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CAPÍTULO 2 O cenário mineiro: articulando discursos e disseminando termos na

2.2 As Avaliações externas em Minas Gerais: o que é o SIMAVE?

2.2.1 A construção do SIMAVE

Desde a década de 1990, o Estado de Minas Gerais definiu como uma de suas funções, em termos de políticas públicas para a educação, a promoção da avaliação externa (SEE/MG, 1993)

Em 2000, a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais criou o seu próprio sistema de avaliação, o Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública (SIMAVE), que desenvolve programas de avaliação integrados, inspirado no modelo francês, através de um intercâmbio técnico-científico e de um acordo assinado entre o MEC e o Ministério da Ciência e Tecnologia da França.

Segundo nos informou em entrevista a Diretora da Superintendência de Avaliação Educacional da Secretaria de Estado da Educação, Maria Inez Barroso Simões, a história da avaliação em Minas começa em 1990. Existia à época uma diretoria de avaliação que aplicava testes nos alunos. Os testes eram elaborados pela própria secretaria com o apoio de uma consultoria da Fundação Carlos Chagas, em formato de diagnóstico, e eram aplicados para os alunos de todas as disciplinas e em todas as séries. Tais avaliações, aplicadas entre 1992 até 1998 como alternativas anteriores, ficaram conhecidas à época como AVA e não tiveram vínculo direto com a construção do SIMAVE.

Ao assumir a Secretaria de Estado da Educação, em 1999, no governo Itamar Franco, Murílio de Avellar Hingel51 quis reestruturar a avaliação de forma que ela produzisse um indicador que pudesse definir alguma política e informar como estava a qualidade da educação no estado. O impasse da Secretaria de Estado da Educação de Minas à época era a impossibilidade de realizar um programa de forma a atender a todo o estado da mesma forma, considerando as peculiaridades de cada região e as diversidades deste estado. Foi desse impasse que surgiu a ideia de criar o SIMAVE. Segundo relatado na entrevista, através de uma reunião fora possível o contato com o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, Manuel Palácios, que chegara da França com tese defendida na área de Avaliação. A participação do professor Manuel Palácios, que se incumbiu da Coordenação Geral, pode ter sido uma influência indireta das ideias veiculadas na França.

Desde o início, foi bem claro, que pela diversidade de Minas, pelas peculiaridades de cada região, não dava pra fazer um programa de forma que atendesse a todo o estado da mesma forma. E aí, foi que surgiu a ideia né, de criar o SIMAVE, o Sistema Mineiro de Avaliação. Por que esse sistema poderia incorporar vários outros tipos de avaliações, né? Porque pra você responder um sistema do tamanho de Minas, todas as demandas, mesmo com muita avaliação, não é o suficiente. Aí nós iniciamos com um pré-teste que foi feito em 1999, em Juiz de Fora, Barbacena, Muriaé e São João del Rei, se não me engano, tá? E fizemos um pré-teste pra ver se ia dar certo. (Maria Inês Barroso Simões, entrevista cedida em 21 de Junho de 2012)

A partir de então, segundo a entrevista, constituía-se uma equipe incumbida de trabalhar na avaliação. Esta equipe contava, entre outros, com o professor de estatística Tufi Soares, tendo o domínio da Teoria de Resposta ao Item (TRI), e com a abertura dada pelo professor Rubem Klein para a transferência da metodologia. Nesse momento, a equipe contava também com a participação da equipe da França:

O forte foi a parceria que nós fizemos de cooperação técnica com o Ministério de Educação da França. Então aí, nós definimos quais que eram os princípios do SIMAVE. Os princípios eram que: fosse um sistema de avaliação que contasse com a participação de toda a comunidade escolar, que começasse, por exemplo, na secretaria, tivesse a participação dos professores, diretores, sindicato,

51Em sua atuação como Ministro da Educação e do Desporto do Brasil, Murílio de Avellar Hingel, em visita

oficial à França, pode conhecer o sistema de avaliação “de massa” francês e o sistema de avaliação de comparação de desempenho (International Educational Achievement) em encontro com o Diretor de Avaliação e Prospecção do Ministério da Educação Nacional, à época, Dr. Alain Michel. A visita oficial do Ministro à França ocorreu de 25 de Outubro a 2 de Novembro de 1993 e o relatório da visita encontra-se disponível por meio de publicação do MEC/Inep. Consta do relatório que “Todos os resultados das avaliações do sistema educativo francês são publicados, mesmo que não reflitam situações favoráveis. Acreditam os responsáveis do setor educacional que é importante para o Governo e a própria sociedade poderem contar com um observatório permanente e fidedigno de mensuração da qualidade do nível de ensino nacional. Esses resultados são igualmente úteis para a harmonização das diretrizes educacionais com as necessidades do mercado de trabalho e decorrente demanda profissional. Haveria, nesse particular, uma interação entre escola e empresa”. Presume-se que esta visita possa constituir-se noutra influência francesa indireta à construção do SIMAVE (XXVII Conferência Geral da Unesco, MEC, 25/10 a 2/11/1993 – Paris)

então que fosse participativo. Que o foco da avaliação não fosse o aluno, né, o foco da avaliação fosse a escola. (Maria Inês Barroso Simões, entrevista cedida em 21 de Julho de 2012)

