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CAPÍTULO 1 Influências e tendências presentes na política avaliativa do Estado de

1.5 O incremento do controle versus o discurso da Democracia

Nos discursos atuais em que se utilizam os princípios da Administração de Empresas na Administração Pública, a preocupação com a qualidade se relaciona tanto com a competitividade do mercado global quanto com a questão da cidadania. Sendo o cidadão aquele que mantém o aparato governamental por meio do pagamento dos impostos, considera- se que em contrapartida deve receber serviços públicos de qualidade equivalentes à contribuição paga, e para tal, deve valer-se do controle sobre esses serviços, para defesa de seus direitos. Para garantia desses serviços, o governo tem lançado mão de alguns mecanismos e princípios como a eficiência, a publicidade, a transparência, a legalidade e o controle pelo Executivo, pelo Legislativo e pelo Judiciário.

Espera-se que nas sociedades democráticas, o governo seja responsável pelos cidadãos e pelos serviços públicos a estes prestados. Contudo, acredita-se que o poder concedido pelo povo ao Estado, por meio do voto, é insuficiente para resguardar os interesses públicos, e que o controle das ações do governo só poderá ser realizado pelos cidadãos. Para isso, estes devem estar bem informados. Acredita-se ainda que o controle interno dos serviços públicos é insuficiente para garantir serviços de qualidade para a sociedade. Por essa razão, torna-se cada vez mais presente no país, a defesa da accountability.

O termo accountability tem sido frequentemente empregado como sinônimo de responsabilização ou dever de responder por algo perante outrem. No caso da educação, o termo tem sido empregado para designar a responsabilidade dos agentes públicos em responderem pelos resultados das unidades escolares perante a sociedade.

Veloso (2009) defende que a responsabilização dos atores envolvidos no processo educacional pelos resultados pode ser feita por meio da divulgação pública das notas das

escolas nas avaliações externas, com o objetivo de gerar pressão por parte de pais e gestores sobre as escolas com piores resultados.

Para Campos (1990) a accountability deve ser entendida como questão de democracia e tende a acompanhar o avanço dos valores democráticos, como igualdade, participação, representatividade e governo pelo povo. Nesse sentido, a autora defende que um controle efetivo que coíba abusos do poder por parte do governo é consequência da cidadania, sendo o desenvolvimento da consciência popular a primeira condição para a democracia participativa, e, portanto, para a accountability, e tal controle efetivo será determinado pela qualidade das relações entre governo e cidadãos, sendo que a responsabilidade ou não responsabilidade dos servidores públicos será consequência das atitudes e comportamentos das próprias “clientelas”.

Para Brooke (2006) a responsabilização no Brasil, enquanto consequência da cidadania – expressa na conexão entre impostos e o funcionamento da escola pública - é “indireta e opaca”.

Segundo Melo (2007) a responsabilização tornou-se a dimensão privilegiada no debate sobre a boa governança e a discussão da qualidade da democracia se tem reduzido à questão da accountability.

Na educação, as estruturas de incentivos e de divulgação atreladas a resultados de alunos em avaliações externas consideradas como programas de responsabilização dos profissionais da educação são justificadas pela ideia de que incentivos financeiros alinhariam o objetivo de professores com os objetivos das autoridades educacionais, como se fossem objetivos divergentes. Há ainda o raciocínio de que a produtividade do professor não é plenamente observável e mensurável, o que requereria formas de incentivo que motivassem/punissem os professores conforme o alcance de resultados estipulados.

Fatores aleatórios aos resultados são riscos suportados pelos professores. Lima (2011) argumenta que mesmo utilizando como referência para os incentivos apenas os resultados de avaliações externas, o que evitaria subjetividade e práticas aéticas, outras dimensões do conhecimento podem não ser contempladas e o resultado pode ser o foco no resultado e nos conhecimentos exigidos nas avaliações.

No cenário atual, em que se busca inspiração no setor privado, a ausência de concorrência é vista como prejudicial ao sistema de incentivos, por isso, o governo tem lançado mão da publicização como forma de melhorar a qualidade dos serviços. Esse artifício usa como incentivo a concorrência entre as escolas e a disputa por alunos entre as mesmas ao

incentivar a escolha da escola pelos pais, ainda que veladamente, desconsiderando-se os efeitos causados nos alunos.

