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CAPÍTULO 1 Influências e tendências presentes na política avaliativa do Estado de

1.3 O cenário nacional

As reformas da década de 1990 instauraram um novo modelo de organização da administração pública no contexto da globalização (KRAWCZYK, 2000). Uma análise das mudanças na Administração Pública Brasileira se torna necessária a fim de verificarmos se as mesmas tiveram influência, e, em caso afirmativo, em que grau, nos planejamentos das ações governamentais do estado mineiro onde a avaliação externa se insere.

A Constituição Federal de 1988, em seu Título III “Da Organização do Estado” capítulo VII “Da Administração Pública” expõe conceitos e princípios sob os quais deve se assentar a Administração Pública Brasileira obrigatoriamente: princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade. A Emenda Constitucional número 19 de 4 de junho de 1998 inseriu ao caput do artigo 37 da CF/88 que trata dos princípios, a eficiência, em função dos novos caminhos a serem perseguidos pela Administração Pública, em decorrência da Reforma do Aparelho do Estado na década de 1990. A Constituição Estadual incluiu ainda a razoabilidade (art. 13, caput, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 49 de 13 de junho de 2001).

Di Pietro (2002) comenta os princípios contemplados no direito positivo. Segundo a autora, a legalidade juntamente com o controle da Administração pelo Judiciário, constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Segundo este princípio, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite. Entre particulares, este princípio é substituído pela “autonomia da vontade”. A impessoalidade é compreendida como o princípio relacionado à finalidade pública, que não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar determinadas pessoas. Haverá ofensa ao princípio administrativo da moralidade, segundo a autora, sempre que se verificar o comportamento da Administração ou do administrado que ofenda a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade e a ideia comum de honestidade. A publicidade exige a divulgação ampla dos atos praticados pela Administração Pública, ressalvados os casos de sigilo exigidos por lei. A eficiência, segundo Di Pietro, apresenta dois aspectos: um relacionado ao modo de atuação do agente público e o outro relacionado ao modo de organizar e estruturar a Administração Pública. Ambos os aspectos têm como objetivo o alcance dos melhores resultados.

Vale dizer que a eficiência é princípio que se soma aos demais princípios impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito. (DI PIETRO, 2002)

Eficácia e eficiência são dois termos que têm sido recorrentemente empregados na área educacional. Contudo, esses dois conceitos diferem-se entre si. Segundo Chiavenato (2004), a eficiência seria uma relação entre custos e benefícios, e está ligada ao método, ou ao melhor caminho a fim de que os recursos sejam utilizados da forma mais racional possível. Portanto, a eficiência está ligada aos meios. Já a eficácia visa o alcance dos objetivos ou resultados.

A década de 1990 foi marcada por movimentos a favor de reformas da Administração Pública. Muitos deles tinham como foco principal, a eficiência no uso dos recursos. Pode-se dizer que o cenário nacional sofreu forte mudança após a abertura democrática e a estabilização da economia a partir do Plano Real, em 1994. Segue-se então o início de um processo de mudança na Administração Pública Brasileira.

Essa mudança foi promovida no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC). Seu governo (1995-2002) foi iniciado pela criação em 1995 do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), que tinha como missão dotar a Administração Pública nacional de técnicas gerenciais mais eficientes e eficazes do que as do modelo burocrático de até então (BRASIL, 1995).

Segundo Bresser-Pereira (1998), que assumira o ministério, a mudança se iniciou pela elaboração no primeiro semestre de 1995 do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado e da emenda constitucional da reforma administrativa, com base nas experiências recentes em países da OCDE, principalmente o Reino Unido que implantava sua Reforma Gerencial. A expectativa era de que esta reforma se constituísse na segunda grande reforma administrativa do país, tendo sido a primeira a Reforma Burocrática, ocorrida na década de 1930, que se caracterizara pela centralização política e econômica e o estabelecimento de um Estado intervencionista, voltado para o desenvolvimento econômico do país, consolidando-se o chamado Estado Administrativo.

