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Antropologia da Comunicação – Antecedentes

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CAPÍTULO III – Antropologia da Comunicação na USP

2. Antropologia da Comunicação – Antecedentes

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Como já mencionado no Capítulo I desta dissertação, e através de análises feitas pelo Professor Dr. José Marques de Melo47, estudos relativos à Antropologia

interligados com a Comunicação partem desde o século XIX.

Especificamente, a temática relacionada à questão racial e à imprensa já era assunto discutido na academia, desde os primórdios da Universidade de São Paulo. No entanto, até o trabalho de João Baptista Borges Pereira (O negro e o rádio jamais tinha sido motivação para uma observação científica até Borges Pereira.) nenhuma outra obra tinha se proposto a diagnosticar um fenômeno comunicacional, ao mesmo tempo em que era investigado algo referente à Antropologia.

Durante a sua investigação científica, Marques de Melo (1972, p.39) enfatiza que

foi Gilberto Freyre o primeiro a descobrir a importância informativo-documental da imprensa. Aliás, situam-se exatamente nessa área das Ciências Humanas as suas pesquisas pioneiras em anúncios de jornais.

Ademais das pesquisas seminais de Gilberto Freyre, Marques de Melo cita em suas obras os estudos de Florestan Fernandes, Arthur Ramos e Roger Bastide,

professores da Universidade de São Paulo.

Um exemplo dessas produções é o artigo escrito em 1951, pelo Professor Roger Bastide. Intitulado “A Imprensa Negra do Estado de São Paulo”48, o texto descreve o perfil do conteúdo publicado pelos periódicos do Estado de São Paulo dirigidos ao público afrobrasileiro. Bastide. De acordo com o docente “assim percorrendo a imprensa negra, o sociólogo pode seguir a evo lução da classe de cor”. (1972, p.77)

Segundo Bastide, os veículos impressos de dedicados ao público negro

47Ver as obras: MARQUES DE MELO, José. Estudos de Jornalismo Comparado. São Paulo: Livraria

Pioneira. São Paulo, 1972; MARQUES DE MELO, José. Teoria do jornalismo. São Paulo: Paulus, 2006.

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Artigo disponibilizado no livro: BASTIDE, Roger. O Negro na Imprensa e na Literatura. Seleção dos textos: Professor Dr. José Marques de Melo. Série Jornalismo. São Paulo. Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 1972.

apesar de sua pequena tiragem e da fragilidade de alguns desses jornais, sua finalidade é múltipla e sua utilidade incontestável. Serve, em primeiro lugar, naturalmente por tornar conhecidas as convocações individuais pelo correio, dos comitês de membros

contribuintes. Permite aos escritores de cor, que dificilmente podem escrever na imprensa nacional, publicar seus versos ou contos; serve pois, para revelar novos talentos. É enfim, sobretudo, um órgão de reivindicação, contra tudo o que seja em detrimento da elevação do brasileiro de cor; de educação; porque o preto só subirá com mais instrução e mais moralidade, e com mais confiança no seu próprio valor. (1972, p.78)

3. Antropologia da Comunicação:

Embora outros trabalhos isolados tenham sido produzidos anteriormente, é na Universidade de São Paulo que a disciplina se torna campo de estudo científico. Ainda na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Egon Schaden, em 1966, orienta a tese de doutorado, em Antropologia, desbravadora para a Antropologia da

Comunicação no Brasil. “Cor, Profissão e Mobilidade: o negro e o rádio de São Paulo”, escrita por João Baptista Borges Pereira descreveu a participação dos afrobrasileiros na estrutura radiofônica. Para que essa descrição se tornasse a mais fidedigna possível, Borges Pereira estudou a história e o funcionamento das emissoras de rádio paulistanas, o que transformou a obra em uma fonte de consulta para antropólogos e comunicólogos.

O segundo trabalho, também produzido na FFLCH, refere-se à dissertação de Solange Martins Couceiro de Lima, defendida em 1971, sob a orientação de João Baptista Borges Pereira. Intitulada “O Negro na Televisão de São Paulo: um estudo de relações raciais”49, Solange Couceiro faz um estudo comparativo sobre a participação do negro na estrutura radiofônica e televisiva, tomando como referencial a obra de Borges Pereira.

Na ECA-USP, a disciplina passa a ser ministrada por Egon Schaden em 1970, nos cursos de graduação. O principal intuito do curso, segundo o próprio Schaden (1974) era analisar os aspectos culturais e as mudanças nesse sentido, que naquela época aconteciam de uma forma mais rápida, sob a ótica da Comunicação. Buscava-se entender quais eram os efeitos que os meios comunicacionais (e nesse contexto são inseridos não apenas a TV e o rádio, mas também, a escola, a igreja, entre outros)

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geravam para a manutenção, a extinção ou a fusão de culturas. Essa era a definição para a Antropologia da Comunicação naquele momento.

Ainda no início da década de 70, a Antropologia da Comunicação não fica restrita ao espaço da Universidade de São Paulo. Pelas mãos de Schaden, a disciplina, e principalmente, o pensamento da Antropologia da Comunicação é difundido para o continente americano.

