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4 OFICINÃO FINOS TRAPOS: A CRIAÇÃO COLABORATIVA EM PERCURSOS

4.2 PERSPECTIVA METODOLÓGICA – CONCEITOS ESTRUTURANTES

4.2.2 Conceito de Oficinão

O formato de oficinão surge da valorização da experiência de criação como recurso metodológico de grande potencial pedagógico. Do entendimento de que um processo fundamentalmente artístico não está desassociado da criação de um espaço de desenvolvimento humano nos campos profissional, cognitivo e afetivo.

É importante destacar que esse termo não tem origem no percurso formativo idealizado pelo Finos Trapos. É uma nomenclatura recorrente no trabalho, aqui já citado, desenvolvido desde 1998 pelo grupo Galpão (MG) que realiza anualmente em sua sede de trabalho o “Oficinão do Galpão Cine-Horto”. A nossa admiração pelo trabalho desenvolvido por esse grupo mineiro, inclusive, foi uma das razões que nos inspiraram a adotar o termo em nosso percurso formativo. Não encontrei registros de estudos sobre a expressão nem citação recorrente na historiografia em que tive acesso durante a minha pesquisa de campo, o que

indica que a expressão Oficinão surgira realmente no seio do trabalho desenvolvido pelo grupo Galpão.

Atualmente, além do Galpão e do Finos Trapos, dois outros importantes grupos da cena brasileira utilizam o termo para caracterizar algumas de suas atividades pedagógicas. São eles: o Clowns de Shakespeare (RN), que desde 2010 promove em seu Barracão (sede do Grupo) o “Oficinão Clowns” e o Teatro de Anônimo (Rio de Janeiro-RJ) que recentemente promoveu o “Oficinão Teatro de Anônimo” com o tema “O Ator Brincante e a Cena Cômica”, mas não consegui aferir informações sobre uma possível continuidade desses projetos.

Ainda que não seja um conceito debatido e já estabelecido na área teatral com características bem delineadas que o diferencie de outras nomenclaturas já recorrentes (oficinas, workshops, cursos, mini-cursos, etc.), a expressão oficinão tem se popularizado e ganhado adeptos não apenas no interior dos cursos promovidos por grupos teatrais, como também por artistas independentes e instituições de ensino não formal.

O formato de oficinão adotado pelo primeiro grupo a utilizar o termo é bastante distinto do sistematizado pelo Finos Trapos. O oficinão do Galpão segue uma estrutura que se assemelha mais a um curso livre do que uma espécie de oficina condensada, definição que melhor se aproxima do formato adotado pelo Finos.

Essencialmente compreendo como principal diferenciação entre curso livre e oficina os aspectos concernentes à carga horária, período de execução e abrangência de conteúdos dessas duas modalidades. Uma oficina tende a ser uma ação de curta duração com carga horária limitada, geralmente variável e inferior a 120h, tendo sempre um conteúdo que gravite em torno de um tema central. Já em um curso livre não existe limitação de carga horária nem de periodicidade, podendo versar, inclusive, sobre temas e conteúdos diversificados.

Um curso livre pode destinar-se ao domínio conceitual de todo uma área do conhecimento. Na Bahia, por exemplo, temos o tradicional curso livre de interpretação teatral da Escola de Teatro da UFBA (Salvador-BA), com duração de 12 meses; o curso livre de teatro da Sitorne Estúdio de Artes Cênicas (Salvador-BA), com duração de 24 meses; e o curso livre de teatro do Centro Universitário de Cultura (CUCA) da Universidade Federal de Feira de Santana (Feira de Santana), também com duração de 24 meses.

Uma oficina geralmente detém-se a um aspecto específico de uma determinada área – uma técnica, procedimento, linguagem estética, etc. Exemplo: Oficina de commedia Dell’ Art; teatro do oprimido; criação dramatúrgica etc.

Comparando as duas experiências, no caso do Galpão Cine Horto o curso tem a extensão de 12 meses, sendo os nove primeiros dedicados à pesquisa e montagem de um produto cênico e os três últimos destinados à temporada e circulação do espetáculo. Na versão adotada pelo Finos Trapos, o curso é desenvolvido numa carga-horária bem diferente e em um espaço de tempo bem menor.

Ademais, as limitações ocasionadas pelo contexto vivenciado pelo Finos – o que condiciona, inclusive, a autonomia da pesquisa e da encenação, uma vez que até o momento não contamos com um aporte financeiro que nos dê uma margem de conforto para fazer alçar voos a todas as ideias propostas pelo coletivo que se forma a cada Oficinão – transformam as dificuldades e limitações espaço-temporais e financeiras em mecanismos de aprendizagem.

O fato de o Finos Trapos ainda não gerir um espaço que funcione como sede também é um complicador – o formato itinerante do projeto. Todas as edições do Oficinão foram realizadas em espaços culturais distintos, o que de certo modo enriquece as potencialidades da experiência. Em alguns casos, as aulas ocorriam em um local e a mostra cênica desenvolvida em outro, o que apesar de ser algo problemático e claramente se derivar de uma limitação logística e de produção, colocava em evidência para os envolvidos no percurso formativo a capacidade de se adequarem a espacialidades diferenciadas e o lidar com contextos desfavoráveis.

No oficinão do Galpão, pessoas das diversas regiões do país se deslocam para a sede do grupo para participarem do curso. Já no oficinão do Finos, o grupo se desloca para regiões diferenciadas para trocar com os participantes. Essas posturas distintas proporcionam diferenças em diversos aspectos das experiências. Um dos mais latentes é a condição econômico-social do público alvo nos dois casos, uma vez que a participação no oficinão do Galpão requer disponibilidade de tempo durante um longo período sem nenhuma bolsa ou ajuda de custo aos participantes.

Outra característica a ser considerada no Oficinão Finos Trapos é o processo de horizontalização das decisões. Ainda que haja a figura do encenador e do coordenador pedagógico, as definições sobre a pesquisa estética e o tema a ser abordado na mostra cênica são realizadas no contato com os alunos e a partir das discussões que emergem desde o primeiro dia das oficinas, seguindo as etapas estipuladas na dramaturgia da sala de ensaio.

Apenas nas três últimas edições realizada em distintas regiões do interior do estado da Bahia decidimos propor uma temática da qual emergiria um tema recorte no contato com as inquietações poéticas dos alunos. Sempre destinávamos um momento, em todas as cinco edições do projeto, para que os artistas-estudantes explorassem o marco zero instituído

na dramaturgia da sala de ensaio. A partir das vontades apresentadas e da análise dos pontos recorrentes entre elas eram planejadas ações por parte dos educadores para transformar em dispositivos cênicos o tema eleito no final do encontro.

Isso incitava nos participantes a disponibilidade para o diálogo e o debate. Assim, poderiam experimentar in loco a dinâmica do cotidiano de um grupo de teatro, com seus bastidores, às vezes conflituosos, às vezes de intensa harmonia e inspiração artística. Ou seja, durante o período em que se reuniam para a experiência, não apenas os alunos entre si se como também os membros do Finos, se constituíam num único coletivo: o coletivo Oficinão. Isso exigia dos condutores do processo flexibilidade e uma disponibilidade para construir o plano de ação – especialmente os artísticos– no contato com os alunos. Tudo era colaborativo e em processo. O que não é nada fácil, mas os resultados obtidos são bastante estimulantes.