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Construções depictivas: concordância e esboço de derivação

1. Pressupostos teóricos: Minimalismo

1.2 Arquitetura do sistema, operações e sideward movement

Estamos assumindo, com Chomsky (1995), que os itens lexicais presentes em uma derivação são retirados (selecionados) da numeração, que é um arranjo de itens lexicais, e não diretamente de Lex. Nesse viés teórico, a estrutura de uma sentença é formada derivacionalmente por meio da “junção” de itens lexicais presentes na numeração e de

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158 objetos maiores, formados a partir desses itens. Ao fim da derivação, é necessário que todos itens presentes na numeração tenham sido selecionados (cf. Chomsky, 1995).

A possibilidade de “agrupamento” de itens lexicais e da formação de novos objetos sintáticos a partir deles é decorrente da existência de Merge, que, conforme Chomsky (2001: 3), é uma operação indispensável para um sistema recursivo e não requer justificativa. Conforme o autor, essa operação é capaz de tomar dois objetos α e β e formar um objeto novo, γ = {α, β} (Chomsky, 2001: 3). Além de Merge, o sistema computacional contaria com duas outras operações, Agree e Move, que, diferentemente de Merge, não “vêm de graça” (Chomsky, 2001: 3). Move e Agree estão relacionados com a existência de traços não-interpretáveis, que devem ser eliminados para que a derivação possa convergir. O funcionamento geral dessas três operações está exposto em (4), a seguir:

(4) OPERAÇÕES DO SISTEMA COMPUTACIONAL

(i) Merge: toma dois objetos sintáticos (α, β) e forma K(α, β) a partir deles.

(ii) Agree: estabelece uma relação (concordância, checagem de Caso) entre um item lexical (LI) α e um traço F em algum espaço de busca restrito (seu domínio). Ao contrário de Merge, essa operação é específica à linguagem, e, por conjectura, relativa a condições de design para a linguagem humana;

(iii) Move: combinação de Merge e Agree. Essa operação estabelece concordância entre α e F e faz merge de P(F) e αP, em que P(F) é um sintagma determinado por F (não necessariamente sua projeção máxima) e αP é uma projeção cujo núcleo é α. P(F) se torna o especificador de α ([Spec, α]). O movimento de P para [Spec, φ] é um Movimento-A, em que φ é um traço de concordância.

(Chomsky, 2000: 101; adaptado)5

5 O que está escrito em (4) foi retirado, traduzido e adaptado de Chomsky (2000). No original: “(...) the

operation Merge, which takes two syntactic objects (α, β) and forms K(α, β) from them. A second is an operation we can call Agree, which establishes a relation (agreement, Case checking) between an LI α and a feature F in some restricted search space (its domain). Unlike Merge, this operation is language-specific, never built into specific-purpose symbolic systems and apparently without significant analogue elsewhere. We are therefore led to speculate that it relates to the design conditions for human language. A third operation is Move, combining Merge and Agree. The operation Move establishes agreement between α and F and merges P(F) to αP, where P(F) is a phrase determined by F (perhaps but not necessarily its maximal projection) and αP is a projection headed by α. P(F) becomes the specifier (Spec) of α ([Spec, α]). Let us refer to Move of P to [Spec, φ] as A-movement, where φ is an agreement feature (φ-feature); other cases of Move are Ā-movement” (Chomsky, 2000: 101).

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159 Chomsky (2000: 122) assume que Agree ocorre na relação entre uma sonda, conjunto de traços-φ não-interpretáveis, e um alvo, que são traços compatíveis (matching

features) com essa sonda e que estão em seu domínio. A operação Agree seria, então, o

apagamento de traços não-interpretáveis dessa sonda (Chomsky, 2000: 122). Em uma versão mais recente da teoria, diz-se que Agree valora esses traços não-interpretáveis (Chomsky, 2001: 5). Detalharemos o mecanismo dessa operação na subseção 1.4, em que será apresentado um esquema geral de derivação para exemplificar melhor como se dá essa relação entre sonda e alvo. Nesta dissertação, vamos adotar esse mecanismo para explicar as relações de concordância que se estabelecem na sentença e na small clause.

