o desenvolvimento de apetências e competências de seus integrantes;

 Dentre outros aspectos.

A execução de atividades de formação de caráter externo exige um mínimo de habilidade em transpor as ferramentas desenvolvidas e/ou utilizadas no cotidiano do grupo, e nos seus processos artísticos, para uma ação pedagógica. Considero, portanto, que essas transposições são em si geração de conhecimento e um farto material que poderá ser aproveitado por pedagogos da cena para utilização em diversos contextos didáticos. Daí a necessidade cada vez maior de a pesquisa científica dirigir os olhares para essa área de interesse.

Seria um verdadeiro trabalho de Sísifo – evocando o famoso mito grego – os membros do grupo de teatro Finos Trapos executarem as complexas etapas do processo colaborativo de criação, organizado na ocasião da elaboração de “Gennésius...”, com o rigor e apuro que a dramaturgia da sala de ensaio exige, em um curso de curta duração, sem nenhuma adequação didática desse procedimento metodológico.

Vale ressaltar que esse procedimento de trabalho foi criado com intuitos predominantemente artísticos, e ainda que causasse indiretamente um aprendizado circunstancial, a obra de arte sempre estaria em primeiro plano. Um processo artístico, sem uma fundamentação didática com o intuito de fortalecer a autonomia dos participantes, não contribui efetivamente para que estes reutilizem os conhecimentos ali apreendidos dentro de outros contextos.

Ainda que não perca de vista o apreço pelo acabamento estético e a concretização de um resultado artístico-pedagógico, uma ação de formação que visa à autonomia dos participantes deve ser capaz de habilitar os envolvidos para realizarem novas combinações do conhecimento apreendido que resultarão na criação de outros caminhos e possibilidades de se operar com as ferramentas ali apresentadas.

Tomado como parâmetro o Oficinão Finos Trapos, sendo inflexível no que tange à execução e exploração de todas as possibilidades de uma etapa da dramaturgia da sala de ensaio para então prosseguir para a posterior, jamais conseguiríamos chegar a um resultado final em tempo hábil. E ainda que conseguíssemos, correríamos o risco de privilegiar

unicamente os objetivos artísticos sem proporcionar uma reflexão sobre a prática e uma instrumentalização/conscientização sobre o fazer.

Portanto, ao estipular estratégias idealizando uma transposição da dramaturgia da sala de ensaio para a ação de formação Oficinão Finos Trapos, o grupo possibilitou a criação de um dispositivo metodológico utilizado como instrumental pedagógico. A adaptabilidade desse dispositivo proporcionou a elaboração de um currículo flexível que pôde se adequar às peculiaridades encontradas no contato com os alunos.

Esse tipo de prática não se configura como um caso isolado, peculiar ao modo de operar do grupo Finos Trapos? Com base nas outras práticas delineadas nesse trabalho como exemplo do que denominei Pedagogia do Teatro de Grupo, arrisco-me a responder que não. Inúmeros outros grupos procedem de forma semelhante gerando conhecimentos a partir das ferramentas que são disponibilizadas pelo coletivo e pelo fluxo de informação que têm acesso.

Seja com vistas a conseguir um financiamento, seja com o intuito final de execução da própria atividade formativa, os membros do grupo necessitam refletir sobre as práticas cênicas que desenvolvem, averiguando as ferramentas e métodos de que se utilizam para lançarem mão destas nas suas atividades pedagógicas.

Isso é necessário, especialmente no campo da educação não formal, onde se localiza a maior concentração das atividades pedagógicas dos grupos teatrais, que como já dito, não se rege pelas diretrizes que regulamentam o currículo do ensino regular. Por isso, sou levado a concluir que os coletivos teatrais não se reduzem a utilizar as ferramentas e recursos metodológicos da Pedagogia do Teatro. Cada grupo, a partir de suas vivências e necessidades, adequam e sistematizam procedimentos com interesses artísticos e pedagógicos bem definidos.

É pelos fatores aqui expostos que me asseguro da relevância de um olhar mais detalhado acerca das interfaces pedagógicas das práticas dos grupos. A noção de Pedagogia do Teatro de Grupo como área de interesse a ser investigada pelos pesquisadores se afirma, justamente, pelas contribuições desse modo de operar à Pedagogia do Teatro. A geração de dispositivos metodológicos, como o sistematizado no Oficinão Finos Trapos, é uma entre várias outras possibilidades de geração de conhecimento a partir da observação e sistematização das práticas pedagógicas dos grupos teatrais.