Para o caso de Minas, em que os mecanismos de incentivo se dão sobre a produção da equipe, certos participantes podem se aproveitar do fato, acarretando assimetria de esforços.

Brooke (2006) subdivide os componentes da responsabilização em quatro tipos: o componente “autoridade”, formado pela decisão por parte das autoridades de tornar públicas as diferenças de nível de desempenho das escolas; o componente “informação”, formado pelo uso de testes padronizados para fazer a publicização; o componente “padrões”, formado pelos critérios para análise das informações; e o componente “consequência”, relativo à aplicação de incentivos ou sanções conforme padrões estabelecidos. O autor distingue ainda três tipos de responsabilização: 1) a burocrática, em que se procura a conformidade com as normas legais; 2) a comportamental, que exige um comportamento em obediência às normas formais da profissão perante os pares e 3) a responsabilização por resultados, onde o educador é responsabilizado perante as autoridades e o público, pela aprendizagem dos alunos.

Defendemos que há um quarto tipo de responsabilização, que é a do educador perante ele próprio, e que designaremos como responsabilização subjetiva.

Gremauld & Fernandes (2009) enumeram alguns elementos comuns aos programas de accountability escolar: o uso de indicadores de frequência, evasão, insumos (com destaque para os resultados dos testes padronizados), a corresponsabilidade de diretores e professores pelos resultados de seus estudantes e a presença de incentivos que envolvem a publicidade dos resultados, prêmios ou punições. Segundo o autor, existe uma confusão entre responsabilidade e culpa. Este enfatiza que a crença de que os responsáveis pela educação possam vir a modificar procedimentos não significa que sejam culpados pelo baixo desempenho dos alunos. Contudo, o autor não desenvolve seu argumento.

A atribuição de responsabilidade no sentido em que o termo é empregado (prestar contas de algo a alguém) implica a existência de um ator responsável. É possível observar que a responsabilidade é atribuída aos níveis mais baixos (gestores escolares e professores, no caso da educação), enquanto que os níveis centrais têm sua responsabilidade difusa por meio de mecanismos de desconcentração e descentralização, tal como argumenta Melo (2001), que considera que a desconcentração de poder inviabiliza o controle pelos cidadãos dos ocupantes de níveis mais altos do governo, ao passo que aumenta o controle sobre os agentes públicos de níveis mais baixos.

Conforme Gremauld & Fernandes (2009), para que programas de accountability possam contribuir no sentido de mudar práticas e hábitos é necessário que os agentes da

mudança tenham autonomia para fazê-lo. Ainda segundo o autor, existem dois tipos de accountability: à que se limita a divulgação dos resultados dos estudantes por escolas e sistema educacional o autor chama de “accountability fraca” e à que atrela prêmios e punições a resultados de avaliações padronizadas chama de “accountability forte”.

A fim de apreender a ação do estado por meio de seus instrumentos de avaliação e responsabilização, recorreu-se neste trabalho também ao conceito de regulação. Segundo Barroso (2006), dá-se o nome de regulação às ações que orientam as atividades e interações dos atores sobre os quais se detém certa autoridade e que orientam os reajustamentos provocados por essas mesmas regras, dada a diversidade de atores envolvidos.

A partir dos trabalhos de Maroy e Dupriez (2000) e de Reynaud (1997, 2003), Barroso (2006) identifica duas formas de regulação: a regulação institucional, normativa e de controle, como a intervenção das autoridades públicas para introduzir “regras e constrangimentos” no mercado ou na ação social e a regulação situacional, ativa ou autônoma, que envolve os modos como os atores se apropriam destas mesmas regras e as transformam.

Considera-se neste trabalho que nas duas últimas décadas, o país sofreu mudanças importantes nos modos como é exercida a coordenação e o controle das ações das escolas, dos profissionais da educação, das famílias e dos alunos.

