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CAPÍTULO 2 O cenário mineiro: articulando discursos e disseminando termos na

2.3 A produção dos textos

É possível observar na produção textual um estilo de texto que convida o leitor a participar de sua construção: “conclamamos os educadores para mais este desafio: investir no SIMAVE como instrumento de equidade e justiça social. Com a participação de todos, faremos da Escola Sagarana uma realidade” (HINGEL, 2000, p.1). Esta mesma perspectiva é confirmada pela Diretora da Superintendência de Avaliação Educacional da Secretaria de Estado da Educação, que afirma que a produção dos textos foi e continua aberta a sugestões, inclusive de logística, que podem ser acatadas e ensejar modificações:

É uma construção coletiva. A gente acredita que não constrói um trabalho deste se não for feito coletivamente. Porque nós tivemos momentos de contribuições assim, extremamente efetivas e excelentes dos professores da rede, dos diretores da rede. Então, não tem outra forma de trabalhar se não for de forma coletiva. (Maria Inês Barroso Simões, em entrevista cedida em 21 de junho de 2012)

De acordo com a mesma, uma das modificações ocorridas foi em relação ao uso de aplicadores internos:

Os aplicadores externos no início não tinham muito compromisso nem responsabilidade. Então de repente eu fui saindo da Secretaria e passando em uma escola, e por coincidência, vi o aplicador externo e um menino perguntando: “o quê que você faz com essas provas?” Eu presenciei o aplicador falando: “o destino é o lixo”. Só que ele não sabia que eu era da Secretaria. Então, quer dizer, no início, não tinha um pessoal preparado pra isso. Eles chegavam na escola em qualquer horário. Interrompiam ali. Não pediam licença ao diretor. Por mais que tinha uma formação, a gente precisava, só em Belo Horizonte, em torno, no primeiro momento, que era de todas as séries, né, a gente precisava quase de 2 mil aplicadores. O custo era altíssimo. E hoje nós trocamos os professores de anos avaliados, tem os pais que participam também, tem o colegiado também que participa, tem o relatório. E você percebe, que nós trabalhamos com aplicadores internos, é importante, tá, você pega o resultado de Minas do PROEB e trabalhando a Prova Brasil com aplicadores externos, a tendência de crescimento ou a tendência de queda nos resultados estão sempre convergindo para o mesmo resultado. Então você vê que é idôneo. E se não fosse, o estado de Minas não estaria aí na ponta, passando tecnologia, metodologia, trabalhos, pros estados aí, pra fora não. Entendeu? Então, isso foi uma opção em função também da dificuldade do acesso dos aplicadores chegarem a determinada escola rural, ou determinado local. E o custo também. É uma forma dos professores estarem participando. Quer dizer, a avaliação ela pode ser externa, mas ela não pode ser estranha ao pessoal. Aos diretores, aos professores, aos alunos, ao pessoal do sistema. (Maria Inês Barroso Simões, em entrevista cedida em 21 de junho de 2012). Segundo a Coordenadora da Unidade de Avaliação do CAEd/UFJF, Lina Kátia, o SIMAVE de fato foi uma construção coletiva. A mesma explica que foram realizados vários painéis com os professores, a fim de validar a matriz, bem como vários movimentos nas regionais para explicar o que é o SIMAVE e motivar a comunidade, fóruns de discussão,

seminários, oficinas de elaboração de itens e a participação das universidades na apropriação dos resultados junto à escola e no comitê científico para elaboração das provas.

