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CAPÍTULO 2 O cenário mineiro: articulando discursos e disseminando termos na

2.1 O cenário político do Estado

2.1.1 O surgimento do SIMAVE dentro do planejamento estadual (1995 – 2003)

O primeiro planejamento estadual dentro da nova ordenação constitucional se deu nos governo Eduardo Azeredo (1995-1998) e Itamar Franco, que assumiu o último ano do mandato (1999). Apesar de os planos serem globais, foi analisada apenas a área educacional.

No planejamento da segunda metade da década de 1990, percebe-se uma nítida preocupação com a gestão dos gastos públicos visando à amortização das dívidas em detrimento das funções sociais. No tocante à educação, o período de 1995 a 1996 foi marcado pela elaboração de estudos para a implementação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 no âmbito do sistema estadual de ensino de Minas Gerais, pela instituição do regime de progressão continuada e pela organização em ciclos no Ensino Fundamental na rede de ensino estadual (Art. 32 da LDB 9394/1996). Estas alterações trariam implicações para o processo de avaliação das escolas e para políticas posteriores.

No ano de 1998 um acontecimento importante foi o Fórum Mineiro de Educação, que reuniu educadores do estado entre agosto e setembro e por meio do qual foram definidas as estratégias, compromissos e princípios para a política educacional estadual. Tais definições foram assumidas por Itamar Franco (então candidato ao governo mineiro), por meio da Carta dos Educadores Mineiros, com base na LDB 9394/1996, referenciando os compromissos assumidos pela nação e também pelo estado na Conferência Mundial de Educação para Todos, de Jomtien, ocorrida em 1990, e seus objetivos de universalização, democratização e equidade.

Em 1999 assume Itamar Franco, eleito governador. A Secretaria de Educação, ocupada por Murílio de Avellar Hingel, pretendeu pautar-se nos princípios e diretrizes definidos no Fórum Mineiro de Educação (1998), bem como no levantamento da situação da área educacional no estado e nas novas diretrizes da LDB (dentre elas, a construção de uma escola democrática por meio da participação coletiva na proposta pedagógica da escola), e em consonância com o PMDI, coordenado pela Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral.

A política educacional adotada na gestão Itamar Franco ficou conhecida como Escola Sagarana e teve como pilares: “aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser”, conhecidos através do trabalho da Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI – UNESCO (Delors, 2001).

A Secretária Adjunta de Educação, no governo Itamar Franco, Maria José Vieira Féres, descreve o contexto em que surgiu o SIMAVE dentro da política educacional da época: Com o nome de “Escola Sagarana”, construímos coletivamente a nossa proposta de política educacional. A inspiração em Guimarães Rosa e a busca da palavra “sagarana” para denominar a política de educação em Minas contém uma simbologia muito forte. É importante destacar que não se tratava apenas da busca de uma marca para um novo governo que se instalava no estado, mas de uma concepção de escola e de processo educativo compromissada com a democracia, com a liberdade e com a justiça social. A garantia da igualdade de oportunidades educacionais era um grande desafio para a Escola Sagarana. Tendo com referência a participação e a construção coletiva, a proposta da Escola Sagarana estava estruturada com os seguintes eixos: Garantia de acesso e permanência dos alunos na escola; Autonomia da escola e gestão democrática; Projeto político-pedagógico de qualidade para todos; Valorização dos profissionais da educação; Relação da escola com a comunidade e compromisso com as mudanças sociais; Articulação da educação básica com as Instituições de Ensino Superior. É neste contexto que surge o Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública - SIMAVE. (FÉRES, 2012) Os objetivos da Escola Sagarana ficaram assim definidos: garantia de educação de qualidade para todos; capacitação e valorização dos profissionais do magistério; gestão democrática da escola, com o incentivo à participação da comunidade na gestão das escolas públicas; concepção do aluno como centro do processo educativo; universalização da educação infantil, por meio de parceiras com municípios e organizações não governamentais; garantia do acesso e permanência do aluno na escola, especialmente no Ensino Fundamental, através de formas de combate à evasão e a ampliação progressiva do atendimento ao Ensino Médio e àqueles que não tiveram oportunidade de estudar em idade própria; acesso à educação especial de qualidade; integração entre diversos setores da sociedade e a avaliação da qualidade do ensino, como instrumento de efetivação de ações orientadas para a democratização deste ensino, “mediante exames de rendimento dos alunos, metodologias de controle e acompanhamento, estudos e pesquisas” (SEE/MG, 2001).

Ao mesmo tempo em que os documentos da política Sagarana colocavam a educação como disseminadora de uma resistência ao movimento histórico de internacionalização e globalização dos mercados e de um ambiente de competição típico das empresas privadas, estimulavam alianças com organizações comunitárias, empresários, organismos nacionais e internacionais, de forma a ser possível a concorrência, a competitividade e a avaliação, tendências disseminadas como democráticas.

