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Práticas desenvolvidas por agrupamentos brasileiros contemporâneos

2 PRESSUPOSTOS DE UMA PEDAGOGIA DO TEATRO DE GRUPO

2.3 CONCEITO DE PEDAGOGIA DO TEATRO DE GRUPO

2.3.1 Práticas desenvolvidas por agrupamentos brasileiros contemporâneos

A Pedagogia do Teatro de Grupo surge quando os agrupamentos passam a traçar suas estratégias de formação e capacitação. Não encontrando instituições educativas que deem conta das lacunas encontradas no campo empírico, os coletivos mais antigos e de exitosas e reconhecidas práticas surgem como referenciais, investindo em ações multiplicadoras, que contribuem para a disseminação de suas técnicas, estéticas e da filosofia de trabalho em grupo. Desde a década de 1990, ações dessa natureza se multiplicam pelo território nacional. Alguns exemplos descritos a seguir poderão nos fornecer uma breve visão das principais iniciativas por grupos já consolidados. Estes não pretendem dar conta de todo o panorama nacional de ações de formação, algo que seria impossível dentro dos limites de uma dissertação, uma vez que estas se multiplicam a cada ano. As que aqui serão relacionadas foram escolhidas por sua continuidade e visibilidade, o que contribui para elucidar o potencial das iniciativas dos grupos teatrais voltados para a educação não formal.

Terreira da Tribo (Porto Alegre-RS) – a trajetória da Tribo de Atuadores Oi

Nóis Aqui Traveis é marcada pelo engajamento político, pela encenação em diferentes espaços (teatro de rua e teatro de palco), pela busca de uma interlocução diferenciada com os espectadores e pela criação coletivizada. Assim, ações de formação sempre fizeram parte da

filosofia de trabalho desse grupo criado no ano de 1978 e que hoje se configura como sendo um dos mais longevos e bem sucedidos do país.

O espaço cultural Terreira da Tribo foi inaugurado em 1984 pelos membros da primeira geração do coletivo, com a finalidade de servir de território de experimentação cênica, assim como promover atividades que tenham a finalidade de formar “atuadores”, expressão cunhada pelos integrantes para caracterizar artistas que tenham o desejo de intervir artística e politicamente na sociedade. Muitos destes, depois do período de formação inicial, passaram a integrar o corpo de membros oficiais do Grupo.

Segundo a pesquisadora Beatriz Britto (2008), no período que corresponde aos primeiros anos de sua fundação a Terreira da Tribo

“[...] passa a funcionar como uma espécie de centro cultural, indo além das atividades teatrais. Ali aconteciam manifestações das mais diversas como shows musicais, projeção de filmes alternativos, oficinas teatrais, debates, festas, espaços para ensaios, além do funcionamento de um bar e casa de lanches naturais, que manteria o espaço durante alguns anos até 1989, quando estreia Antígona e quando o grupo passa a se manter com atividades ligadas ao teatro, oficinas e espetáculos de rua, [...]. (p. 24)

Ou seja, o galpão localizado na capital rio-grandense, abrigava uma micro célula de comunidade que servia para difusão das ideologias e filosofia de trabalho defendida pelo grupo, que além do engajamento político lutava também pela manutenção daquele espaço. A Terreira da Tribo, além de figurar como sede do grupo, é um centro técnico, ministrando cursos, e escoando as mostras cênicas de oficinas e cursos realizados pelos membros do grupo em bairros e comunidades populares de Porto Alegre.

Em 2000, o espaço se transforma em Escola de Teatro Popular e passa a ministrar diversas atividades formativas. São elas: a Oficina Popular de Teatro, o projeto Jogos de Aprendizagem (Mostras didáticas das oficinas desenvolvidas nos bairros), Seminários e Ciclos de Debates e os cursos técnico-profissionalizantes de formação de atores, teatro de rua, e teatro livre, com a duração de 18 meses.

Em 2008, o grupo conquista a posse do terreno onde será construído o Centro Cultural Terreira da Tribo, sede definitiva do ‘Oi Nóis’. Essa conquista histórica é fruto de reivindicações da comunidade local junto ao poder público, por reconhecer a relevância do trabalho desenvolvido pelo grupo como irradiador de atividades culturais e preservação da memória popular da cidade, vez que boa parte do repertório de espetáculos do grupo se alimenta do imaginário cultural da região. Essa conquista possibilitará a concentração de

todas as atividades formativas, promovidas por aquele coletivo em um único espaço, além de possibilitar o surgimento de novas iniciativas.

Atualmente, desenvolvendo atividades formativas durante todo o ano, o Terreira da Tribo é um dos centros de formação e investigação cênica mais consolidados de todo país, capacitando atuadores para desempenhar diversas funções da engenharia teatral.

