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CAPÍTULO II – DISCURSO, FÉ, MEDIAÇÃO E FORMAÇÃO DE IDENTIDADE

2.1 MIMESE: MANUTENÇÃO E FORMAÇÃO DE IDENTIDADES

2.1.2 Relação entre Irmãs

O fato de serem paulistanas permeia as relações entre as Igrejas, como também as suas escolhas e as tramas em que estão inseridas. O pertencimento a determinada família cristã oriental também pesa nessas relações. Portanto, este item do estudo dará destaque às relações entre Igrejas Ortodoxas, pois estas não possuem uma relação de poder com a Igreja Católica Romana, diferentemente das Católicas Orientais.

Nos depoimentos dos membros do clero é possível notar o peso da Igreja Católica nas relações das Igrejas Ortodoxas com suas coirmãs Católicas Orientais. No entanto, torna-se mais prudente destacar essas relações no próximo capítulo, dedicado exclusivamente às Igrejas Católicas Orientais. Logo, neste primeiro momento serão abordadas exclusivamente as relações entre Igrejas Ortodoxas.

Figura 8 - Igreja Ortodoxa Copta no bairro do Jabaquara.79

Dentro desse grupo – Igrejas Ortodoxas –, como já apontado, há também a família das Igrejas não Calcedonianas, com três representações na cidade: Igreja Apostólica Armênia, Igreja Ortodoxa Sirian e Igreja Ortodoxa Copta. Os discursos dos membros do clero dessas Igrejas são consensuais:

Acreditamos, ou temos o mesmo dogma da Igreja, e inclusive no século V a Igreja Copta Ortodoxa e a Igreja Siríaca Ortodoxa de Antioquia ficaram juntas. Desde aquele tempo, as duas Igrejas são unidas, e com a Igreja Armênia Ortodoxa é a mesma coisa também. Nós temos o mesmo dogma. Mas em relação com outras Igrejas, nós temos sempre a nossa presença em qualquer atividade, ou congressos,

tudo isso nós temos relação forte, não só com a Igreja Armênia, ou a Igreja Copta.80

O membro do clero procura manter esse consenso, uma vez que ele, sendo o guardião da comunidade, da mimese e de suas características na metrópole, deve zelar também pelas relações harmoniosas de sua Igreja com suas coirmãs da mesma família. Deve reproduzir um tempo ritual em que as Igrejas de uma mesma família vivem sempre em harmonia. No entanto, o consenso não é completamente harmonioso.

Quando perguntado acerca das relações entre a Igreja Apostólica Armênia e a Igreja Ortodoxa Copta, AO comenta:

Eu acho que é difícil que a Igreja Copta que eu conheci aqui através de seu bispo, eu frequentei essa Igreja uma vez quando chegou o Patriarca deles, o Shenouda do Egito, e percebi que a maior parte dos fiéis não pertencia à Igreja Copta. Eram brasileiros e brasileiras convertidos, e entravam na família da Igreja Copta. Porque, primeiro que em São Paulo eu acho, eu penso que não tem muitos coptos, egípcios cristãos. Mas existe a Igreja com seu sacerdote e faz tudo para manter a Igreja através de seus fiéis, mesmo sendo convertidos.81

AO relembra a peculiaridade da Igreja Copta entre as Igrejas Orientais paulistanas: o fato de seus fiéis não serem originalmente membros de uma diáspora. Para AO, que tem em seu horizonte a preservação da cultura e fé armênia, é necessário que haja uma relação entre pertencer à Igreja Armênia e ser de origem armênia:

80 Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Sirian da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 12/2/2010.

Igreja Armênia é uma exceção: ela considera seus filhos todos que são batizados na Igreja, que pertencem à Igreja nacional armênia e praticam todas as cerimônias na língua armênia e são descendentes dessa nação [...].82

Apesar desses apontamentos críticos acerca da Igreja Copta, AO é solidário com seu colega egípcio. Reconhece que, assim como ele próprio, o membro do clero copta faz de tudo

para manter a Igreja.

CO, representando a Igreja Copta, fala sobre a família de sua Igreja na cidade. A cooperação ocorre, pois AO, como verificado anteriormente, afirma que esteve na Igreja Copta durante a visita do Papa Shenouda. CO, por sua vez, aponta que tentou aprofundar a cooperação entre as Igrejas não Calcedonianas na cidade:

Aliás, a Igreja Armênia e a Igreja Sirian são da mesma família nossa. Ou mesmo as outras Igrejas, eles não são da mesma família, mas temos muito respeito, tenho muito carinho para com eles e toda hora que tem festa tem um convite para uma ordenação, alguma coisa, eu sempre apareço, se estou aqui no Brasil eu apareço. Se eu não estou aqui no Brasil, eu mando o padre representante nessas festas. Eu tentei com eles no começo fazer outro clima, tipo de uma família ortodoxa aqui no Brasil. Dar palestras, eu chamei eles para dar palestras, mas eu falo de verdade, eu não vi ninguém interessado por isso.83

No entanto, o projeto falhou. A cooperação entre as Igrejas existe, mas é marcada por particularidades de cada uma delas. Os membros do clero preocupam-se muito com suas próprias comunidades. Assim, a relação entre Igrejas, muitas vezes, torna-se secundária.

82 Depoimento de membro do clero da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 8/2/2010.

83 Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Copta da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 22/8/2010.

