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3 TEATRO FORA DO(S) EIXO(S) E O FOMENTO AOS COLETIVOS TEATRAIS NO

3.1 DESAFIOS DE FORMAÇÃO NOS CONTEXTOS CULTURAIS REGIONAIS

descentralização de recursos, possibilitando o acesso ao apoio financeiro a regiões menores e com pouca infraestrutura, o que gerou demandas também no campo da formação profissional. Reciclagens e capacitações dos fazedores de cultura tornavam-se necessárias possibilitando àqueles que residiam em regiões periféricas pudessem disputar a sua fatia de financiamento, garantindo uma estruturação mínima de seus trabalhos. Urgia então o domínio de habilidades para além das competências artísticas.

Noções mínimas de gestão e administração, direito público, normatização e formatação de projetos para concorrer aos editais de fomento, dentre outros tópicos, passaram a fazer parte do cotidiano dos artistas e agrupamentos, especialmente no interior dos Estados brasileiros, onde a escassez de profissionais capacitados – principalmente da figura dos produtores e gestores culturais – empurravam os artistas para o acúmulo de funções.

No Estado da Bahia, por exemplo, região da qual sou originário, geralmente as produções teatrais ainda não são autossustentáveis. Poucos espetáculos sobrevivem apenas do

capital gerado na bilheteria, havendo sempre a necessidade de um financiamento oriundo de fontes públicas e/ou privadas, fato que se agrava ainda mais no caso dos coletivos teatrais pelas peculiaridades aqui já relacionadas.

Independentemente do nível de estruturação/formalização administrativa, profissionalização e complexidade da elaboração estética dos grupos artísticos, eles se tornam decisivos no cenário cultural e social dos municípios, possibilitando o desenvolvimento dessas regiões, ainda que de forma embrionária. Essa relevância nem sempre é reconhecida, o que os leva certas vezes a serem marginalizados pelo poder público e/ou sociedade, o que ocasiona o engajamento político desses coletivos, seja através de uma postura autoafirmativa perante a sociedade, seja pelas constantes reivindicações junto ao poder público.

O estatuto marginal desses grupos e a falta de estrutura das cidades empurram os artistas para a dupla jornada de trabalho, tendo outra atividade profissional que sirva como complementação de renda. Em alguns casos, o teatro passa a ser uma atividade secundária, desempenhada nos intervalos entre a atividade que serve como principal fonte de recursos e que, inclusive, muitas vezes serve como capital de giro para financiar/custear as suas produções. Mesmo nesses casos, o desejo de independência financeira – individual e coletiva – e a luta permanente pela consolidação de um mercado profissional – ainda que idealizado a partir da realidade encontrada nos grandes centros – possibilita que os grupos dos contextos culturais regionais encontrem soluções criativas para lidar com os desafios de gestão e produção.

Uma dessas soluções é a figura do artista-produtor, termo geralmente utilizado para caracterizar o perfil de profissional polivalente, na maioria das vezes personificada na figura dos diretores artísticos ou encenadores dos coletivos. Para estes, o desafio de lidar com essas novas demandas não alteravam substancialmente o seu cotidiano, pois,

Nos contextos culturais regionais, ou periféricos, o diretor tem a função teatral multiplicada e expandida. As próprias práticas inerentes à direção do espetáculo teatral, tais como interpretação do texto dramático, construção do projeto cênico, direção dos atores, adquirem características novas ao se contatarem com tarefas que estão estreitamente relacionadas ao papel de animador cultural (CARREIRA, 2003, p. 34).

Esse perfil de animador cultural, que em boa parte dos casos engloba também características relacionadas à função de artista-produtor, é característica comum à formação proporcionada pelo teatro de grupo, especialmente nesses contextos culturais à margem dos grandes centros. Um saber que emerge do fato de que esse fazer artístico encontra ainda

maiores dificuldades fora dos grandes eixos de produção, mais privilegiados no que diz respeito à infraestrutura necessária ao seu desenvolvimento.

O aprendizado do artista-produtor se dá de modo empírico a partir dos desafios encontrados na prática cotidiana dos coletivos, seja intuitivamente nos processos de educação informal, seja através de processos de formação organizados ou proporcionados pelo próprio grupo. Assim, cada agrupamento – amador ou profissional – passa a ser um agente mobilizador da microrregião na qual se insere, possibilitando a criação de produtos cênicos e o surgimento de novos artistas em regiões onde a educação formal pouco oferece de instrumentalização profissional.

Para ter uma ideia da relevância dos grupos na dinâmica cultural e educacional dos contextos culturais regionais basta observarmos os dados apresentados no Plano Nacional de Cultura (PNC). Segundo esse documento, até o ano de 2011 existia no Brasil 1.837 cidades que possuíam coletivos teatrais em atividade.

Figura 1 - Quadro de Metas do Plano Nacional de Cultura para os agrupamentos artísticos até 2020

Fonte: Brasil (2012, p. 70)

Essas informações, coletadas em pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (BRASIL, 2012, p. 70), apesar de não apontarem a quantidade exata de

coletivos, fazer distinção entre grupos profissionais e amadores ou explicitar os critérios do que se compreendeu como “grupos” ou “coletivos”, nos dão uma breve noção de que

Uma história do teatro brasileiro que afinal contemple a diversidade de realizações cênicas emergentes dos muitos mundos que engendram este país ainda está por ser escrita. Quando isso acontecer – talvez dentro de mais uma década, com a convergência de estudos realizados em diferentes regiões e com dados curiosos das artes cênicas poderão surpreender-se com a descoberta de uma variedade de formas e tendências que em muito ultrapassam o já conhecido. (MENDES, 2009, p.13)

Esse mapeamento, tanto pela dimensão territorial do nosso país quanto pela dificuldade em estabelecer critérios que se adequem a realidades tão peculiares, não é tarefa fácil. Ademais, uma vez que o termo teatro de grupo passou a ser vocabulário corrente no meio teatral, é por vezes difícil estabelecer sua dissociação da noção de núcleo de teatro:

No que se refere estritamente as formas organizativas, não podemos falar de um modelo único ou mesmo predominante. No universo do teatro de grupo, vemos desde estruturas profissionalizadas estáveis (formadas com atores e diretores), companhias registradas como empresas, coletivos amadores, ate “grupos” formados por apenas duas pessoas. (CARREIRA, 2011, p. 45). Desde a década de 90, a própria terminologia teatro de grupo, assim como o foco das políticas públicas para a cultura, parece também ter ficado fora do eixo. Nesse sentido, percebe-se que a amplitude que caracteriza esse movimento na atualidade dá-se, especialmente, por sua capacidade de moldar-se aos mais variados contextos. Portanto, não é difícil imaginar porque no país onde as diferenças regionais são tão perceptíveis, uma forma de organização que se adeque às realidades particulares desperte tanto interesse e adeptos, tornando-se um fenômeno tão complexo quanto a realidade cultural brasileira.