Concomitantemente com as atividades exercidas na ECA-USP, Schaden leciona a Antropologia da Comunicação, no Centro Internacional de Estudios Superiores del Periodismo para Latinoamerica (CIESPAL), instituição mantida pela UNESCO, localizada em Quito, Equador. Na Alemanha, o docente implanta na Universidade de Bonn, a disciplina “Etnografia da Comunicação”, matéria com nomenclatura distinta, mas com conteúdo semelhante aos cursos do CIESPAL e Universidade de São Paulo.

João Baptista Borges Pereira (2008), sucessor de Schaden na cadeira de

Antropologia da FFLCH-USP, ressalta que “Schaden criou uma reflexão permanente sobre a Antropologia da Comunicação. Esse foi o seu grande mérito”.

Na concepção de Schaden, uma das principais tarefas que os estudiosos da Antropologia da Comunicação deveriam cumprir era contribuir para a adaptação de populações distantes (interioranas) aos meios de comunicação.

Já que é limitada a capacidade humana para s ucessivas readaptações e talvez reorientações, chega finalmente um ponto em que o indivíduo perde a segurança de atitudes, a cultura se torna espúria e a vida deixa de ter sentido. Daí a necessidade de vigiar e controlar o processo de modernização e de aju dar o caboclo, ou quem quer que seja, a superar os inevitáveis fenômenos de crise cultural. Mas para isto se hão de conhecer, antes de mais nada, os valores e as atitudes características do nosso homem do campo e das vilas do interior, a fim de se descobrirem as possíveis aberturas para a comunicação eficiente com o mundo dos valores – se é que são valores – civilização. Eis aí uma das primeiras tarefas para a Antropologia da Comunicação. (Schaden, 1974, p. 144)

Em seu texto, Schaden ainda propôs que dentro da Antropologia da Comunicação

Se empreenda o estudo da cultura euro -tropical do Brasil – também esta expressão é de Gilberto Freyre – na perspectiva da comunicação. É coisa que não se fará sem grande esforço, sem intensivas e metódicas pesquisas bib liográficas, sem cuidadosa e

sistemática observação da realidade empírica. O que podemos fazer desde logo é coordenar e integrar conhecimentos isolados numa primeira visão de conjunto, naturalmente provisória, mas plataforma necessária para indagações mais profundas. Nestas o antropólogo necessitará da cooperação de sociólogos, de folcloristas e lingüistas, sobretudo de ecologistas, mas também da ajuda de representantes de outras ciências. (Schaden, 1974, p. 146)

Diretor por diversas ocasiões do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA- USP, José Marques de Melo (2008) ressalta que a afinidade com a área da Antropologia da Comunicação, surgiu ainda nas teses defendidas por Schaden: “Alguns aspectos da Comunicação estão explícitos nas teses de Schaden. Ele podia até dizer que não era Comunicação, mas os indícios estão lá, nos escritos de Schaden”.

3.1.

Cultura Brasileira – Aculturação de Imigrantes no

Brasil:

Nos cursos de pós-graduação da ECA-USP, a linha de pesquisa coordenada por Schaden, dentro dos estudos da Antropologia da Comunicação, recebia o nome de “Cultura Brasileira”.

Inicialmente, o principal objeto de estudo dessa área era o processo de aculturação dos imigrantes que vinham, das mais diversas partes do mundo para o Brasil. Nesse aspecto, era observado o papel da Comunicação nesse processo, isto é, o quanto a Comunicação poderia ser responsável para contribuir na fusão de duas ou mais culturas. Com isso, Schaden constitui um grupo formado por seus orientandos que investigavam o fenômeno em diversos Estados.

Um dos principais trabalhos dentro desse campo é a dissertação de Sônia Bibe Luyten, intitulado “Comunicação e Aculturação: a colonização holandesa no Paraná”, publicada como livro em 1981, dois anos após a defesa ocorrida em 1979 .

A investigação de Sônia Luyten tinha como intuito analisar como se deu a aculturação de uma comunidade de imigrantes holandeses, localizada na colônia de Carambeí, Paraná. Nesse aspecto, Sônia observou a colaboração da comunicação para que a fusão entre as tradições brasileiras e holandesas acontecesse.

No tocante aos meios de comunicação coletiva, através de sua difusão, estes têm complementado o processo de assimilação e aculturação, à medida que surgem como agentes de reforço e/ou mudança, como já expusemos. Dada a grande predisposição do grupo para a audiência aos meios de comunicação – jornais, revistas, livros, rádio, televisão e cinema – estes vão integrando os colonos às expressões da vida sociocultural brasileira, familiarizando-os ao que há de mais atual. Os meios de comunicação

coletiva, além da função de reforço do uso ou aprendizado da língua portuguesa, permitem também ampliar a visão estreita e local dos colonos, em decorrência da localização de Carambeí, colocando-os a par do que há de mais sofisticado nos centros urbanos brasileiros, dissolvendo os estereótipos e preconceitos adquiridos, nos primeiros tempos, pelo isolamento cultural. Dos meios de comunicação audiovisuais, a televisão e o rádio sobrepõem-se ao cinema quanto aos papéis d e importância

representados. Os meios impressos (jornais, revistas, livros) encontram, entre os colonos, equivalentes holandeses para comparação e os audiovisuais não (com exceção da parte informativa em ondas curtas pelo rádio), provocando mais impacto,

principalmente, a televisão. (Luyten, Sônia B., 1981, p. 145-146)

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