Já a pretendida segunda reforma, de acordo com Bresser Pereira (1998) seria gerencial por que:

[...] busca inspiração na administração das empresas privadas, e por que visa dar ao administrador público profissional condições efetivas de gerenciar com eficiência as agências públicas. (BRESSER- PEREIRA, 1998)

O autor resume sua visão da seguinte forma:

A Reforma Gerencial visa aumentar a eficiência e a efetividade dos órgãos ou agências do Estado, por meio de uma administração baseada: (a) na descentralização das atividades para as unidades subnacionais e na desconcentração (delegação) das decisões para os administradores das agências executoras de políticas públicas; (b) na separação dos órgãos formuladores de políticas públicas que se situam no núcleo estratégico do Estado, das unidades descentralizadas e autônomas, executoras dos

serviços; (c) no controle gerencial das agências autônomas, que deixa de ser principalmente o controle burocrático, de procedimentos, realizado pelos próprios administradores e por agências de controle interno e externo, para ser, adicional e substitutivamente, a combinação de quatro tipos de controle: (c1) controle de resultados, a partir de indicadores de desempenho estipulados de forma precisa nos contratos de gestão; (c2) controle contábil de custos, que pode ser também pensado como um elemento central do controle de resultados; (c3) controle por quase- mercados ou competição administrada; e (c4) controle social, pelo qual os cidadãos exercitam formas de democracia direta; (d) na distinção de dois tipos de unidades descentralizadas ou desconcentradas: (d1) as agências que realizam atividades exclusivas de Estado, por definição monopolistas, e (d2) os serviços sociais e científicos de caráter competitivo, em que o poder de Estado não está envolvido; (e) na transferência para o setor público não-estatal de serviços sociais e científicos competitivos; (f) na terceirização das atividades auxiliares ou de apoio, que passam a ser licitadas competitivamente no mercado; e, (g) no fortalecimento da burocracia estatal, particularmente da alta administração pública, que é tornada mais autônoma, organizada em carreiras ou “corpos” de Estado, e legitimada não apenas por sua competência técnica, mas também por sua capacidade política. (BRESSER- PEREIRA, 1998)

A descentralização é justificada na reforma gerencial pela crise política a que a administração pública chegou, baseada na desconfiança dos governados. Nesse sentido, a solução estratégica seria a desconcentração do poder e a administração por resultados para transformar a desconfiança em controle social.

[...] A descentralização, ou aumento do poder local, é um sinal de que esse processo democrático está em curso. Se a ele se soma uma administração pública gerencial e participativa, no qual o controle social é crescente, estaremos caminhando na direção desejada. (BRESSER-PEREIRA, 1998)

Dessa forma, a Reforma Gerencial conferiu importância aos mecanismos de controle de resultados e ao chamado controle direto pela sociedade, aumentando a responsabilização perante o cidadão-cliente:26 “a administração gerencial pública se relacionaria como o interesse da cidadania. O cidadão passa a ser definido como contribuinte de impostos e assume a condição de cliente dos serviços prestados pelo Estado.” (RISCAL;GANDINI, 2002).

Com a descentralização política, o Estado precisou adotar medidas reguladoras que impedissem os excessos da autonomia em prejuízo das metas estratégicas da política governamental (BRASIL/MARE, 1995). Nesse sentido, os serviços públicos, em particular, a educação, foram submetidos a programas de avaliação externa para mensurar a eficiência e eficácia do desempenho a partir dos resultados, como premissa para a busca da qualidade e do papel que a reforma educacional com base no Estado Gerencial assumiu de promover eficiente e efetivamente o capital humano.

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É considerado cidadão-cliente como aquele que paga pelos serviços recebidos. Na verdade, todo cidadão direta ou indiretamente paga pelos serviços prestados pelo Estado.

Uma influência na reestruturação do Estado foram as ideias de Osborne e Gaebler (1994). Embora retratem a realidade dos governos norte-americanos, um país com uma tradição democrática e liberal consolidada, os autores propõem um receituário estratégico voltado para o setor público que viria a influenciar a reinvenção dos governos em vários países, inclusive o Brasil, na década de 1990, embora o país estivesse apenas dando os primeiros passos no seu processo de redemocratização.