Verifica-se uma antecipação dos textos a possíveis interpretações “errôneas” acerca dos objetivos do SIMAVE e de seus programas ou usos de seus resultados: “[...] A avaliação não tem como objetivo punir ou premiar. O PROEB não tem o objetivo de avaliar individualmente os alunos e muito menos os professores” (HINGEL, 2000, p. 7). No mesmo sentido, em relação à publicização dos resultados, argumenta-se que:

Os resultados do programa serão públicos. Isto não significa expor indevidamente a escola. Pelo contrário! Numa sociedade democrática é preciso garantir a todo e qualquer cidadão o acesso à informação, principalmente quando essa ação diz respeito às ações de órgãos públicos e quando a maior ou menor possiblidade de melhoria da qualidade de vida do cidadão depende da qualidade dessas ações como é o caso da educação pública. Esconder resultados ou sonegar informações faz parte de uma cultura autoritária e clientelista que os próprios profissionais da educação têm se esforçado por combater e que só têm contribuído para o retrocesso e o atraso do processo educacional. (HINGEL, 2000)

Vários textos foram e são produzidos com objetivos variados: divulgar, explicar, legitimar, publicizar resultados etc. Além de textos legais, revistas, guias, roteiros para discussão e apropriação dos resultados, manuais e informes explicativos, sítio eletrônico,56são produzidos boletins com os resultados das avaliações e dos questionários aplicados a alunos, professores e diretores, gráficos e escalas explicativas. Alguns materiais destinam-se a usos para além da avaliação externa em si. O guia de elaboração e revisão de questões de múltipla escolha, por exemplo, orienta os professores a construírem instrumentos de avaliação da aprendizagem escolar à semelhança das avaliações de processos seletivos.

Os boletins costumam dar acesso a informações que possibilitem o entendimento dos resultados. Cabe destacar ainda que complementarmente aos boletins pedagógicos, a escola pode receber como parte do Programa de Avaliação Continuada, um roteiro com atividades propostas.

Os boletins trazem ainda o consolidado dos questionários aplicados: os questionários contextuais que versam sobre o perfil socioeconômico dos alunos, seus hábitos de estudo, sua relação e atitude frente aos estudos e à escola, sendo possível, dessa forma, verificar a frequência com que os professores passam dever de casa e a frequência com que há participação em atividades de reforço; o questionário destinado ao professor que traça seu perfil social e econômico, sua experiência profissional, a prática e atitudes relacionadas ao ambiente escolar e aos alunos, procurando-se verificar a frequência com que utiliza recursos

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<http://www.simave.caedufjf.net/simave/>e

pedagógicos, como internet, livros e outros, em seu cotidiano escolar; e o questionário destinado ao diretor, que também traça seu perfil social e econômico, sua experiência profissional e atitudes relativas ao ambiente escolar, à comunidade e aos alunos, bem como a busca por parcerias externas com ONGs e associações 57 para que possam ser analisados os fatores intra e extraescolares que podem interferir na aprendizagem dos alunos e que contextualizam os processos de ensino e aprendizagem, fornecendo um retrato da realidade escolar nos aspectos econômicos, sociais e pedagógicos.

São considerados fatores extraescolares aqueles relativos ao nível socioeconômico dos alunos, às suas condições de vida e de subsistência. Já os fatores intraescolares são aqueles diretamente relacionados ao cotidiano escolar, que podem interferir no desempenho dos alunos. Nesse grupo estão incluídos, por exemplo, a disciplina em sala de aula, a motivação e dedicação dos professores, a atenção e participação do aluno e o conhecimento dos professores sobre avaliação em larga escala.

São fatores que além do desempenho do aluno, interferem nesse desempenho. Tem os “intra” e extraescolares. Os intraescolares são aqueles que até o sistema, de certa forma pode interferir. Pode olhar uma rede física, formação de professor, gestão, material didático, então, isso aí, a escola e um bom gestor, tem condições de interferir. Mas os fatores extraescolares, geralmente estão associados àqueles fatores que, no conjunto de habilidades, de formas de vida, como o aluno já chega na escola. Aí, você vê que a escola pública, a gente não pode escolher o aluno. A escola privada pode, “eu não quero esse aluno, eu não quero ele aqui na minha escola”. A escola pública não pode barrar aluno. A escola pública está aqui pra atender exatamente a todos, principalmente os que têm menor oportunidade. Então, esse sistema tinha que fazer com que esses alunos também aprendessem. E aí, as análises contextuais vieram para compreender o que estava associado ao desempenho desse aluno, que ele não conseguia ainda alcançar as habilidades ou ter aquele desenvolvimento de aprendizagem (Maria Inês Barroso Simões, entrevista cedida em 21 de julho de 2012)