Por vezes as Igrejas isolam-se, mesmo reconhecendo na cidade a existência das demais Igrejas Orientais. Isso ocorre com a Igreja Ortodoxa Russa no Exílio, como revela RO:

E a nossa Igreja Ortodoxa Russa, chamada no Exílio, ou Fora da Rússia, ela é autônoma, independente, ela não é autocéfala; e não mantém contatos, nunca manteve, com o Patriarcado de Moscou [...]. E a nossa Igreja Ortodoxa Russa, desde que ela se formou, após a Revolução Russa, ela não é ecumênica, ela não mantém contatos litúrgicos com outras Igrejas, nem a Católica Romana nem a Ucraniana Autocéfala, nem essas outras Igrejas denominadas Ortodoxas atualmente. Já manteve anteriormente, antes de alguma dessas Igrejas não entrarem para o Movimento Ecumênico, como a Grega antes de entrar... A Antioquina também, antes de ela fazer parte do Ecumenismo, nós mantínhamos contato litúrgico. Mas atualmente, devido a essa tendência da maior parte deles já entrar nesse movimento, da união das Igrejas, o Movimento Ecumênico, a Igreja Ortodoxa Russa no Exílio não faz parte disso.84

No depoimento é possível perceber que a Igreja Ortodoxa Russa em São Paulo reconhece a existência dos demais grupos cristãos ortodoxos na cidade, pois seu representante cita quase todos: gregos, ucranianos, a Igreja de Antioquia. No entanto, prefere não alinhar-se com esses grupos por conta do Movimento Ecumênico. RO também aponta para o fato, já mencionado, de que sua Igreja não mantém contatos com o Patriarcado de Moscou, que seria a Igreja Ortodoxa Russa na Rússia. Segundo o depoimento, essa opção da Igreja Ortodoxa paulistana se deve ao fato de não compactuar com o Movimento Ecumênico e a união das Igrejas Ortodoxas com não Ortodoxas.

O isolamento dessa Igreja está associado à mimese das tradições desses grupos na diáspora. Como já foi verificado, a Igreja Ortodoxa Russa no Exílio é uma Igreja em diáspora e, desde a Revolução Russa, sua sede está localizada nos Estados Unidos. Ela está em diáspora pois não concorda com os rumos tomados pela Igreja Ortodoxa na Rússia após a Revolução. Rejeitar isso e marcar posição contra a Igreja Russa na Rússia é tentar manter, ao custo de isolar-se das demais Igrejas Ortodoxas paulistanas, elementos que fariam parte da essência de uma fé e cultura russa maculada antes da Revolução.

Outro elemento que produziria essa mimese está na relação hierárquica entre as Igrejas. Como foi visto anteriormente, as Igrejas Ortodoxas Calcedonianas estão associadas ao Patriarcado de Constantinopla, que tem na cidade sua representação na Igreja Ortodoxa Grega. GO relembra em seu depoimento essa primazia do Patriarca Ecumênica no cristianismo ortodoxo calcedoniano:

Nós temos o correspondente ao Papa de Roma seria o Patriarca de Constantinopla, que seria honorificamente, honorificamente, ele tem um poder de honra, de primazia, de primus inter pares também entre os demais Patriarcas e Bispos Primazes e demais bispos.85

GO mantém que esse primado deva ser respeitado pelos demais grupos na diáspora, pois, nessa situação, o primado do Patriarca de Constantinopla deixa de ser honorífico e torna- se jurídico:

Agora, o que acontece todos... Deveria ser todos os ortodoxos ou todas as missões nas terras novas deveriam estar sob a jurisdição do

85 Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 17/8/2011.

Patriarcado Ecumênico. Você me diria: "Ah, mas aqui no Brasil nós temos a Igreja Antioquina”, que ele tem um bispo local, um bispo próprio, tem a Igreja Ucraniana, tem a Igreja Russa etc., todas com arcebispos, ou seja, várias jurisdições no mesmo território. Não deveria ser assim. Deveria ser vários povos várias tradições, até com bispos próprios, até falantes com a mesma língua, mas todos eles deveriam reportar ao Patriarca Ecumênico.86

GO lamenta que na diáspora a jurisdição do Patriarcado Ecumênico não seja respeitada, também que os acordos feitos por esses grupos em seus locais de origem não sejam cumpridos. Aponta que não ocorre uma mimese dos costumes e leis cristãs ortodoxas calcedonianas na diáspora. No entanto, os anseios de GO seria m contrários aos de seus colegas ortodoxos calcedonianos na metrópole. Se eles modificassem as jurisdições de suas Igrejas na cidade, não poderiam reproduzir na diáspora a sua cultura e a fé tal qual em seus locais de origem. Portanto, não haveria a mimese que os membros do clero tanto desejam manter.

A relação entre as Igrejas Ortodoxas na cidade sugere que elas têm conhecimento da existência de suas coirmãs, havendo diálogo, mas também disputas. O que mobiliza esses membros do clero é a preocupação com a situação de suas comunidades, mais que a elaboração de um projeto de cooperação do cristianismo ortodoxo paulistano como um tudo. Talvez isso nunca esteja no horizonte desses religiosos, pois o objetivo maior seria a manutenção de suas comunidades frente às diversidades que a cidade apresenta, sendo que a atualidade se mostra como um desafio hercúleo para esses membros do clero oriental paulistano.