O receituário é composto por alguns princípios considerados básicos. O primeiro seria o governo catalisador, entendido como aquele que se limita a decidir e a dirigir, ou seja, um governo que apenas governa e mobiliza os agentes executores. Decorre desse princípio a separação entre formulação e execução tal como já apontado por Paula (2005). Outro princípio deflagrado é a participação da população no governo, através da transmissão do poder decisório para as comunidades. Na verdade, tem-se aí o estímulo à responsabilidade social. A competição nos serviços públicos é outro princípio proposto. Esta competição é colocada não apenas entre os setores públicos e privado, mas internamente a estes, ou seja, seria o estímulo à competição dentro do setor público, de forma a aumentar a eficiência e envolver os servidores públicos no cumprimento de metas estipuladas previamente. Outro princípio apontado é o governo orientado por missões, em oposição às organizações dirigidas por normas e regulamentos, como as organizações burocráticas. Para esse fim, recomenda-se uma revisão dos sistemas orçamentários de forma a economizar recursos. Outro princípio enfatizado é o governo de resultados, no qual se privilegiam os resultados a serem atingidos, o que significa dispor de um sistema de avaliação que permita distinguir casos de sucesso e insucessos, recompensá-los, corrigi-los e ganhar o apoio público através da divulgação dos resultados. Outros princípios expostos residem na ênfase do governo no cliente, de forma a estimular a responsabilidade dos prestadores de serviços. Tem-se também o estímulo ao governo empreendedor, como aquele que não apenas gasta, mas que também gera receitas, como, por exemplo, através da exploração de fontes de recursos e taxação. Explora-se também o papel preventivo do governo, através da antecipação de dificuldades futuras, princípio bastante empregado no Brasil, com o aumento dos planejamentos orçamentários e financeiros, como o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO e a Lei do Orçamento Anual - LOA, estabelecidos pela Constituição Federal de 1988.

Ênfase à descentralização é dada pelos autores, por responder com maior rapidez, eficiência, produção e por possibilitar maior comprometimento com os resultados, através de uma administração participativa que confira aos níveis locais de poder maior responsabilidade e poder de decisão. Finalmente, propõe-se um governo orientado para o mercado. No sentido

sugerido pelos autores, seria uma direção oposta à burocracia, com vistas a alcançar metas coletivas de forma eficiente.

Passa a se falar menos no papel do Estado e mais no seu tamanho, diferentemente do papel do Estado Providência, que a Constituição Federal, em seu Capítulo II, vem definir no âmbito dos direitos sociais. Considerando, portanto, o Estado determinado pelo seu tamanho ou mesmo pelo seu papel, a Reforma Gerencial diminui o tamanho do Estado, se considerarmos a privatização das empresas estatais, e a publicização de serviços sociais.

A ideia da eficiência que antes se aplicava mais ao setor econômico passa a ser aplicada nas áreas sociais, como a educação. O que se percebe é a análise de qualquer área de atuação do Estado, do ponto de vista econômico. Nesse sentido, o grau de educação de um povo pode ser utilizado como medida de eficácia. Seria a busca de uma convergência da gestão pública com a gestão privada. A gestão pública intensifica a privatização, a busca de parcerias e terceirizações, da competição e da concorrência, numa nova reengenharia 27 do Estado.

Na área da educação, o governo passa a buscar ações mais eficazes como medida da própria eficácia do Estado. Melo (1995), ao tratar da reengenharia do setor público, aponta as principais ações a serem aplicadas principalmente nos serviços públicos essenciais e nas políticas públicas. Estas ações seriam a administração participativa, a terceirização, a busca da qualidade total, a regulamentação e a desregulamentação, os trabalhos voluntários e o desenvolvimento comunitário, a concessão de garantias para monitoramento de verbas, a desburocratização e desconcentração dos serviços públicos, a privatização, a publicização e as parcerias com objetivos de estabelecer novas políticas e melhorias da gestão governamental.

