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Construções depictivas: concordância e esboço de derivação

1. Pressupostos teóricos: Minimalismo

1.1 Background e pressupostos gerais

Chomsky assume que existe uma Faculdade da Linguagem (FL), entendida como um componente do cérebro humano, um “órgão”, dedicado à linguagem (Chomsky, 2000: 89–90). Conforme Chomsky, a Faculdade da Linguagem possui um estado inicial, S0,

determinado geneticamente, a partir do qual se desenvolvem os estados que FL pode assumir, sob influências de um ambiente linguístico (Chomsky, 2000: 90). Cada estado de FL é uma possível Língua(-I) L, ou seja, uma especificação de S0 com parâmetros

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155 ao seu valor (Chomsky, 2004: 104).2 Chama-se Gramática Universal (GU) a teoria do estado inicial S0 ou, simplesmente, S0. Uma língua (uma gramática particular) é entendida

como um estado atingido por FL, i.e, L.

Segundo o autor, L é tomado como um sistema cognitivo que possui informações sobre som, significado e organização estrutural; os sistemas de performance, que são externos à FL, mas internos ao indivíduo, acessam as informações fornecidas por L por meio de níveis de interface (IL) (Chomsky, 2000: 90; 2001: 1). Os sistemas de perfomance estão subdivididos em dois tipos: sistema sensório-motor (SM) e sistema conceitual-intencional (C-I); assume-se que esses dois de tipos de sistema acessem níveis de interface distintos (Chomsky, 2000: 91; Chomsky, 2004: 91).

L gera expressões do tipo Exp = <Phon, Sem>, internas à mente, de modo que Phon fornece informações (de “som”) para SM e Sem provê informações (de “significado”) para C-I (Chomsky, 2000: 91). Conforme o autor, teorias de PF e LF procuram investigar e explicitar a natureza de Phon e Sem, respectivamente (Chomsky, 2000: 91).3 Para que FL, o órgão da linguagem, seja utilizada, ela tem de satisfazer o que Chomsky chama de “condições de legibilidade”: os sistemas de performance devem ser capazes de acessar as expressões geradas por L nas interfaces, para que possam ler essas expressões e utilizá-las como “instruções” (Chomsky, 2000: 94).

Conforme Chomsky (2000: 95), se Exp é legível em um nível de interface, contendo apenas informações que os sistemas externos podem utilizar, diz-se que a computação dessa expressão converge nesse nível de interface, mas caso Exp não seja legível, sua computação não converge (em inglês, crash). O autor supõe, ainda, que apenas certos traços são legíveis nas interfaces: são os chamados traços interpretáveis. Os traços que não são legíveis em IL são chamados traços não-interpretáveis. Desse modo, pode-se dizer que uma expressão só converge em um nível de interface se ela possuir traços interpretáveis (Chomsky, 2000: 95). Neste trabalho, nosso interesse reside na convergência de Exp em LF.

Dentro do projeto minimalista, uma questão fundamental que se deseja estudar, segundo Chomsky, é a seguinte: em que medida FL é uma solução ótima para as condições de legibilidade, que podem ser compreendidas como especificações de design impostas pelos sistemas externos, fornecendo representações legíveis nos níveis de interface (cf. Chomsky, 2000: 97; 2001: 1)? Em outras palavras, quão bom seria o design

2 Lembramos aqui que o Programa Minimalista se insere no modelo de Princípios e Parâmetros. 3 “Procuram investigar e explicitar” é nossa tradução para “seek to spell out” (Chomsky, 2000: 91).

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156 de FL (Chomsky, 2000: 92)? Aceitando a hipótese de que a linguagem é, de fato, uma solução ótima para tais condições (e essa hipótese seria a tese minimalista mais forte), Chomsky (2000: 96, 99) assume que o procedimento gerativo envolveria certas condições de economia, que estão refletidas em alguns princípios presentes nesse quadro, tais como: aquilo que Hornstein, Nunes & Grohmann (2005: 7–8) denominam princípios de

economia metodológica, como “menos é melhor” (e.g. é melhor que haja apenas uma

relação primitiva do que duas, se possível); e o que os autores chamam de princípios de

economia substantiva, que incluem condições de menor esforço, a eliminação de

elementos desnecessários à derivação (e.g., passos derivacionais supérfluos), o fato de que operações só são permitidas se houver razão para que elas sejam aplicadas, a ideia de que movimentos curtos são preferíveis a movimentos longos, a hipótese de que o Princípio de Interpretação Plena se sustenta, a valorização de maneiras de se reduzir o

