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Construções depictivas: concordância e esboço de derivação

1. Pressupostos teóricos: Minimalismo

1.3 Categorias funcionais, traços não-interpretáveis e fase

Retornemos agora à questão dos itens lexicais. Chomsky (2000) os subdivide em duas categorias: substantivas (lexicais) e funcionais. Para o autor, as categorias funcionais principais são C, T e v . Dentro do Programa Minimalista, uma categoria funcional deve estar associada a um aspecto semântico, não no sentido de atribuição de papel-θ, mas no sentido de uma contribuição semântica não temática, de tal forma que as categorias funcionais sejam interpretáveis nos níveis de interface (cf. Chomsky, 1995; Adger, 2002: 132; Hornstein, Nunes & Grohmann, 2005: 162).11, 12 As categorias funcionais também estão ligadas à articulação gramatical da sentença, de modo que é possível conceber que elas formam um “esqueleto sintático” acima das projeções lexicais, contribuindo para o estabelecimento das relações sintáticas nas sentenças (Adger, 2002: 132).

Do ponto de vista semântico, Chomsky (2000: 102) afirma que C expressa força e modo e que T expressa finitude (tense); quanto a v, este é tomado como o “verbo leve”

10 Concordo com a observação feita pelo professor Jairo Nunes de que um dos problemas de deixar essa

questão em aberto resulta no fato de que a análise passa a permitir a hipergeração (overgeneration), o que é indesejável.

11 O pressuposto de que categorias funcionais devem possuir alguma interpretação nos níveis de interface

(LF e PF) motiva a eliminação de projeções de Agr em uma perspectiva minimalista, visto que essa categoria não seria motivada em termos de LF, mas seria um construto teórico associado unicamente a Caso/concordância (Hornstein, Nunes & Grohmann, 2005: 162–169).

12 A situção de v é um pouco diferente: ele possui uma relação temática com seu especificador, atribuindo

a ele papel temático de agente. No entanto, ele não atribui papel-θ ao seu complemento, o VP (Adger, 2002: 132). A contribuição semântica de v é geralmente associada à expressão de causatividade. Na terminologia de Chomsky (2001), o v que possui uma estrutura argumental completa é identificado como v*.

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163 em sentenças transitivas, podendo selecionar um DP como argumento externo na posição [Spec, v]. O autor assume que essas categorias podem possuir traços-φ não-interpretáveis, relacionados aos sistemas de concordância e Caso e à propriedade de deslocamento; as categorias T e v, mais especificamente, devem apresentar obrigatoriamente esses traços (Chomsky, 2000: 102). Do ponto de vista da seleção dessas categorias, Chomsky afirma que C pode não ser selecionado por outra categoria, diferentemente do que ocorre com T e v, que devem ser selecionados. No caso de T, essa categoria pode ser selecionada por C, situação em que se considera que T possui um conjunto completo de traços-φ, ou pode ser selecionado por V, situação em que não possui um conjunto completo de traços-φ (ou seja, é defectivo, Tdef) (Chomsky, 2000: 102–104).13 T e v partilham o fato de

selecionarem elementos verbais.

No Capítulo 1, comentamos que o Princípio da Projeção Estendida (EPP) apresentado em Chomsky (1981, 1982) é interpretado em Chomsky (1986) em termos do princípio geral de saturação de função, estando relacionado com a ideia de preenchimento da grade argumental de um predicado e também com a noção de saturação sintática de um predicado por um sujeito, de modo que essa última noção estava especialmente atrelada à necessidade de preenchimento da posição [Spec, T]. No Minimalismo, o EPP passa ser interpretado de modo mais geral, como um traço não-interpretável que corresponde à propriedade que um núcleo possui de disponibilizar uma posição de Spec que deve ser preenchida (Chomsky, 2000: 102).14 Disso decorre que o traço-EPP de T

disponibiliza um Spec a ser preenchido pelo sujeito da sentença, o traço-EPP de C se refere ao Spec a ser preenchido por um sintagma-wh e o traço-EPP de v está relacionado com o sintagma alçado por object shift (Chomsky, 2000: 102). Sendo um traço não- interpretável, o EPP deve ser satisfeito (apagado) para que a derivação possa convergir.

Outro traço não-interpretável no sistema de Chomsky é o traço de Caso, presente nos nominais. Caso estrutural é tomado por Chomsky (2000: 122) como um “reflexo de um conjunto de traços-φ não-interpretáveis”. O raciocínio envolvendo Caso estrutural é o seguinte. Os nominais entram na derivação com um conjunto de traços-φ interpretáveis, mas com um traço de Caso não-interpretável, que deve ser eliminado para a convergência da derivação. O traço de Caso de um DP é aquilo que o torna ativo para o sistema, ou

13 Contudo, há propostas que consideram que o PB dispõe de um T finito com um conjunto incompleto de

traços-φ, como Ferreira (2000). Isso será comentado mais à frente.