Oficinão do Galpão Cine Horto (Belo Horizonte-MG) – promovido desde 1998

pelo Grupo Galpão (MG) e realizado anualmente em seu espaço, o Galpão Cine-Horto, o Oficinão do Galpão, segue uma estrutura de curso livre destinado a intérpretes com experiência comprovada no ramo das Artes Cênicas, escolhidos previamente por um processo seletivo que contempla análise curricular e audição. Ainda que não tenha a pretensão de ser uma escola de teatro, o curso anualmente desenvolvido no Galpão Cine Horto tem a extensão de 12 meses, sendo os nove primeiros dedicados à pesquisa e montagem de um produto cênico e os três últimos destinados à temporada e circulação do espetáculo, como explica a coordenadora pedagógica do projeto Lydia Del Picchia (2006):

No primeiro momento, os professores de corpo, voz, improvisação, produção cultural, ética, história do teatro, filosofia, e seja lá mais o que puder interessar ao tema, trabalham em grades fixas de horários, procedimento que tem a proposta de integrar o grupo e fazer com que todos falem uma mesma ‘língua’, exercitem capacidades individuais e proponham maneiras diversas de abordagem para a criação.

Nesse período, exercícios específicos são utilizados, sob o olhar da direção, e contribuem para conduzir os atores a um caminho comum. Esse primeiro processo de ‘azeitamento’ tem duração média de quatro meses, intercalando aulas práticas e discussões teóricas sobre o tema escolhido.

Ao entrar na fase da montagem propriamente dita, o contato com os professores diminui gradativamente. Entram em cena outros ‘personagens’. São os profissionais que vão definir cenas, figurinos, cenários, trilha sonora (muitas vezes, executada ao vivo), maquiagem, iluminação, etc. (p. 29).

O curso é desenvolvido numa carga horária variável entre de 20 e 40 horas semanais durante um período de 12 meses, o que equivale a um total variável de quatro a oito horas/aulas diárias, de acordo com as fases do processo criativo.

Pela infraestrutura e renome que o Galpão já possui, o seu Oficinão é uma forma de artistas realizarem uma reciclagem, entrando em contato com a metodologia de trabalho desenvolvida pelo grupo que possui uma trajetória consolidada inclusive internacionalmente. Ao mesmo tempo, para os membros do Galpão, o projeto surgiu como uma “[...] possibilidade de dar vazão a projetos pessoais que não encontravam seu devido espaço dentro do próprio

grupo” (MOREIRA,E., 2002, p.16), uma vez que o tema e a abordagem estética que é desenvolvida durante o curso e se transforma em espetáculo, é escolhido previamente pelo coordenador do projeto, que em suas primeiras edições, necessariamente, era um dos membros do grupo ou um encenador convidado. Ou seja, ainda que tenha uma abordagem coletiva – e em algumas edições também colaborativa, como nos mostra a pesquisa desenvolvida por Ricardo Figueiredo de Carvalho (2007) – há sempre um direcionamento prévio por parte da coordenação.

O Oficinão é a principal atividade desenvolvida pelo grupo Galpão no Galpão Cine-Horto, com resultados cênicos de grande repercussão na cena local. Depois de dez anos tendo a frente do processo membros do grupo e diretores convidados, em 2008 o projeto ganhou um novo formato denominado “Oficinão Residência”. Desde então, anualmente, além do processo seletivo dos intérpretes, é realizada a seleção de um projeto de montagem concebido por encenadores que desejem coordenar o trabalho.

Escola Giramundo (Belo Horizonte-MG) – trata-se de um núcleo de estudos de

teatro de bonecos fundado em 2004 pelo grupo Giramundo (MG) com o intuito de formar novos bonequeiros e servir de laboratório para as pesquisas desenvolvidas pelo grupo que geralmente resultam na variedade de bonecos construídos e utilizados em seus espetáculos cênicos e audiovisuais. Com mais de 40 anos de história, o grupo é referência internacional no estudo e pesquisa do movimento utilizando-se de variados estilos de bonecos. Seus espetáculos exploram uma fusão entre a engenharia tradicional da arte do boneco com as novas tecnologias disponíveis para sua construção e manipulação. Tem, inclusive, um museu dedicado a preservação do acervo e da memória dos fundadores do grupo.

A Escola Giramundo foi criada a partir da necessidade de conservação dos bonecos que faziam parte dos espetáculos de repertório do grupo, bem como da sua vontade de trazer o boneco para o centro da criação cênico-dramatúrgica. Álvaro Apocalipse e Teresinha Veloso, fundadores do grupo em 1970 na cidade mineira de Lagoa Santa, eram artistas plásticos, fator que impulsionou o interesse do grupo pelo estudo desse tipo de teatro.

Atualmente, mesmo com os membros fundadores já falecidos, o Giramundo é um dos mais atuantes no Brasil e no exterior. O grupo passou por diversas fases: a sua fundação em Lagoa Santa; a mudança para a capital mineira tendo, inclusive, sua sede vinculada, em certo período, à Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais; a sua independência institucional em 1998, após o aumento considerável na quantidade de

espetáculos e atividades desenvolvidas; e por fim, a fase de consolidação com a fundação do museu, da escola, e da sua sede atual localizada em Belo Horizonte.