search space da computação, entre outros (cf. Chomsky, 2000: 99).4

Nesse quadro, Chomsky (2000: 100; 2001: 10) estipula que a Faculdade da Linguagem disponibiliza um conjunto de traços F e um procedimento computacional para a linguagem humana, CHL, capaz de acessar os traços em F. Uma língua L particular é

formada a partir desses traços, que são propriedades linguísticas. L é tomada como um precedimento derivacional que mapeia F a {Exp}, sendo {Exp} equivalente a {PF, LF} (Chomsky, 2001: 10). Uma vez que L seleciona de F um conjunto de traços específico, {FL}, esses traços são, então, reunidos em itens lexicais (LI) de um léxico (Lex) dessa

língua, constituindo-se, a partir disso, uma forma de configuração paramétrica (cf. Chomsky, 2001: 10). Quando entram na computação, os itens lexicais são tomados como unidades (Chomsky, 2001: 10).

Os itens lexicais, segundo Chomsky (2001: 10), são formados minimamente por três tipos de traços: traços fonológicos, traços semânticos e traços formais. Os traços fonológicos fornecem instruções para a interface sensório-motora, gerando, portanto, uma representação em PF (cf. Chomsky, 2000: 91; 2001: 10). Os traços semânticos, por sua vez, fornecem instruções para C-I e são interpretados em LF, cuja computação é chamada

4 Nesse raciocínio, segundo afirma Chomsky, deseja-se também eliminar níveis que não sejam os níveis de

interface e preservar a Condição de Inclusividade (Inclusiveness Condition) e a teoria de Bare Phrase Structure (Chomsky, 2001: 2–3). Com isso, Chomsky explica que não deve haver, ao longo da derivação, a introdução de novos elementos, como índices, vestígios, categorias sintáticas ou níveis-barra (Chomsky, 2001: 2–3). No entanto, vamos continuar utilizando representações arbóreas contendo rótulos, índices, vestígios, categorias sintáticas e projeções de nível barra por uma questão de conveniência. Desse modo, vamos representar o movimento de um argumento por meio da utilização de um vestígio (t) coindexado com o DP localizado na posição para a qual esse argumento se move.

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narrow syntax (Chomsky, 2001: 7, 10), que também acessa os traços formais ao longo da

derivação (Chomsky, 2001: 10).

Supõe-se que os traços fonológicos são, em sua maioria (ou em sua totalidade), não-interpretáveis, e que esses traços são apagados ou convertidos em traços interpretáveis de alguma forma pelo componente fonológico (Chomsky, 2001: 3). Como dito anteriormente, não é de nosso interesse investigar como isso ocorre. Interessam-nos mais de perto os traços formais não-interpretáveis, que, conforme Chomsky (2001: 10– 11), são um subconjunto dos traços formais que não pertencem ao conjunto dos traços semânticos e devem ser eliminados da narrow syntax para que a derivação possa convergir em LF. Esse subconjunto inclui traços de flexão não-interpretáveis em LF (LF-

uninterpretable inflectional features), que são removidos na narrow syntax por meio da

relação de concordância com traços interpretáveis (Chomsky, 2001: 3), o que será detalhado nas próximas subseções.

É importante observar que o entendimento a respeito da natureza dos traços interpretáveis e não-interpretáveis e do seu comportamento dentro do sistema (e, de modo geral, o entendimento acerca da derivação) foi sofrendo algumas modificações ao longo dos textos de Chomsky dentro do Programa Minimalista (Chomsky, 1995, 2000, 2001, etc.). Na versão em Chomsky (2001), por exemplo, entende-se que a interpretabilidade dos traços é determinada no léxico pela GU: os traços não-interpretáveis não possuem valores especificados quando entram na derivação, enquanto os traços interpretáveis entram na derivação com valores especificados (Chomsky, 2001: 5). Para o autor, a distinção entre esses dois tipos de traços deve ser indicada ao longo da derivação, e não apenas no léxico. O que determina o valor dos traços não-interpretáveis é Agree, operação associada à concordância, após a qual ocorre a aplicação de Spell-Out, operação que remove de um determinado objeto sintático os materiais não-interpretáveis em LF e envia esse objeto ao componente fonológico (Chomsky, 2001: 5).