Por meio de um acordo de cooperação técnica, a equipe da França esteve no Brasil, no primeiro momento entre três ou quatro vezes, para assessorar a equipe local que se formava 52 para a elaboração de itens e análises estatísticas, forjando dessa forma uma metodologia que garantisse condições de comparabilidade. Conforme explica a Coordenadora da Unidade de Avaliação do CAEd/UFJF, o Ministério de Educação da França representou uma grande contribuição, sobretudo na formulação de itens:

Teve uma missão na França. Por que o Ministério de Educação da França tinha um Know-How, uma qualificação muito superior à nossa, em termos de aprendizagem, de educar para o desenvolvimento cognitivo dos alunos. Então eles vieram pra cá, teve uma missão pra lá, eu participei de uma missão dessas, aprendi muito com eles, muito, o que era um item, o nível de dificuldade pra cada etapa de escolaridade, da importância de saber o que efetivamente o aluno deve saber em cada etapa para o SIMAVE avaliar. Qual o nível de dificuldade que eu tenho, por exemplo, resolver problemas de porcentagem, tá no quinto e tá no nono, certo? Mas que nível de dificuldade eu vou colocar? Que tipo de item e principalmente na parte de formulação, enunciado, alternativa plausível, foi muito importante a contribuição dos franceses na implementação do SIMAVE. Não é uma cópia, não foi, porque o modelo deles é diferente, a gente foi inteligente o suficiente pra pegar o que que era de bom e que poderia ser aproveitado. (Lina Kátia, entrevista cedida em 26 de Janeiro de 2012)

A princípio, o processo de implantação do SIMAVE ocorreu através de um projeto piloto em 1999, que ficou conhecido como Programa Piloto de Avaliação da Rede Pública de Ensino Fundamental (PROAV), na região de Juiz de Fora, tendo sido assumido pela Universidade Federal de Juiz de Fora, e, que tinha como intenção alargar a experiência e produção de conhecimento na área de Avaliação, o que culminou na criação do Centro de Avaliação Educacional (CAEd),53 a partir da expansão das atividades do Laboratório de Avaliações e Medidas Educacionais (LAME) e com a participação da Faculdade de Educação da UFJF e de professores e especialistas em Avaliação Educacional do MEC da França.

Iniciava-se o processo de produção dos textos do SIMAVE com os seguintes grupos de interesse representados: instituições governamentais (Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, Superintendências Regionais de Ensino, Superintendência de Avaliação, Ministério da Educação, Ministério da Ciência e Tecnologia da França); atores políticos

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Segundo a Superintendente em Avaliação da SEE/MG, o grupo à época era assessorado na elaboração de itens sendo ainda um grupo muito reduzido chamado Laboratório de Avaliações e Medidas Educacionais (LAME). 53

Atualmente o CAEd dissemina a avaliação externa para 18 estados do Brasil e para países como Moçambique, respondendo demandas de um grande mercado de avaliação educacional.

(Governador e Secretário Adjunto); instituições acadêmicas (UFJF/FAE/CAEd,54 UFMG /CEALE,55 UFV e Instituto Avaliar), organismos internacionais (BID e BM), mídia, sindicato e gestores do sistema.

A avaliação entrou para a agenda das políticas de Minas Gerais na década de 1990. Então foi reformulada de uma forma que tornou mais forte, porque aí, quando teve a reformulação, criou o SIMAVE, deu uma outra perspectiva, o SIMAVE veio com características diferentes. Teve uma participação e foi bem aceito pelo sindicato. Quando eles perceberam que não ia punir e não ia premiar professor. Na época, o sindicato participava de todas as reuniões com a gente, todas as Superintendências, então, para a implementação do SIMAVE foi um trabalho quase que corpo a corpo. (Maria Inês Barroso Simões, em entrevista cedida em 21 de junho de 2012)

Féres, em entrevista, registra que a avaliação nacional existente em 1999, o SAEB, bem como outras que surgiram no plano nacional, apesar de sua importância, não eram suficientes para as políticas estaduais. Por isso, o SIMAVE teria sido criado para fazer a avaliação da rede de ensino universal, garantindo resultados por escolas.