O PMDI 2000-2003, intitulado Uma estratégia para o desenvolvimento sustentável, defendia a necessidade de ruptura com a centralização do poder entregue aos interesses internacionais privados e aos segmentos da elite nacional e com as orientações neoliberais que diminuíam o papel social do estado. Segundo o documento, as equipes técnicas de

planejamento haviam perdido sua capacidade de identificar os grandes problemas sociais, econômicos e políticos do estado, pois se encontravam subordinados a interesses vários.

Minas Gerais, como todos os estados e municípios brasileiros, vive as angústias de manter-se presa aos limites da subordinação federal, aos interesses das grandes corporações multinacionais e às exigências do FMI ou, ao contrário, romper tais limites e ingressar numa via de desenvolvimento e inovação social que sirva, inclusive, de exemplo. (PMDI, 2000-2003)

Paradoxalmente, apesar da crítica explícita ao modelo neoliberal adotado pelo país na década de 1990, o PMDI 2000-2003 considera que um cenário possível para Minas, tendo em vista o cenário nacional e as influências internacionais, seria obtido com a reedição do planejamento da década de 1990, acrescida de melhoramentos, inclusive com recursos provenientes do Banco Mundial.

Em Minas Gerais, de 1998 a 2002, o Banco Mundial financiou um montante de cento e cinquenta milhões de dólares, e este mesmo valor foi exigido como contrapartida do estado, em ações direcionadas para o desenvolvimento do Ensino Fundamental (SEE/MG, 2001), ações tais como a reorganização institucional dos órgãos e entidades do governo do estado, com vistas à transparência, ao controle social e ao aumento da eficácia e eficiência da administração pública. Contudo, existia a crítica à reforma federal baseada no mercado:

Estratégias e medidas direcionadas para a instituição de um modelo de estado mínimo, cuja eficiência é pautada por critérios e procedimentos gerenciais próprios do setor privado, distorceram a função pública e degradaram os quadros capacitados a seu exercício, em atendimento ao ajuste da dívida pública no plano estadual e à necessidade de enxugamento de quadros. Prevaleceu uma visão instrumental e autoritária de modernização dos mecanismos de governo, sendo que, a partir de 1995, o Estado atuou desconhecendo e desestruturando suas competências instaladas, com o pensamento de que qualquer ação seria melhor realizada pela iniciativa privada ou se terceirizada. (PMDI, 2000-2003, p.30) Segundo o planejamento da gestão Itamar Franco, as estratégias da década de 1990 se viram alienadas da realidade social. Daí a ênfase colocada no melhoramento do modelo, a partir da recuperação do controle democrático, com enfoque na participação da sociedade como a principal distinção do novo modelo, integrando os propósitos econômicos aos sociais, através da gestão partilhada, pela descentralização da formulação das políticas públicas e pelo controle de baixo para cima.

[...] o Governo Estadual anterior e, atualmente, o Governo Federal contrataram o planejamento governamental a consultorias privadas e até internacionais que podem saber ler números e tendências globais, mas são insensíveis aos sentimentos e às aspirações mais profundas dos mineiros e dos brasileiros. (PMDI, 2000-2003)

Segundo o próprio documento, o estado teria sido impedido até então, de utilizar seu instrumento de planejamento como forma de oposição ao modelo do Governo Federal,

considerado por aquele, como de cunho neoliberal. A forma de resistência ao modelo criticado em âmbito estadual dar-se-ia pela introdução de consultas às bases sociais; pela disseminação de informações como pressuposto da democratização das informações para a sociedade, pela descentralização e consequente autonomia dos módulos/órgãos do sistema estadual e dos mecanismos de fiscalização pela sociedade; e pela regionalização de políticas públicas, partindo inicialmente da recuperação da capacidade financeira do estado. Mas, apenas o discurso era oposicionista ao Governo Federal. O estado aderiu fortemente às reformas nacionais:

O que se requer para a construção de uma política social nova é uma expansão da participação social que leve adiante as mudanças que o Estado deve institucionalizar e legalizar e que, simultaneamente, controle as deformações burocráticas desse Estado. Daí a importância de “desprivatizar” o Estado, colocando-o cada vez mais sob o controle da sociedade civil, em especial no que se refere às políticas sociais. (PMDI, 2000-2003)

Neste contexto se justificou a criação da Escola Sagarana e sua designação como “A Escola Democrática”, que serviu de base para a construção de programas estratégicos e programas permanentes tendo como eixos a inclusão, a participação, a autonomia e a gestão democrática da escola, a valorização dos profissionais da educação, a relação da escola com a comunidade e com outras políticas públicas sociais, a descentralização e a melhoria da qualidade, por meio de programas de avaliação de desempenho41.