A Escola Giramundo, inicialmente fundada no intuito de oferecer oficinas a jovens em situação de risco social, moradores da comunidade Pedreira Prado Lopes, na capital mineira, consolidou-se mais tarde como centro de capacitação profissional. Segundo o site oficial do Grupo, a instituição ministra oficinas (animação, elaboração de bonecos reciclados, construção artesanal de bonecos etc.), palestras, e cursos de longa duração de caráter técnico profissionalizante. Abriga ainda um programa de estágios realizado em parceria com algumas universidades locais.

A pedagogia desenvolvida pelo Giramundo configura-se como sendo de grande importância para o desenvolvimento das artes cênicas no país, especialmente pela escassez de centros de formação e capacitação de profissionais para atuar em áreas técnicas da engenharia teatral.

Projetos Mané Preto e Nosso Palco é a Rua (Aracajú-SE) – o grupo Sergipano

Imbuaça, com sua fundação datada do ano de 1977, é um dos mais longevos já registrados na região Nordeste. Com sua pesquisa essencialmente destinada ao teatro de rua e ao estudo da estética da cultura popular nordestina, em especial a literatura de cordel, o grupo surgido de um intercâmbio de artistas sergipanos com a Companhia de Teatro Livre da Bahia, tornou-se um agente multiplicador revelando renomados artistas atuantes na cena teatral da região, bem como o surgimento de novos grupos, que inspirados pelos ideais poéticos e estéticos do Imbuaça, também enveredaram pelos caminhos do teatro de rua.

Os 35 anos de História deste agrupamento são marcados pela resistência e persistência diante das adversidades. Segundo Lindolfo Amaral (2008)

[...] não é comum um grupo de teatro trabalhar tanto tempo. As dificuldades enfrentadas no dia-a-dia fazem muitos ficarem no meio do caminho. São poucos os que conseguem atingir essa marca. E o Imbuaça não tem patrocinador. A luta se torna mais difícil ainda. O resultado é visível. Diversos grupos surgiram a partir da experiência do Imbuaça. Aliás, a quantidade de oficinas e atores que tiveram acesso ao nosso projeto artístico fez multiplicar o teatro de rua no Brasil. (p.12).

Mesmo sendo um dos mais antigos do país, o grupo ainda enfrenta dificuldades comuns a diversos outros coletivos, como a falta de patrocínio e a pouca infraestrutura para circular com seu repertório de espetáculos. Ainda assim, desde 1991 o Imbuaça consegue manter uma sede localizada em Aracajú que serve de espaço de ensaio e desenvolvimento de

suas atividades pedagógicas. Essa dedicação em vencer as dificuldades e a qualidade de suas realizações cênicas cativaram elogios de renomados artistas nacionais.

Por sua pesquisa em teatro de rua, o grupo já ministrou oficinas em diversos estados brasileiros, especialmente em ocasiões de encontros e festivais nacionais e internacionais, contribuindo para a difusão dessa modalidade teatral e da estética do teatro popular nordestino.

Mas a sua atuação continuada no campo do Teatro-Educação, contribuindo para a formação humana e cidadã de jovens aracajuenses em situação de vulnerabilidade social, é a principal marca da sua pedagogia. São ações como o Projeto Mané Preto, que recebeu esse nome em homenagem a um popular morador do bairro Santo Antônio, onde está localizado o Espaço Imbuaça. Desenvolvido desde 2000 na sede do grupo, com o aporte dos membros e de alguns voluntários locais, o Mané Preto promove gratuitamente a realização de oficinas de música, teatro e danças populares destinadas a crianças e adolescentes residentes na localidade.

Outro projeto de grande impacto social em Aracajú, promovido desde 2005 pelo grupo, é o Nosso Palco É a Rua, que tem o intuito de formar animadores culturais, possibilitando que jovens de comunidades populares sejam capacitados e tenham uma iniciação no mercado de trabalho. Durante dois anos, 40 jovens de faixa etária entre 15 e 18 anos têm aulas de Teatro, cultura sergipana e patrimônio imaterial a fim de utilizarem a cultura local como fonte criativa de renda. O projeto, vinculado ao Programa Ponto de Cultura do governo federal, no momento encontra-se interrompido por falta de recursos.

Esses e outros projetos pontuais promovidos pelo grupo surgiram da necessidade de uma interlocução do coletivo com a comunidade do entorno do Espaço Imbuaça. Percebendo a realidade local e a vontade de não se restringir apenas à montagem e circulação de espetáculos pelo Brasil e em outros países, o grupo considera – mesmo com as dificuldades – importante a realização continuada de iniciativas como o Mané Preto e o Nosso Palco é a Rua.