Em nível central foi constituído o Conselho Deliberativo, com representantes da Secretaria de Estado da Educação, dos municípios, do Conselho Estadual de Educação, das instituições públicas de Ensino Superior e dos profissionais da educação. Em nível regional ordenou-se a constituição de uma Comissão Regional de Avaliação da Educação Pública, integrada pela SRE e também pelo representante da instituição de Ensino Superior responsável pelo PROEB, por representantes dos municípios, dos profissionais da educação e dos alunos (art. 10 da Resolução SEE/MG nº 104 de 2000). Essas Comissões Regionais foram incumbidas de organizar as ações do PROEB em âmbito regional, restituir às escolas os resultados das avaliações e aprovar propostas de avaliação continuada elaboradas pelas instituições regionais.

Pode-se considerar que as estratégias de origem (processo decisório) foram top/down, com a formulação mais concentrada na secretaria, e com a participação, sobretudo, de instituições como o CAEd e o CEALE, o que resultou num nível de conflito encoberto, limitando o alcance da decisão ao nível local. Em relação à ação dos atores, esta foi distribuída segundo competências específicas e níveis hierárquicos, num desenho piramidal. Embora o discurso enfatize a construção coletiva do SIMAVE, os professores tiveram restrita

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A UFJF foi a instituição coordenadora do PROEB, por meio do Laboratório de Avaliação e Medidas Educacionais (LAME) da Faculdade de Educação, que hoje é o CAEd.

55 O Centro de Alfabetização Leitura e Escrita – CEALE é um órgão complementar da Faculdade de Educação

da Universidade Federal de Minas Gerais, voltado a estudos sobre a alfabetização e o letramento. Disponível em: <www.ceale.fae.ufmg.br/o-que-e-o-ceale.html .> Último acesso em 24 de maio de 2013.

participação em sua formulação e implementação, considerando-se que estariam “representados” por alguns grupos como “participação representativa”.

Em relação aos recursos, segundo a Diretora da Superintendência Estadual de Avaliação Educacional, atualmente todos os recursos utilizados na avaliação são planejados, contando com uma dotação orçamentária presente no Plano Plurianual: “a primeira coisa que colocamos em mente: nós temos que ser capazes de autofinanciar esse trabalho. Não podemos depender de nenhum órgão, ou de nenhuma outra forma que não seja o governo de Minas, tesouro. Porque aí, a gente com o Plano Plurianual, os recursos estão garantidos”. De acordo com a mesma, apenas no início do programa houve financiamento externo, que se fez necessário para o primeiro contrato com a assessoria da França:

O primeiro contrato teve uma parcela pequena do Banco Mundial. Mas aí foi o primeiro ano. Depois foi uma definição do próprio secretário que falou: “pra ter um sistema que funcione não podemos depender de recursos do Banco Mundial. E passou para ser com recursos da própria Secretaria que estavam destinados à educação". (Maria Inês Barroso Simões, entrevista cedida em 21 de julho de 2012) Segundo Féres, a constituição do SIMAVE foi discutida pela Secretaria com o Banco Mundial e seu formato foi aceito, sendo que parte do SIMAVE foi financiada por acordo, já que ele passou a integrar o Pró-Qualidade. Entretanto, a entrevistada explica que em todos os componentes do acordo, inclusive na avaliação, havia também recursos da Secretaria de Educação, salientando que a opção por construir um sistema com as características do SIMAVE teria sido uma decisão política da Secretaria de Educação, por meio de seus dirigentes, considerando a Proposta da Escola Sagarana.

O Programa Pró-Qualidade fazia parte do acordo da Secretaria de Educação do Estado de Minas com o Banco Mundial. Um dos componentes deste Programa era justamente a avaliação. Em 1999 encontrei este componente com problemas de execução, embora algumas iniciativas tivessem sido tomadas. (Maria José Féres, entrevista cedida em 17 de junho de 2012)

De acordo com a Diretora da Superintendência Estadual de Avaliação Educacional, as avaliações do SIMAVE já começaram de forma censitária, e, embora tenham iniciado na gestão anterior, foram para a agenda do governo Aécio Neves como parte do Estado para Resultados e dos Projetos Estruturadores do Governo, pois até então, segundo a mesma, estavam restritas a uma política de secretaria: “a partir desse momento toma outra dimensão. Começa a trabalhar com as metas né. Vem prêmio de produtividade em cima também dos indicadores da avaliação, porque não é o único indicador para o prêmio de produtividade”.

No governo do Aécio foi prioritário, foi estratégico, e só teve essa repercussão, em Minas, só conseguiu alcançar hoje, o primeiro lugar aí em termos do quinto ano do ensino fundamental, com os melhores resultados, foi com o esforço do governo, o esforço da Secretária, em traduzir isso aí como um programa

importante, porque se o Secretário e o Governo não assumem, não adianta. (Maria Inês Barroso Simões, em entrevista cedida em 21 de junho de 2012)