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As consequências científicas do contexto institucional do departamento de fisiologia

2. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS PARA UMA HISTÓRIA BIOGRÁFICA DO

3.6 As consequências científicas do contexto institucional do departamento de fisiologia

incentivos presentes no departamento de fisiologia; e, por sua vez, isso possibilitou o afastamento de Skinner de regras científicas canônicas da psicologia experimental estadunidense e, como abordaremos, da própria fisiologia, sem nenhum risco de sanções à sua atitude.

3.6 As consequências científicas do contexto institucional do departamento de fisiologia !

A previsão de Skinner de que a escolha do departamento de fisiologia lhe garantiria oportunidade de pesquisar aquilo que o havia conduzido à psicologia, sob a tutela de um pesquisador influente como Crozier, foi concretizada com sua transferência para tal espaço acadêmico. Neste ponto, averiguamos em que medida a consolidação dessa previsão em conjunto com a postura de Skinner perante o conhecimento psicológico, incidiu na manutenção e na emergência de um estilo de trabalho desse cientista, no qual prevaleceram à liberdade para investigar temas de seu exclusivo interesse; o que, por conseguinte, incidiu também na possibilidade de emergência de peculiaridades do seu projeto inicial de uma nova ciência do comportamento, incompatível com a produção psicológica de Harvard e incompatível em termos metodológicos com o mainstream da psicologia experimental estadunidense.

Sobre essa conjectura, salientamos que não foi nosso objetivo reduzir a explicação das formulações científicas iniciais de Skinner ao contexto institucional de sua produção. A existência de uma diversidade de fatores de ordem teórica, metodológica, empírica, instrumental – e de nosso interesse – institucional e biográfica envoltos nas pesquisas de Skinner em Harvard impede qualquer tentativa de explicação total dos eventos relacionados às suas formulações científicas. De todo modo, considerando os objetivos deste estudo, avaliamos

o desenvolvimento da produção científica de Skinner, naquele momento, como consequência também dos aspectos tratados até este ponto da investigação, como o seu aparente desconhecimento/desprezo pelo saber psicológico e sua vinculação ao departamento de fisiologia e a Crozier.

O mencionado viés internalista predominante na historiografia da análise do comportamento, exposto na introdução, prevalece nas interpretações das formulações iniciais de Skinner em Harvard. A ênfase dada ao complexo arranjo conceitual resultante das pesquisas que o conduziram a propor uma nova ciência do comportamento expressa essa tendência. Vale dizer que tal historiografia mencionou o desconhecimento/desprezo de Skinner pelo saber psicológico e a sua vinculação ao departamento de fisiologia e a Crozier, como parte da explicação da história inicial da ciência skinneriana. No entanto, quando referidos, esses elementos figuram de forma secundária na elucidação desse quadro histórico; no melhor dos casos, como veremos, como hipóteses históricas inacabadas, sem nenhum indício de seus papeis concretos nos rumos das formulações científicas de Skinner, no seu percurso profissional e na posterior organização da análise do comportamento como comunidade científica.

Dois acurados exames conceituais das elaborações científicas de Skinner em sua primeira década (Coleman, 1981; Sério, 1990) ilustram o tratamento secundário conferido a fatores institucionais do início de sua carreira. No primeiro caso, Coleman (1981) analisa a influência teórica de Crozier como explicação da imunização de Skinner contra o mainstream da psicologia animal estadunidense. Tal análise é realizada por meio de densa pesquisa conceitual e realça a complexa e peculiar acomodação do conceito de reflexo no programa de pesquisa inicial de Skinner. Nessa análise Coleman (1981) também sugere, ainda que de modo breve e genérico, que a afiliação ao departamento de fisiologia e ao seu chefe comporiam parte da explicação da produção científica de Skinner. Contudo, o detalhamento dessa afiliação e

seus efeitos não são analisados, uma vez que seriam parte de uma outra história. Como ele explicou: !

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Neste contexto de suspeita do reflexo no fim dos anos 20, os esforços de Skinner para reabilitar o reflexo para uso em uma ciência descritiva do comportamento parecia levemente anacrônico. A locação de sua mais recente pesquisa [pesquisa de Skinner] fora da corrente central da psicologia animal e dentro do Departamento de Fisiologia Geral, de W.J. Crozier, na Universidade de Harvard, provavelmente o isolou de alguns desses acontecimentos e deve ter contado, excentricamente, para o caráter de campanha de alguns dos seus primeiros escritos, particularmente seus escritos de 1932 (c.f. Skinner, 1979, pp. 34-35, 76, 178-179). Isso, no entanto, é uma história que não podemos explorar aqui [Grifo nosso]. (Coleman, 1981, p. 211).

