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As conseqüências dos valores humanos manifestam-se em todos os fenômenos

estudados pelos cientistas sociais (ROKEACH, 1973).

Segundo Rokeach, os valores representam crenças do tipo prescritivo, ou seja, crenças sobre o que é desejável ou não desejável, em relação às quais o indivíduo age por preferência. Para o autor, os valores são tendencialmente estáveis e permanentes porque são inicialmente transmitidos de uma forma absoluta. A aprendizagem individual através da experiência é que

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estimula a hierarquização de valores e o grau de adesão parcial a cada um deles. Assim, apesar da estabilidade que assegura uma continuidade individual e social, os valores têm igualmente uma característica evolutiva que permite a sua mudança ao longo do tempo (ROKEACH, 1973). Em concreto, os valores existem em número reduzido e quantificável, referindo-se a preferências estáveis por determinados modos de conduta (valores instrumentais) ou estados-finais de existência (valor terminais), em detrimento de outros49. Os

valores instrumentais representam a preferência por um determinado comportamento,

distinguindo os valores morais que, quando violados, provocam sentimentos de culpa (por exemplo, agir de forma honesta) dos valores de competência, centrados na pessoa e não na sua relação com os outros, que, quando violados, provocam a sensação de vergonha e de incompetência (por exemplo, agir de forma lógica). Os valores terminais representam a preferência por estados-finais de existência, distinguindo os valores centrados no indivíduo (por exemplo, paz interior) dos valores centrados na sociedade (por exemplo, fraternidade). Apesar de não se dever estabelecer uma relação de um para um entre os valores dos dois tipos, Rokeach considera que os valores humanos têm uma importante função motivacional, segundo a qual o cumprimento e obediência aos valores instrumentais visa alcançar os estados-finais desejados (valores terminais), e estes estados-finais visam atingir objetivos maiores que estão além das necessidades biológicas imediatas e que, ao contrário destas, não são esporádicos nem parecem ser plenamente saciáveis (ROKEACH, 1973).

Para alcançar uma lista final de valores instrumentais e valores terminais que evitasse redundâncias, mas que fosse satisfatoriamente exaustiva, Rokeach adotou diversos métodos de inventariação e de seleção de valores. Com base numa extensa revisão de literatura, na realização de testes empíricos e na visão pessoal do autor, foi elaborada uma lista exaustiva de várias centenas de valores terminais. Por meio da eliminação dos valores redundantes, muito específicos ou que não representassem estados-finais de existência, alcançou-se a lista final de 18 valores terminais. Em relação aos valores instrumentais, a partir da lista de 555 traços de personalidade elaborada por Anderson (1968), na qual cada traço é simbolizado por uma palavra com uma valoração positiva ou negativa, foi construída uma lista inicial de 200 valores, retendo apenas aqueles com valorização positiva. Desta lista, foram ainda apenas retidos os valores não aproximados ou minimamente correlacionados que melhor representavam a sociedade norte-americana, que permitiam maior discriminação em termos

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Esta distinção proposta por Rokeach respeita os princípios filosóficos de Hessen (2001) e de Rescher (1969), segundo os quais os valores podem ser formalmente classificados como instrumentais (ou dependentes) e finais (ou autônomos).

de classe social, gênero, raça, idade, religião, ideologia política, que tivessem sentido em todas as culturas e cuja concordância não sugerisse imodéstia ou vaidade. Foi assim elaborada uma lista final de 18 valores instrumentais50. Embora inúmeros estudos empíricos posteriores realizados em diversos países confirmassem a pertinência da lista de valores de Rokeach, a sua adesão original à cultura norte-americana constitui uma forte limitação à desejável universalidade dos valores humanos. No Quadro 7 são enunciados os valores instrumentais e terminais propostos e validados empiricamente por Rokeach.

Valores Instrumentais Valores Terminais

Ambição Uma vida próspera Espírito Aberto Uma vida excitante

Competência Um sentido de realização Alegria Um mundo de paz

Pureza Um mundo de beleza Coragem Igualdade

Perdão Segurança familiar Auxílio aos outros Liberdade

Honestidade Felicidade Imaginação Harmonia interior Independência Amor

Inteligência Segurança nacional Racionalidade Prazer

Afetividade Salvação Obediência Auto-estima

Simpatia Reconhecimento social Responsabilidade Amizade

Auto-controle Sabedoria

Para testar empiricamente estes valores, Rokeach elaborou um questionário que designou Rockeach Value Survey (RVS), no qual apresentava as listas dos valores instrumentais e terminais (tal como constam no Quadro 7) com uma breve descrição dos mesmos, pedindo aos respondentes que ordenassem, em cada lista, os valores segundo o grau

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O procedimento geral para a elaboração das listas finais é essencialmente intuitivo e tanto num caso como noutro, o limite de 18 valores foi imposto pelo autor com base na convicção de que seria excessivamente difícil para os respondentes analisar e ordenar mentalmente mais do que 18 valores.