Atualmente o SIMAVE conta com, além de boletins impressos, consultas online58 que possibilitam conhecer a realidade da escola em relação ao município, à regional e ao estado. A princípio era possível inclusive se situar em relação às médias de Minas no SAEB.

Embora a linguagem seja acessível, percebe-se nos textos (sítio da SEE/MG, Revista do Sistema de Avaliação) um superdimensionamento da importância das avaliações devido aos indicadores por ela fornecidos e ao fato de constituírem-se num dos pilares do Projeto Estruturador do Governo do Estado de Minas Gerais, denotando sua importância na construção de uma educação eficaz, com critérios considerados como pedagogicamente bem

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Essa logística pode variar de ano para ano. Os boletins de resultados, por exemplo, podem vir dentro da Revista Pedagógica.

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Os resultados do SIMAVE podem ser acessados

definidos de forma a possibilitar através deles o planejamento de intervenções pedagógicas nas escolas.

2.3.1 Dos destinatários da política

Os grupos de interesse expressos como destinatários no discurso de produção do texto da política são: a Secretaria de Estado da Educação, as Superintendências Regionais de Ensino, as escolas, gestores públicos dos sistemas e gestores escolares, professores, alunos e pais.

Não tem como a gente falar de uma política pública só para os gestores maiores. Se não for para atender, por que de fato, na verdade, o quê que nós queremos? Nós queremos melhorar a qualidade do ensino para o aluno. O foco da política, por exemplo, o PROEB é a escola, mas o quê que nós queremos? A aprendizagem do aluno. O quê que nós queremos com essa política pública? Não é prêmio de produtividade. O SIMAVE, nós não queremos ficar levantando bandeira. A avaliação é um indicador de qualidade do ensino ofertado. É um direito do aluno ter uma educação de qualidade. É obrigação do estado oferecer não só uma educação gratuita, mas de qualidade. O estado não faz favor para o aluno, oferecendo uma educação de qualidade. É um dever dele. Não basta oferecer educação, abrir as portas da escola. Não basta o acesso. É muito mais do que isso. E graças a Deus que os governantes estão despertando para isso. (Maria Inês Barroso Simões, em entrevista cedida em 21 de junho de 2012)

Quando indagada sobre quem são os destinatários diretos dos textos elaborados, a Coordenadora da Unidade de Avaliação do CAEd/UFJF explica:

Eu acho que o primeiro destinatário é o Secretário de Educação, depois as Superintendências regionais, cada um na sua dimensão, depois os gestores diretores de escola e os professores e eu acho que deveriam ser também os pais. O SIMAVE não manda boletim para os pais. Eu acho que deveria incluir. Eu acho que é uma forma de prestar contas da educação pública ofertada para a família. (Lina Kátia, entrevista cedida em 26 de janeiro de 2012)

De acordo com o discurso do texto, “todas” as dimensões do sistema educacional da rede pública estadual são aferidas pelas avaliações: “elas analisam os resultados alcançados em sala de aula, na escola e no sistema; na ação docente, na gestão escolar e nas políticas públicas para a educação; no nível de aprendizagem na alfabetização e nos conteúdos básicos do ensino fundamental e médio”. (SEE/MG, 2012)

Segundo a Coordenadora da Unidade de Avaliação do CAEd/UFJF esclarece em sua entrevista, o foco maior da avaliação é justamente a escola, pois é nela que ocorre todo o processo de intervenção.