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Em consonância com essa análise, Sério (1990) conjectura que Crozier influenciou cientificamente Skinner e acrescenta que o fato de estar associado ao chefe de departamento de fisiologia o isentou de recorrer à produção da psicologia, isolando-o também de prováveis críticas advindas desse campo. A autora menciona que tais fatores foram responsáveis por Skinner adquirir determinado estilo de trabalho em sua primeira década na área. Segundo ela: “mais do que uma mera influência inicial, estes dois fatores – o isolamento da psicologia e a vinculação a Crozier – parecem de alguma forma ter possibilitado um certo estilo de trabalho que se manteria, pelo menos, até 1938” (1990, p.52). Embora Sério (1990) levante a hipótese de que elementos como o isolamento em relação à psicologia e a influência teórica de Crozier contribuíram para a emergência e a manutenção de determinado estilo de trabalho de Skinner, essa suposição não é desenvolvida e sua análise histórica se mantém dirigida para o nível conceitual do avanço teórico e metodológico da ciência skinneriana em seus primórdios. Com isso, por se centrarem em uma história conceitual, as apreciações de Sério (1990) e Coleman (1981) pouco esclarecem como a produção científica de Skinner vincular-se-ia à esfera

institucional do departamento de fisiologia geral em Harvard e as condições concretas experimentadas por esse cientista naquele espaço.

A hipótese não desenvolvida de Coleman (1981) e Sério (1990) – de que fatores como o isolamento e a vinculação a Crozier moldaram o estilo de trabalho de Skinner durante sua primeira década de atuação na psicologia – é consonante com achados de nossa investigação. Todavia, distinto do presumido pelos autores, argumentamos que o estilo de trabalho adquirido por Skinner, no qual o predominaram seu parcial desconhecimento da produção científica em psicologia, seu isolamento e sua liberdade, extrapolou a primeira década da sua carreira. Na verdade, foi conservado e fortalecido durante todo o percurso acadêmico de Skinner, com implicações na história da recepção de sua ciência e com impactos visíveis na organização social da análise do comportamento como comunidade científica. Aspecto tratado ao longo dos demais capítulos.

A ênfase no desenvolvimento conceitual do sistema científico de Skinner e a ausência de apreciação de fatores institucionais e seus desdobramentos não desqualificam análises como as realizadas por Sério (1990) e Coleman (1987). Embora – por se conservarem direcionadas a uma história interna da análise do comportamento – revelem uma lacuna na historiografia dessa ciência. Ao mesmo tempo, são sintomáticas de um panorama mais amplo da historiografia do behaviorismo, no qual elementos referentes à esfera microssocial, em geral, foram e são ainda muitas vezes relegados ao papel de mera história acessória. Contudo, isso não significa, no contexto desta pesquisa, qualquer defesa extremada de apreciações sociais da ciência em detrimento de análises conceituais, internas.

As investigações conceituais, como as de Coleman (1981) e Sério (1990), por terem delineado com riqueza de detalhes a história do projeto científico skinneriano, proveem, àqueles interessados na historiografia da análise do comportamento, não menos que

informações valiosas para uma complementação entre a história conceitual e social desse campo de conhecimento. Tentativa empreendida, a seguir, mesmo que de modo preliminar, com o objetivo de diminuir a lacuna histórica entre a produção científica de Skinner e o contexto acadêmico e institucional no qual esse cientista esteve nos primeiros sete anos de sua carreira, e seus posteriores impactos na sua carreira e na formação da análise do comportamento. !

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3.7 Para além da psicologia e da fisiologia: a transgressão do conceito de reflex !

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A afiliação de Skinner ao departamento de fisiologia e a Crozier propiciou a ele acesso imediato às condições previstas ao escolher aquele ambiente acadêmico para a realização de seu doutorado. A mencionada disponibilidade de espaço, tempo e financiamento para empreender individualmente suas pesquisas, sem a imposição de temas e métodos de investigação são as mais evidentes provas disso. Não por acaso, em menos de dois anos, de 1929 a 1930, Skinner concretizou entre sete e oito projetos de pesquisa, muitos dos quais efetuados de modo simultâneo (Coleman, 1987; Sério, 1990; Skinner, 1979). Tais projetos objetivaram o aperfeiçoamento de instrumentos capazes de prover condições para que a emissão de respostas comportamentais de sujeitos experimentais infra-humanos (ratos) ocorresse o mais rápido possível, sem a necessidade de supervisão do experimentador e, sobretudo, que fossem registradas automaticamente. A finalidade das pesquisas era a busca e a descrição gráfica da regularidade comportamental de organismos intactos (Sério, 1990; Skinner, 1956; 1965; 1979).

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