Quanto a Move, Chomsky (2000: 101) a identifica como uma operação complexa que, além de ser composta de duas outras operações (Merge e Agree), envolveria um passo adicional de determinar o sintagma a ser movido, P(F), por pied-piping. Dadas a complexidade dessa operação e as condições de design e economia que atuam sobre as derivações, as operações Merge e Agree seriam preferíveis, quando comparadas a Move, visto que as duas primeiras são mais simples (Chomsky, 2000: 101–102). De fato, Merge-

over-Move torna-se uma espécie de princípio de economia na perspectiva minimalista e

engloba esse entendimento de que o sistema computacional deve, sempre que possível e sempre que isso implicar uma solução ótima, optar por fazer Merge de um determinado elemento da numeração, em vez de realizar Move de um item já inserido na derivação.

A operação Move estaria relacionada com a propriedade de deslocamento que as línguas apresentam, e.g., o fato de um determinado elemento poder ser interpretado em um local diferente daquele em que ele é realizado foneticamente (cf. Nunes, 2003). É importante notar que o status de Move como uma operação independente ou como o resultado de Copy + Merge — isto é, cópia de um elemento e Merge desse mesmo elemento em uma outra posição, em razão de alguma condição de convergência da derivação — é matéria de discussão na teoria gerativa (cf. Nunes, 1995; Hornstein, 2001; Boeckx, Hornstein & Nunes, 2010; entre outros). A esse respeito, observa-se que a noção de movimento passou por reformulações na literatura, especialmente na transição do modelo de Regência e Ligação ao Programa Minimalista (para discussão, cf. Nunes, 2004).

Há propostas que advogam por uma opção teórica mais simples e econômica para captar a possibilidade de movimento em uma língua, dispensando Move como uma operação do sistema computacional. É o caso de trabalhos como os de Nunes (1995, 2001, 2004, entre outros), por exemplo, que explora a teoria de movimento por cópia

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160 introduzida em Chomsky (1993) em sua proposta. Conforme explica Nunes (2003: 206), essa nova perspectiva teórica rompeu com o entendimento acerca da operação de movimento que era vigente no modelo de Regência e Ligação. No período GB, entendia- se que o movimento de um determinado objeto deixava um vestígio (categoria vazia que não possui realização fonética) em sua posição original, capaz de vincular as propriedades do objeto movido para efeitos de interpretação e de formar uma cadeia não-trivial com esse elemento (Nunes, 2003: 206). Com Chomsky (1993), a ideia de vestígio dá lugar à noção de cópia, o que, em uma perspectiva minimalista, traz uma série de vantagens teóricas (cf. Nunes, 2004). É com base nessa noção e em considerações minimalistas que Nunes (1995, 2001, 2004) desenvolve sua proposta, que alia a noção de cópia e Merge à formação (e redução) de cadeias para efeitos de linearização, sem a necessidade de tomar

Move como uma operação do sistema.6

Sem adentrar muito nas implicações da proposta de Nunes ou em uma discussão mais aprofundada sobre o status de Move, destacamos aqui que, de acordo com essa nova concepção de movimento por cópia, passa a ser possível interpretar movimentos de objetos sintáticos como simples aplicações de Copy e Merge (cf. Boeckx, Hornstein & Nunes, 2010). Esse novo entendimento dentro do quadro minimalista, por sua vez, abriu espaço para a possibilidade de o sistema dispor de instâncias de movimento que Nunes (1995) denominou como movimento lateral (sideward movement).7 Como explica Nunes (2014: 82), se movimento é o resultado das operações Copy e Merge, é possível que o sistema copie um elemento α de um objeto sintático K e faça Merge desse elemento com L, outro objeto sintático, independente e separado de K, como exemplificado em (5). Em outras palavras, o sistema pode copiar um elemento de uma “árvore” sintática independente e fazer Merge dele com um outro objeto, independente e separado dessa árvore. Isso é possível porque, dentro do quadro minimalista, o sistema pode operar com múltiplas root trees, como explicam Boeckx, Hornstein & Nunes (2010: 86).

