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Representação sintática de construções depictivas no PB

2. A sintaxe dos depictivos no português brasileiro

2.2 Sobre o local de adjunção do depictivo

2.2.2 Small clause depictiva orientada para sujeito: adjunção a vP

Nesta subseção, passamos a investigar o local de adjunção da small clause depictiva de sujeito. Para tanto, vamos analisar principalmente os argumentos e as evidências apresentados por Foltran (1999: 84–97), que defende que o depictivo do sujeito se adjunge ao IP. A partir dos dados apresentados pela autora e de outras considerações, vamos concluir que o depictivo de sujeito (i.e., a small clause contendo o depictivo) não se adjunge a IP, mas a vP.

Uma das evidências apresentada por Foltran (1999: 86) é o comportamento de construções depictivas de sujeito diante da anteposição do VP, como se vê em (87). Vimos anteriormente, com os dados em (77), que, no inglês, um depictivo de sujeito parece fazer parte do VP. No português brasileiro, no entanto, a situação é diferente. A autora afirma que embora o predicado secundário “feliz” seja retomado junto com “construí-la” pela proforma de VP em (87a), dando margem à interpretação de que o adjetivo faz parte desse VP, ele pode também não ser englobado por essa proforma, como mostra (87b) (Foltran, 1999: 88).

Para a autora, isso indicaria que o predicado depictivo de sujeito não está dentro do VP, ainda que não constitua uma evidência definitiva para determinar sua posição correta. Além disso, os dados de pseudo-clivagem em (88) apresentados por Foltran mostram que o predicado secundário de sujeito pode não acompanhar o VP. Assim, as sentenças em (87) e (88) revelariam que o depictivo de sujeito não está contido nessa projeção, diferentemente do que ocorre com o depictivo de objeto.

(87) ANTEPOSIÇÃO DO VP(PB)

a. Maria disse que o João construiria a casa feliz e construí-la feliz, ele o fez. b. Maria disse que o João construiria a casa feliz, e construí-la ele o fez feliz.

(Foltran, 1999: 88)

(88) PSEUDO-CLIVAGEM (PB)

a. O que o João fez foi sair zangado. b. O que o João fez zangado foi sair.

Capítulo 2 — Representação sintática de construções depictivas no PB

136 Foltran (1999: 89) ainda acrescenta, a respeito das sentenças em (89), que a proforma “o” só abrange o predicado principal (“construir” e “conduzir”).

Apesar de os testes mencionados apontarem para o fato de que o depictivo de sujeito não está no âmbito do VP, a autora afirma que eles ainda não permitiriam afirmar com segurança seu local de adjunção. Dessa forma, Foltran utiliza outras evidências, com base em Nakajima (1990), para determinar essa questão. Vamos apresentar duas delas.

A primeira delas advém de fenômenos de extraposição. Para a autora, os exemplos em (90) demonstram que o predicado secundário de sujeito estaria adjungido a IP, enquanto o predicado secundário de objeto estaria adjungido a VP. O raciocínio empregado pela autora, a partir de Nakajima (1990), é o seguinte: o depictivo de sujeito só poderia ocorrer à esquerda de uma relativa modificadora de sujeito extraposta, mas não à esquerda de uma relativa modificadora de objeto extraposta (vide (90b), que não é perfeitamente aceitável, mas seria pior que (90a), para a autora), enquanto não haveria esse tipo de restrição para os depictivos de objeto (cf. (90c) e (90d)); se o local de pouso do objeto extraposto é o VP, a agramaticalidade de (90b) estaria revelando que o predicado secundário de sujeito está acima dessa posição, pois se estivesse nesse nível, o elemento extraposto de objeto poderia aparecer à direita do depictivo, em adjunção (Foltran, 1999: 90).

Outra evidência apresentada pela autora, também com base em Nakajima (1990), tem relação com a posição de advérbios de modo em construções de predicação

(89) a. Ele construirá a casa feliz se você não o fizer. b. Ele conduzirá o trabalho furioso se você não o fizer.

(Foltran, 1999: 88)

(90) a. ? Uma mulher chegou exausta, que disse ter pego um congestionamento terrível.

b. * Maria leu todas as mensagens ansiosa, que tinham chegado naquela tarde. c. O gerente encontrou uns brinquedos quebrados, que não tinham passado

pela revisão.

d. Eu encontrei uns livros rasgados, que tinham acabado de chegar pelo correio.

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137 secundária. A autora parte da hipótese de que advérbios pertencentes à mesma classe semântica não podem ocorrer juntos em uma sentença quando estão posicionados na mesma categoria sintática, mas apenas quando estão em níveis sintáticos distintos, e também considera que os advérbios de modo e predicados depictivos podem ser enquadrados na mesma classe semântica (Foltran, 1999: 92).77 Dito isso, a autora

apresenta os dados a seguir e argumenta que a presença do advérbio de modo (no nível VP) não gera uma frase boa quando está junto com o depictivo de objeto (que também seria adjungido ao VP), mas resulta em uma sentença relativamente razoável quando ocorre junto com o depictivo de sujeito (cf. Foltran, 1999: 92).

Apesar de a sentença em (92) não ser exatamente boa, segundo a avaliação da autora, sua aceitabilidade relativa poderia corroborar o entendimento de que o predicado secundário de sujeito não está no nível do VP, mas acima dessa projeção. Contudo, a autora faz uma ressalva com relação a esse teste, afirmando que a análise sintática do advérbio em português é uma questão complicada, difícil de ser examinada, uma vez que o advérbio pode ocupar várias posições nessa língua (Foltran, 1999: 92–93). Vale mencionar que a contraparte em inglês das sentenças que foram apresentadas nos dois últimos testes fornecem resultados mais claros e seguros.

Diante dos fatos apontados, Foltran (1999) defende que o mais lógico seria assumir que o depictivo de sujeito está adjungido à projeção máxima imediatamente acima do VP — que seria o IP, em sua análise (cf. Foltran, 1999: 90). A nossa postura é a de concordar com Foltran quanto à decisão de não adjungir o predicado secundário de sujeito ao VP, visto que esse predicado, de fato, não se comporta como estando no mesmo nível de adjunção que o depictivo de objeto. Contudo, se seguirmos a hipótese apresentada anteriormente de que a derivação da sentença se organiza em volta das projeções VP, vP, TP e CP (cf. (73)), vemos que a projeção máxima imediatamente acima do VP seria o vP, e não o TP. Nossa escolha, portanto, é a de adjungir a small clause

77 Lembramos que a distinção entre depictivos e advérbios foi vista no capítulo anterior, na subseção 3.2.

(91) #João comeu a carne crua rapidamente. (92) ?João escreveu a carta ansioso rapidamente.

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138 depictiva de sujeito ao vP.78 Assim, em nosso entendimento, a estrutura para a SC depictiva orientada para sujeito seria representada como ilustrado em (93).79

Nesta subseção, discutimos brevemente as seguintes evidências sintáticas retiradas de Foltran (1999) que mostram que o depictivo de sujeito não pertence ao nível de VP: anteposição do VP, pseudo-clivagem, fatos relativos à extraposição de objeto e considerações sobre a posição de advérbios de modo. Embora a autora tome os dados apresentados como evidência de que o depictivo de sujeito se adjunge ao IP, nós estamos reinterpretando essa análise e considerando que a adjunção da small clause depictiva de sujeito se realiza ao nível de vP. Ressaltamos, no entanto, que a questão da adjunção é um assunto a ser aprofundado em estudos futuros.