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CAPÍTULO 1 Influências e tendências presentes na política avaliativa do Estado de

1.6 Reformas educacionais da atualidade e implicações para o trabalho docente

As reformas educacionais da atualidade têm acarretado profundas mudanças nas percepções acerca do trabalho docente, através de orientações e discursos que têm determinado uma reestruturação do mesmo, no sentido do conformá-lo aos imperativos do mercado. Oliveira (2003) sintetiza algumas das discussões estabelecidas sobre a docência a partir da década de 1990: a profissionalização, a proletarização 39 e a autorregulação (ENGUITA, 1991; POPKEWITZ, 1997); a desqualificação sofrida pelos professores em decorrência do controle sobre o currículo (APPLE, 1995); as especificidades do trabalho docente (HYPÓLITO, 1997); e processos de resistência (BERNARDO, 1991).

A relação entre as reformas educacionais e as discussões sobre o trabalho docente parecem apontar para uma maior exigência e controle sobre a formação e o desempenho das funções, estabelecendo-se um consenso a respeito da necessidade da profissionalização docente e de sua capacitação para as demandas dos novos tempos.

Os discursos governamentais colocam o professor como o agente da mudança e o impele a responder pelo sucesso dos alunos e do sistema educacional, a ser flexível, reflexivo e eficiente. Em decorrência de sua “resposta” a esses discursos, os docentes seriam bonificados pelo seu bom desempenho.

Segundo Barreto e Leher (2003) as atuais mudanças nas condições do trabalho docente advêm das alternativas propostas pelo BM para impedir que o sistema de ensino fique subjugado à corporação dos professores. Assim, as autoras sustentam que a oposição entre professores e pais é uma forma de o governo se apresentar como o defensor do interesse da maioria.

Prevalece, entretanto, a ideia de que os sindicatos nacionais devem ser enfraquecidos, até pela fragmentação do sistema educacional, em favor dos verdadeiros interessados na real melhoria da escola: os pais e a comunidade. Essa estratégia está centrada na autonomia da escola e da universidade, encaminhada por meio da descentralização e ampliação da responsabilidade da comunidade local pela escola. (BARRETO & LEHER, 2003)

Segundo Martínez (2003) estudos têm apontado para a inadequação entre os objetivos das reformas educacionais e as condições de trabalho docente. De acordo com a autora,

analisa-se um processo de trabalho docente com uma força de trabalho desvalorizada, desqualificada e responsabilizada pelas crises econômico-sociais:

Não obstante, o poder burocrático se reserva o direito de desqualificar os docentes e atribuir-lhes a culpa pelos “fracassos” escolares. Ao mesmo tempo, exercem uma extorsão afetiva dos professores por saber que eles não deixarão sozinhos os alunos e que, em geral, sempre farão o possível para aguentar e sustentar uma escola para todos. (MARTÍNEZ, 2003)

Segundo Hypólito (2005) a mídia também é grande responsável pela construção das representações colocadas em circulação acerca dos docentes e por discursos que os interpelam. De acordo com o autor, na última década, os professores têm sido apontados como os grandes responsáveis pelo fracasso do sistema escolar e pelo insucesso dos alunos.

Assunção (2003) relaciona os padrões de qualidade e as exigências estabelecidas pelas reformas educacionais que institucionalizaram a avaliação como instrumento por excelência de controle e a incoerência com as circunstâncias em que o trabalho se encontra para operar com o discurso ideológico da inevitabilidade dos problemas sociais:

É forte a ideologia da inevitabilidade das condições reais de trabalho. Ela se expressa pelo comportamento que considera, entre outros fatores, por exemplo, a aglomeração em sala de aula imutável, e, portanto, configurando-se numa prática que encara como inevitáveis as más condições de trabalho derivadas da situação inexorável dos alunos. Grande parte do tempo do professor em sala é ocupada com o controle visando a diminuir a indisciplina na sala, gerando insatisfação para o professor. (ASSUNÇÃO, 2003)

Ao mesmo tempo em que são mantidas essas condições, exige-se melhores desempenhos por parte dos alunos, suscitando problemas de saúde nos profissionais. Segundo a autora, a relação saúde e trabalho não diz respeito apenas ao adoecimento, aos acidentes e ao sofrimento. Para os trabalhadores a saúde é construída no trabalho. Em primeiro lugar, porque ao conseguir os resultados desejados pela hierarquia, sem contar com as condições ideais, ao dar conta das demandas complexas, inusitadas e não previstas, os trabalhadores reafirmam sua autoestima e desenvolvem suas habilidades. Em segundo lugar, o trabalho é uma via para desenvolver a personalidade. Relacionando-se com o outro mediante o conteúdo a ser desenvolvido, torna-se possível constituir os coletivos de trabalho, e os trabalhadores, aos poucos, constroem a sua história e identidade social.