Barroso (2006) considera que o modelo de regulação até então vigente, caracterizado pela ação conjunta do “Estado Educador” e dos Profissionais da Educação num modelo formado pela combinação entre um controle estatal burocrático administrativo e uma regulação autônoma e pedagógica, vem perdendo legitimidade, o que está na causa das atuais transformações nos modos de regulação, por força de um conjunto de alterações que o autor designa como “avulsas e aparentemente contraditórias”. As alterações enunciadas pelo autor correspondem às mudanças verificadas no contexto do planejamento mineiro e que constituem o Estado para Resultados,38 como se pode comparar:

O reforço da autonomia dos actores e entidades locais na gestão, coordenação e pilotagem de certas responsabilidades educativas e gestionárias [grifos nossos] (o que põe em causa os princípios da burocracia estatal); o controle da autonomia desses actores e dessas entidades locais através da introdução de novos métodos e instrumentos, como por exemplo: reforço dos dispositivos de avaliação, em participação pela “obrigação de resultados”; mecanismos de escolha e concorrência das escolas; controle das escolas pelos utilizadores através de mecanismos de participação e prestação de contas; etc. (BARROSO, 2006)

Segundo o autor, a derrocada da regulação burocrata-profissional (a serviço do bem público e do interesse público) e a emergência da regulação transnacional resultaram num

processo de mistura de discursos, práticas e lógicas de formas distintas de regulação, como a regulação burocrática e a regulação de mercado, com coexistência de estratégias de regulação, desregulação, recentralização, descentralização, autonomia e controle.

Finalmente, o autor faz menção à microrregulação local, como sendo o conjunto das regras, estratégias e ações de vários atores, através do qual as normas, as injunções e constrangimentos da regulação nacional são reajustados localmente, muitas vezes de modo não intencional ou perceptível pelos mesmos, por meio da interação social.

Atualmente fala-se em uma multirregulação, que opera pelo controle propiciado pela avaliação, e pela transferência de poder aos pais, através da escolha das escolas somada à regulação burocrática e a novos princípios, como eficácia, competência, qualidade, concorrência etc. Nesse processo situa-se o modelo do Estado Avaliador, como aquele que visa a melhorar a qualidade das escolas através da avaliação e de acordos de metas, onde as partes se obrigam a alcançar metas estabelecidas e a proceder a possíveis ajustes ou reajustes.

As políticas nacionais podem ser entendidas como diferentes variações e amálgamas entre modelos de gestão “quase-mercados” e de Estado Avaliador. Se há certas zonas em que as forças de mercado são as responsáveis pela regulação do sistema escolar podemos observar, em coexistência, áreas de intervenção do Estado, que define as metas e objetivos centrais e procede à avaliação dos resultados, processos, procedimentos e práticas. (MAROY, 2006)

Maroy (2006) designa esses novos formatos de regulação como pós-burocráticos, por não mais se fundarem na racionalidade e na lei, antes, fundamentam-se em uma racionalidade instrumental e na performatividade (BALL, 2005), para a qual o que interessa são os resultados mensuráveis, na contratualização e na competição.

Para Ball (2005) a performatividade está interligada com um tipo específico de autonomia econômica (em vez de moral) para as instituições e, em alguns casos, para os indivíduos. Para o autor, novas formas de disciplinas são instituídas e novos sistemas éticos são introduzidos, baseados no interesse próprio e no valor performativo.

A performatividade é uma tecnologia, uma cultura e um método de regulamentação que emprega julgamentos, comparações e demonstrações como meios de controle, atrito e mudança. Os desempenhos de sujeitos individuais ou de organizações servem de parâmetros de produtividade ou de resultado, ou servem ainda como demonstrações de “qualidade” ou “momentos” de promoção ou inspeção. (BALL, 2005)

Para Féres (2012) o discurso da avaliação como forma de regulação das políticas educativas e instrumentos de controle se aproxima daqueles que resistem à avaliação.

Sobre a avaliação como forma de regulação das políticas educativas e instrumentos de controle, eu precisaria de mais dados sobre estas afirmativas para emitir uma opinião mais adequada. Entretanto, este discurso parece muito próximo daqueles que resistem à avaliação. Para mim, a regulação e o controle não são um problema em si. O problema é a forma como se regula ou controla. Por isso, entendo

que é muito difícil discutir estas coisas de forma isolada. É preciso ter clareza da política educacional e da concepção de escola. Sendo mais explicita, é o projeto político-pedagógico que define o desenvolvimento do processo educativo como um todo. (FÉRES, 2012)