14 Ver Butler (2004) para considerações sobre a evolução de EPP nos trabalhos de Chomsky e sobre as

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164 seja, disponível para operações, e é eliminado na relação de concordância que ocorre entre os traços-φ interpretáveis do DP (o alvo) e uma sonda (conjunto de traços-φ não- interpretáveis). Segundo Chomsky (2000: 123–124), a manifestação do Caso de um DP depende da sonda com a qual ele se relaciona: se a sonda for T, o Caso será nominativo; se for v, o Caso será acusativo; se for um T de controle, o Caso será nulo. É importante destacar aqui que o traço de Caso do DP é apagado/valorado como um reflexo da relação de concordância. Além disso, Chomsky assume que apenas uma sonda com um conjunto completo de traços-φ pode apagar o traço de Caso de um DP, de forma que uma sonda defectiva (com um conjunto incompleto de traços-φ) não pode eliminar Caso (cf. Chomsky, 2000: 125).15 Essa informação será reprisada na próxima subseção.

Para finalizar esta subseção, cabe uma palavra a respeito da noção de fase e sobre sua relação com Spell-Out. Em Chomsky (2000: 106), uma fase é caracterizada como a contraparte sintática de proposições, ou seja, como um objeto sintático (situado na memória ativa) que é, de certa forma, independente, no que diz respeito a propriedades de interface. Chomsky (2000: 106) assume que podem ser fases um sintagma verbal no qual todos os papéis temáticos foram atribuídos ou uma oração plena (full clause) com força e finitude: portanto, vP e CP são fases para Chomsky (2000), mas não um TP finito ou um sintagma verbal inacusativo, por exemplo.

A noção de fase introduzida no Minimalismo aparece atrelada a condições de economia e também a questões de ciclicidade da derivação. Mais especificamente, em Chomsky (2000: 107–108; 2001: 11–13), sugere-se que uma devivação procede fase a fase, de modo que isso estaria relacionado com a condição de que movimentos são curtos, cíclicos e sucessivos. Chomsky (2001) associa a noção de fase à de Spell-Out cíclico. Como explica o autor, assim que uma fase se completa e que os traços dentro da computação cíclica são apagados, eles são enviados para o componente fonológico no nível da fase forte pela operação Spell-Out, que remove da derivação de LF (a narrow

syntax) os traços não-interpretáveis que foram valorados/checados (Chomsky, 2001:

12).16 Nesse sentido, o autor supõe que essa ciclicidade permite que estágios da derivação sejam “esquecidos” aos poucos, o que reduz o fardo computacional (Chomsky, 2001: 12– 13). Isso só seria possível por causa da chamada Condição de Impenetrabilidade da Fase

15 Por “conjunto completo de traços-φ”, subentende-se que estamos lidando com os traços de pessoa e

número, pelo menos.

16 Observamos que Chomsky (2001: 12) faz uma distinção entre fases fortes (que têm a opção de um traço

EPP, que dispara movimento de um sintagma) e fases fracas. O CP e o v*P seriam fases fortes. Essa distinção, contudo não será relevante para este trabalho.

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165 (Phase-Impenetrability Condition), enunciada em (6), que estipula que o domínio de uma fase, i.e., o complemento de seu núcleo, é enviado para Spell-Out no nível da fase forte.

(6) CONDIÇÃO DE IMPENETRABILIDADE DA FASE (PIC)

(i) Dado HP = [α [H β]], seja β o domínio de H e α, sua borda;

(ii) O domínio de H não é acessível a operações fora de HP; apenas H e sua borda estão acessíveis a essas operações.

(Chomsky, 2000: 108; Chomsky, 2001: 13)17

Não discutiremos a fundo os desdobramentos da noção de fase neste trabalho, mas sinalizamos que uma das questões relevantes para o caso das construções depictivas, que já foi posta na literatura sobre predicados secundários, seria determinar se a small clause nessas construções é ou não uma fase. Embora a teoria de Chomsky não pareça dar espaço para se considerar que small clauses sejam fases, há trabalhos que desafiam essa visão e consideram que predicações (incluindo as SCs) se caracterizam como fases/domínios de

Spell-Out (cf. Ko, 2011; You, 2016). Por implicar um estudo mais aprofundado, esse

tópico fica para trabalhos futuros.