Segundo Hypólito (2005) resultados específicos do sistema são colocados como referencial a ser atingido pelos docentes, ocorrendo o que o autor chama de “docência de resultados”, confundida com profissionalismo.

Este “novo” profissionalismo estaria sendo requisitado para a efetiva consecução dos padrões de um currículo nacional como parte da reestruturação econômica do capitalismo, no atual contexto da globalização. As marcas discursivas desse “novo” profissionalismo, além do currículo nacional, são a colaboração, o trabalho integrado, a equipe, a parceria, a tutoria, o desenvolvimento profissional e o

foco nos resultados. Essas práticas, mais do que reforçar o planejamento global da escola e o poder de decisão, sobrecarregam o trabalho docente com tarefas e responsabilidades extras, intensificando o trabalho de tal forma que resta cada vez menos tempo para preparação das atividades de sala de aula. (HYPOLITO, 2005) Para Hypólito (2010), os discursos das reformas criam uma noção de que estas se constituem em parte inevitável do processo de globalização e que são necessárias para se caminhar rumo à economia do conhecimento. Dentro desses discursos situa-se o discurso da performatividade, que na sua visão, gera efeitos de terror sobre os professores e equipe escolar:

A performatividade gera os efeitos de terror sobre as professoras e os professores, equipes diretivas e sociedade, por meio da neurose da accountability (prestação de contas ou, ainda, responsabilização). É uma performatividade baseada na qualidade, na padronização e na avaliação, principalmente externa. Os efeitos dessas tecnologias são inúmeros e em escala, atingem desde aspectos relacionados à pressão emocional e ao estresse, com o aumento do ritmo e da intensificação no trabalho, até aspectos que ocasionam mudanças nas relações sociais, tais como a maior competição entre docentes e entre setores, a redução da sociabilidade na vida escolar, as ações profissionais mais individualizadas, o distanciamento das comunidades e o aumento da carga de trabalho burocrático (produção de relatórios e seus usos para comparações que contribuem com o aumento do terror). (HYPOLITO, 2010)

Para Ball (2005), a nova conformação dominada pela racionalidade técnica torna o termo “profissionalismo” sem sentido, uma vez que “são erradicadas as possibilidades de reflexão moral e de diálogo”. O que se tem em decorrência da ressignificação do profissionalismo nos textos gerenciais, segundo o autor, é bem distante do que o profissionalismo já significou.

Os principais pontos dessa diferença, ou pelo menos dois deles, são: primeiro esses pós-profissionalismos se reduzem, em última instância, à obediência a regras geradas de forma exógena; e, segundo, eles relegam o profissionalismo a uma forma de desempenho (performance), em que o que conta como prática profissional resume-se a satisfazer julgamentos fixos e impostos a partir de fora. (BALL, 2005)

Para o autor o cerne da questão é o fato de que o profissionalismo exigido no Gerencialismo40 é o profissionalismo “de um outro e não o profissionalismo do profissional”. Nesse sentido, ao profissional caberia a responsabilidade pelo seu desempenho, mas o julgamento sobre esse mesmo desempenho caberia a outrem.

Com tudo isso, os professores perderam a possibilidade de exigir respeito, exceto em termos de desempenho. Ficaram sujeitos a um discurso do ridículo e já não podem mais “falar por si mesmos” em debates públicos “sobre” sua prática (em vez de “pela” ou “na” educação). (BALL, 2005)

40 Para Ball (2005), o Gerencialismo tem sido o principal meio pelo qual a estrutura e a cultura dos serviços

públicos são reformadas e desempenha o importante papel de destruir os sistemas ético-profissionais que prevaleciam nas escolas, provocando sua substituição por sistemas empresariais competitivos.

Em suma, não se pode analisar uma política no contexto de sua operacionalização, como faremos adiante, sem verificar os condicionantes e as influências que incidem direta ou indiretamente sobre a mesma e sobre os atores. Apresentar alguns desses condicionantes e influências foi o objetivo desse capítulo. O microcontexto é inundado por discursos, normas, regras, interações, sentimentos e representações que trazem o “mundo externo” para dentro de seus muros e com ele interage produzindo novas representações, perspectivas e implicações.