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de importância relativa que lhes atribuíam como princípios orientadores da vida. Esta ordenação assume que não se trata, portanto, de avaliar a absoluta presença ou total ausência de cada valor, mas sim a sua prioridade relativa. A escala de Rokeach permite conhecer a hierarquia individual de valores e a sua relação com outra variáveis pessoais, sendo freqüentemente adotada como meio de aceder aos valores de gestores e administradores, especialmente de sociedades ocidentais (BIGONESS & BLAKELY, 1996). A sua aplicação estende-se também aos quadros não gerentes de empresas e à pesquisa sobre a dimensão ética das decisões organizacionais (ROOZEN et al., 2001).

Esta solução operacional facilitou a reprodução de pesquisas sobre valores humanos em múltiplos contextos e estimulou o desenvolvimento de teoria sobre o tema. Embora concebida originalmente para aplicação à realidade norte-americana, o que constitui uma insuficiência teórica reconhecida pelo autor (ROKEACH, 1973), a teoria de Rokeach foi testada em inúmeros pesquisas ao longo das últimas décadas, permanecendo como um dos mais populares métodos para avaliação das prioridades axiológicas dos indivíduos (ROHAN, 2000). No entanto, a inexistência de uma teoria sobre a estrutura subjacente ao sistema de valores que consta do RVS, torna a proposta de Rokeach uma lista de valores sem aparente relação entre si, impossibilitando a compreensão dos efeitos e do significado das preferências axiológicas de cada pessoa (ROHAN, 2000). Talvez a maior contribuição de Rokeach consista na forma como estudou a natureza dos valores humanos, integrando o pensamento filosófico, os conhecimentos da psicologia e as teorias sociais. A sua visão do sistema de valores é teoricamente consistente e clarificadora dos mecanismos que regulam a aceitação ou rejeição de determinados valores. Rokeach (1973) esclarece que quando um valor é apreendido, passa a integrar um sistema organizado de valores, no qual cada valor é ordenado de acordo com a sua prioridade em relação aos restantes. Assim, este sistema é estável o suficiente para assegurar a continuidade de uma personalidade única desenvolvida numa dada cultura, permitindo, ao mesmo tempo, uma reordenação dinâmica de prioridades decorrente de alterações no meio envolvente ou de experiências pessoais (ROKEACH, 1973).

Apesar das críticas ao seu método e à limitada capacidade de generalização das suas conclusões, o pensamento de Rokeach foi pioneiro na busca sistemática pela compreensão da ordem e dos sistemas de valores que animam o ser humano e orientam suas escolhas na vida. Os seus estudos aplicados e as suas reflexões esclarecidas estimularam a pesquisa empírica e permitiram o desenvolvimento de novas abordagens no estudo dos valores humanos.

2.2.4.2. A Teoria Motivacional de Schwartz

Atualmente, a teoria sobre os valores humanos básicos da autoria de Shalom Schwartz é uma das mais referenciadas no estudo empírico de valores, sendo a sua metodologia amplamente aceite e adotada por pesquisadores de todo o mundo. Schwartz (2005a) propõe “uma teoria unificadora para o campo da motivação humana, uma maneira de organizar as

diferentes necessidades, motivos e objetivos propostos em outras teorias” (2005a: p. 21). Para

o efeito, os valores individuais são considerados por Schwartz como fins da ação humana cujo alcance permite satisfazer uma ou mais das três necessidades básicas da sua existência: as necessidades biológicas; as necessidades de interação social coordenada; e as necessidades de sobrevivência e de bem-estar dos grupos (SCHWARTZ, 1992, 1994, 2005a). Os valores representam, portanto, objetivos gerais que visam satisfazer necessidades humanas básicas. Com base em uma revisão extensa da literatura relevante sobre o tema, Schwartz (2005a) identifica cinco características fundamentais dos valores humanos:

1. Valores são crenças. Rockeach (1973) considera que um valor, sendo uma crença,