6 O autor critica a concepção de Move como uma operação composta pelas sub-operações Copy + Merge +

Formar cadeia + Apagar vestígio. Propõe, em alternativa, que Move é resultado das operações Copy, Move, Formar Cadeia e Reduzir Cadeia (operação que apaga links de cadeias para efeitos de linearização) (Nunes, 2004: 5). Segundo o autor, sua proposta apresenta vantagens teóricas desejáveis e previsões empíricas corretas (cf. detalhes em Nunes, 2004). Neste trabalho, contudo, não vamos adentrar no tópico da linearização da estrutura.

7 A literatura sobre esse tema inclui trabalhos como Nunes (1995, 2001, 2004), Hornstein (2001), Boeckx,

Capítulo 3 — Construções depictivas: concordância e esboço de derivação 161 (5) a. K = [... α ...] L = [ ... ] b. Copy K = [... αi ...] L = [ ... ] M = αi c. Merge K = [... αi ...] P = [ αi [ L ... ] ] (Nunes, 2014: 82)

Neste trabalho, vamos assumir que a teoria de movimento por cópia está correta e que “movimento” se reduz a aplicações de Copy e Merge. Vamos também adotar a hipótese de que movimento lateral é permitido em uma derivação, possibilidade que nós exploraremos para lidar com o movimento de argumento a partir da small clause depictiva adjunta para uma posição na oração matriz, como será explicado na próxima seção. Vamos assumir também que um objeto não precisa ser copiado para uma posição que c- comande o local de onde ele se “moveu”; em outras palavras, estamos assumindo que c- comando não está incluído na definição de movimento (cf. Hornstein, 1999: 79), e que, portanto, não é pré-requisito para que um objeto sintático possa se mover.8 Note-se que, com isso, também não estamos assumindo que Agree, que exige c-comando (i.e., o alvo deve estar no domínio da sonda), seja um subcomponente do mecanismo de movimento, divergindo, nesse aspecto, de Chomsky (2000, 2001, 2004) (cf. Boeckx, Hornstein & Nunes, 2010: 85).

Sobre esse ponto, é importante distinguir movimento (Copy + Merge) de formação de cadeia.9 Na proposta de Nunes (2004: 94), duas cópias devem estar em uma

relação de c-comando para formarem uma cadeia. No caso de uma derivação que envolve

sideward movement de um objeto sintático e posterior movimento desse elemento para

uma posição mais alta que as outras duas cópias (i.e., a cópia “original” e a cópia formada por movimento lateral), a formação de cadeia ocorreria a partir dessa cópia mais alta, que c-comanda as duas cópias mais baixas (que não estabelecem uma relação de c-comando

8 Como afirma Nunes (2004: 6), essa concepção de movimento também dispensa a estipulação de que só

se pode fazer Merge de um elemento copiado com um objeto sintático que contém o elemento original.

9 No sistema de Chomsky, contudo, movimento implica formação de cadeia. Não estamos seguindo esse

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162 entre si) (Nunes, 2004: 93–95). Portanto, embora não seja necessário que um objeto sintático se mova para uma posição que c-comande a posição original de onde ele se moveu, é possível que c-comando seja uma condição sobre a formação de cadeias e sobre a linearização e interpretação das sentenças (cf. Nunes, 1995, 2001, 2004). Contudo, não estamos assumindo isso aqui; neste trabalho, não vamos defender uma posição a respeito da formação de cadeias, nem vamos nos aprofundar nesse aspecto. Assim, não vamos fornecer uma explicação para a linearização das sentenças depictivas. A questão da formação de cadeias para efeito de interpretação das cópias, portanto, fica em aberto, especialmente para o caso das construções depictivas orientadas para objeto direto.10 Para nossos propósitos, são suficientes as hipóteses de que sideward movement é possível e que “movimento” não depende de c-comando entre um objeto copiado e a posição original onde esse elemento foi gerado.