CAPÍTULO III – Antropologia da Comunicação na USP
7. Focos irradiadores da Antropologia da Comunicação
7.3. Joel Zito Araújo – Biografia
7.3.1. Joel Zito Araújo – Pensamento
O interesse pelos estudos étnicos perpassa a fronteira de um mero interesse profis sional. Descendente de africanos, Joel Zito revelou que sempre observou as questões raciais com muita proximidade:
[...] Eu sempre fui muito atento, porque era algo que me trazia muita dor, muito incômodo na adolescência. Mas foi quando eu estava concluindo a faculdade que eu passei a tomar mais consciência dos movimentos, que comecei a incorporar a questão racial na minha vida, refletindo como pessoa, e pela perspectiva intelectual [...] (Araújo, 2008)
Para se ter uma idéia, a questão racial norteia toda a sua produção acadêmica e cinematográfica. Ao ingressar no doutorado, o projeto inicial era realizar um estudo de recepção da telenovela brasileira. O objetivo, segundo Araújo (2008) era verificar através de uma perspectiva mais antropológica, “se exis tiam diferenças de recepção entre o segmento populacional negro, e o segmento populacional branco”.
Entretanto, em 1991, o investigador lança um documentário intitulado “Retrato em Preto e Branco”, o que lhe garante uma importante premiação americana, e uma bolsa de estudos concedida por uma fundação norte-americana, que lhe permitiu permanecer durante um semestre nos Estados Unidos, pesquisando sobre a história do negro no cinema e na televisão do país.
[...] E foi lá que eu conheci um documentário sobre essa questão. Com isso, eu pensei: por que não fazer um documentário sobre a história do negro na televisão brasileira? E quando eu voltei, o pró-reitor da USP, Jacques Marcovitch, que depois se tornou o reitor, me convidou para integrar uma comissão para redigir um documento da USP, no ano do Zumbi, em 1995. Nessa conversa com o Jacques, ele sugeriu que eu fizesse um documentário exatamente sobre o que eu pretendia fazer. Eu mostrei para o Jacques o projeto, e ele considerou caro, mas disse que poderia apoiar a pesquisa do
documentário. Com essa ajuda, as portas foram abertas, inclusive o acesso ao Centro de Documentação da Rede Globo. Paralelo ao meu processo de doutoramento, eu estava fazendo o documentário com apoios fundamentais. Eu estava encantado com o filme, e falando sobre isso para Solange, e nada de começar a minha pesquisa do doutorado...
Foi quando a Solange questionou o porquê de não tornar o meu documentário a minha tese de doutorado. Dessa forma, eu abandonei a idéia de fazer uma pesquisa a mais sobre o negro, e tornei o meu filme, o meu projeto, obviamente com pequenos ajustes. E tanto o filme quanto a tese saíram juntos. A tese, inclusive, foi logo transformada em livro pela Editora Senac. E todo mundo pensa que eu transformei a tese em u m filme. E não foi esse o processo. Eu fiz o contrário. (Araújo, 2008)
No decorrer da pesquisa, Joel Zito constatou que
[...] a telenovela “abraçou” um discurso que surgiu no século XIX, que é a ideologia do “branqueamento”. E ao “abraçar” o discurso do branqueamento, ele era feito em negação às afirmações das identidades brasileiras. O Brasil, e a telenovela afirmam isso, tanto através do discurso oral quanto estético, nega a sua origem africana, a sua origem indígena. “A negação do Brasil” foi a constatação de que a telenovela tinha um papel fundamental na reafirmação de um desejo que nasceu no século XIX. E a forma que a telenovela exerce isso é através do discurso estético, ou seja, por meio da escalação do elenco, e só tratar o negro como subalterno, como aquilo que você não quer ser. (Araújo, 2008)
A tese diagnosticou, ainda, a ínfima participação de atores negros nas telenovelas:
A mais evidente negação de nossa diversidade racial pode ser observada na constatação de que atores afro-descendentes es tiveram ausentes de um terço das telenovelas produzidas neste quase meio século de história do gênero, que desde 1963 se tornou o programa diário de maior sucesso da TV brasileira. E nos outros dois terços, nunca ultrapassaram 10% do elenco escalado. 72
Com as produções cinematográficas, Joel Zito ganhou diversos prêmios nacionais e internacionais, entre eles, oito “Quiquitos” no Festival de Cinema de Gramado, no Rio Grande do Sul, com o longa- metragem “Filhas do Vento”.
Em 2008, Joel Zito lançou um documentário chamado “Cinderela, Lobos e um Príncipe Encantado”.
É um filme onde eu investigo os imaginários do turismo sexual dos dois personagens mais importantes: o turista social e as garotas de programa envolvidas. É um filme de investigação dos imaginários. A primeira parte do filme ocorre nas cidades com maior presença de turistas no Nordeste (Fortaleza, Recife, Natal e Salvador); e na segunda parte, eu vou para a Itália e Alemanha para ver as garotas que foram para lá, e os caras
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ARAÚJO, Joelzito. Onde está o negro na TV pública? Brasil: Ministério da Cultura – Fundação Cultural Palmares, Folder de Divulgação, 2008.
que “transam” e se casaram com elas. É um filme de estudo dos imaginários, culturais, sociais, etc. (Araújo, 2008)
No mês de novembro de 2008, o cineasta lançou o livro “O Negro na TV Pública”
que é uma coletânea de artigos. Tem três artigos meus, e eu sou o organizador. É u ma tentativa de reflexão de várias pessoas sobre o que a programação de uma TV pública
poderia fazer dentro da questão racial [...] (Araújo, 2008)
Embora a sua carreira apresente características antropológicas e, evidentemente, comunicacionais, Joel Zito não se rotula como um antropólogo da comunicação:
[...] eu me considero um cineasta. Eu não me considero nem psicólogo, e nem antropólogo. Eu digo que tenho muita influência da Antropologia, e um pouco da Psicologia. Mas eu não faço um cinema antro pológico, e nem psicológico. Eu trabalho com outra perspectiva. O artista tem que ter uma “antena” com muitos canais, e os meus canais são muito variados. (Araújo, 2008)