Como na Reforma Gerencial a Administração Pública passa a se orientar pelos princípios da administração das empresas privadas, o conceito de qualidade também passou a ser associado à qualidade das empresas, caracterizada pela questão da produtividade, da competitividade e dos custos. Carvalho e Tonet (1994) relacionam qualidade com a redução de custos, na medida em que evita o retrabalho e o desperdício. Na perspectiva da administração de empresas, a qualidade antes desejável passa a ser atributo imprescindível. Para as autoras, a competitividade também se associa à qualidade, que por sua vez é medida, pela satisfação do cliente.

Na perspectiva típica da Nova Administração Pública Brasileira, a qualidade está relacionada à provisão dos bens e serviços que a sociedade necessita. O ‘cidadão-cliente’

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De acordo com Sandroni (1999), o termo reengenharia é empregado para definir a transformação dos métodos e processos empresariais cujos produtos não atendem às necessidades dos clientes.

espera receber serviços de qualidade, em consonância com as taxas de impostos que paga. Esse cidadão-cliente emerge dos novos modos de regulação flexível, em que o Estado é visto como mais um prestador de serviços.

Segundo Bresser-Pereira (1998), a Reforma Gerencial se fazia necessária como forma de combater a ineficiência e o corporativismo da burocracia através da combinação dos controles burocráticos de procedimentos (que deveriam ser diminuídos) com controles gerenciais de resultados, de mecanismos de competição a partir da criação de quase mercados e mecanismos de controle social.

As atividades da área social e científica, como escolas, universidades, centros de pesquisa, passaram a ser compreendidas como atividades competitivas, que podem ser controladas pela administração pública gerencial, pelo controle social28 e pela constituição de quase mercados. Dessa forma, seriam atividades intermediárias, de forma que nessa área, a reforma do Estado não adotou o termo privatização e sim ‘publicização’ para se referir a setores públicos não necessariamente estatais.

Segundo Junquilho (2000), muitas dessas atividades seriam desenvolvidas por meio de contratos de gestão, que estipulariam indicadores de desempenho, visão estratégica, com metas institucionais em acordo com a política pública com a qual se vinculam; recursos e condições indispensáveis ao cumprimento dos objetivos pactuados no contrato; dispositivos de avaliação de desempenho, com possibilidade de rescisão contratual; condições de vigência, renovação e responsabilização por descumprimento de pactos contratuais; obrigações mútuas; efetivação de condições que possibilitem publicidade dos atos e controle social.

Paula (2005), sob a nova organização do aparelho estatal, verifica uma separação entre formulação e execução, com uma concentração da formulação e da avaliação de políticas públicas, no núcleo estratégico. Para a autora, esse distanciamento da população nos processos decisórios, o que refletiria o caráter democrático da reforma, implica um controle social sem a transparência desejada.

Zwich et. al (2011) apontam que o modelo de administração gerencial utilizado em outros países foi importado para o Brasil sem que houvesse ocorrido uma leitura crítica, o que pode ser explicado, segundo os autores, pela cultura passiva do Brasil advinda da colonização, de aceitar modelos estrangeiros. Esses autores defendem que a proposta gerencialista, dadas as especificidades do país e o que consideram a hibridização das propostas patrimonialista,

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A expressão “controle social” descreve a capacidade da sociedade de se autorregular, bem como os meios que ela utiliza para induzir a submissão a seus próprios padrões. (ZEDNER, 1996:138)

burocrática, gerencial e “societal” 29 foi ressignificada, ou no termo utilizado pelos autores, foi tropicalizada, dando origem ao que designaram como “Administração Pública Tupiniquim”.

Na mesma linha, Junquilho (2004) a partir da questão da objetividade e da subjetividade na gestão, afirma que não se pode falar de “administrador burocrático weberiano” nem tampouco do que é preconizado como sua antítese “novo gerente”, tendo em vista que o contexto sociocultural brasileiro condiciona a ação dos gestores. Nesse sentido, o autor propõe um híbrido entre os dois tipos: “o gerente caboclo” 30.