2.3.2 Concepções presentes no SIMAVE

A concepção em que se baseia a avaliação é a de gestão participativa e democrática. O caráter participativo e democrático da política seria garantido a princípio, pela constituição de comissões de avaliação em cada Superintendência Regional, constituída por representantes dos municípios, dos profissionais da educação e dos alunos, conforme artigo 10 da Resolução nº 104 de 14/7/2000.

A Resolução da Secretaria de Estado da Educação de nº 104, publicada em 19 de julho de 2000, trata das questões concernentes ao Sistema Mineiro de Avaliação, define seus objetivos, metas, estratégias e responsabilidades. Como responsabilidades foram enunciadas a promoção da avaliação da educação tanto pública quanto privada, dentro dos princípios de igualdade de oportunidades, descentralização, participação, transparência e publicidade e gestão consorciada, a serem geridas pela Agência Pública de Avaliação Educacional de Minas Gerais, cuja competência seria a promoção da avaliação em todas as instâncias do Sistema Mineiro de Educação, contando com representantes dos profissionais da educação, da sociedade civil e da Secretaria de Estado da Educação, sendo que, os representes dos profissionais da educação deveriam ser indicados no Fórum Mineiro de Educação.

Como objetivos do SIMAVE, a lei destaca a promoção da avaliação sistemática Educação Básica da rede pública, a criação de instrumentos de participação da sociedade e dos profissionais da educação na gestão da escola pública, a democratização do acesso à informação sobre a educação pública, o desenvolvimento de procedimentos de gestão de avaliação das políticas públicas educacionais com base em princípios de equidade e o fortalecimento da escola.

Já em suas metas foram estabelecidos o desenvolvimento de métodos e parâmetros de aferição e da qualidade nas redes públicas, de modo a compatibilizar com a realidade, a cultura e o desenvolvimento do estado; a criação de instrumentos de avaliação, controle e acompanhamento permanentes; o estabelecimento de mecanismos e sistemas de gestão consorciada com base na parceria; e a promoção da formação, adequação e aperfeiçoamento de recursos humanos para atender aos objetivos da política estadual. As palavras-chave evidenciadas nos objetivos, metas e responsabilidades enunciadas no texto legal são avaliação, gestão pública, promoção dos profissionais e desenvolvimento do estado mineiro.59

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Para identificação das palavras-chave foi utilizado o recurso Word frequency query do programa NVivo 8. Por meio desse recurso foram contabilizadas as palavras mais frequentes no texto oficial legal e no texto oficial

Para Laclau & Mouffe (1985), as práticas articulatórias que visam a organizar as relações sociais no interior de estruturas discursivas consistem na articulação de elementos a partir de um ponto nodal. Na produção do texto, percebe-se que o discurso privilegiado é o status quo democrático do programa. Os princípios do SIMAVE vão se constituindo sob esse ponto, sendo possível utilizá-lo para justificar objetivos, metas e ações. A chamada construção coletiva do programa, por meio dos consórcios com universidades, a descentralização, a participação, a publicização de resultados e o controle pela sociedade pressupõe uma sociedade com uma democracia em vias de consolidação, criando-se expectativas de que pais e sociedade se atentariam para os resultados das avaliações e que de posse dos resultados, exigiriam das escolas melhores resultados ou poderiam transferir seus filhos de escola.

A construção do discurso do texto, portanto, vem evocar demandas universais a serem totalizadas num horizonte indefinido, para justificar uma política particular (LACLAU & MOUFFE, 1985). São evocados: o direito de acesso à educação de qualidade e o direito à cidadania, à publicidade e à transparência, à igualdade de oportunidades etc. Dessa forma, a avaliação incorporou em si múltiplos sentidos, além do ato de avaliar em si, passando a ser um símbolo de mudança e um referencial para novos rumos.

Adentrando o texto da política observa-se, além da hegemonia do discurso democrático, a presença das relações culturais, dos regionalismos e da participação. O que se depreende do discurso do texto é a captação de outros discursos numa relação suplementar ao discurso originário de modo a justificar constrangimentos antevistos pela própria política.