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Skinner, Hull e Tolman: as disputas pelo estabelecimento de uma ciência

4. PERCALÇOS NA HISTÓRIA DA CIÊNCIA: A RECEPÇÃO INICIAL DO PROJETO

4.4 Skinner, Hull e Tolman: as disputas pelo estabelecimento de uma ciência

A escolha de Hull e Tolman, por parte de Skinner, como representativos da recepção de sua ciência e de como ela integrava complexo campo de disputa científica, indica as significativas aspirações de Skinner quando publicou The Behavior of Organisms. Hull e Tolman estavam entre os mais conceituados psicólogos estadunidenses da primeira metade do século XX e, na visão de Skinner, igualmente, publicaram livros marcos na história da psicologia experimental. Por essa razão ele afirmou:

Duas outras análises teóricas experimentais do comportamento constituem o contexto histórico em que este livro deve ser avaliado. Comportamento

Intencional em Animais e Homens precedeu O Comportamento dos Organismos em seis anos; Princípios do Comportamento de Hull foi

publicado cinco anos depois. Os três livros diferem em muitas maneiras: eles se comprometem a resolver diferentes problemas e eles buscaram soluções em diferentes lugares. (Skinner, 1988, p. 355).

Para nossos propósitos, neste ponto, interessa menos conhecer as diferenças entre as propostas científicas desses autores e mais compreender como Hull e Tolman recepcionaram o livro de Skinner e como esse reagiu a essa recepção; visto que o maior incômodo de Skinner ocorreu em virtude da falta de reconhecimento público e não em função da emissão de qualquer crítica negativa a seu livro.43

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43!Para uma introdução ao debate conceitual acerca das obras de Hull e Tolmam ver: Abib (1997),

Hull foi o primeiro alvo das reivindicações de Skinner por reconhecimento. Em carta enviada a Keller meses após a publicação de The Behavior of Organisms, Skinner se mostrou insatisfeito perante a ausência de comentários públicos de Hull sobre seu livro. Tal desagrado teria para Skinner (1979) justificativa no fato de que Hull utilizava o seu método de pesquisa, sem, contudo, fazer referência a ele. “Hull ainda não quebrou seu completo silêncio sobre o livro (O Comportamento dos Organismos) e sobre seu próprio trabalho com o método” (p. 269). Skinner (1979) ainda relatou que muitos experimentos apresentados por Hull foram realizados com “caixas de Skinner”, porém não havia quase nenhuma menção a seu livro. Por essas razões, ele proferiu: “Hull tendeu a passar por cima do meu trabalho” (p. 269-270).

A falta de pronunciamento público de Hull não significou, todavia, negligência pelo trabalho de Skinner. Hull escreveu para Skinner em 1934, ainda quando este cursava seu pós- doutorado em Harvard, comunicando-o que estava seguindo suas pesquisas com grande interesse (Bjork, 1993/2006). O próprio Skinner (1979) recordou que Hull expressou simpatia por sua proposta de uma nova ciência do comportamento um ano antes, em 1933, e lembrou que, após sua apresentação no encontro da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), “ele [Hull] se levantou e disse que queria chamar a atenção do público para o trabalho desse jovem homem” (p. 204). Uma semana após o episódio, Hull enviou carta a Skinner relatando o mérito de suas pesquisas e solicitando-lhe o envio de uma cópia da apresentação. Na mesma carta, Hull convidou Skinner para apresentar um seminário em seu laboratório, na Universidade de Yale. Esse foi apenas o primeiro contato de muitos outros que ocorreram entre eles ao longo das duas décadas seguintes (Skinner, 1979).

A insatisfação de Skinner quanto à falta de alusão pública de Hull acerca de seu livro é legítima se considerarmos que este utilizou a “caixa de condicionamento operante” e o “registro cumulativo”, ambos instrumentos científicos inventados por Skinner. Porém, necessita ser

atenuada no que diz respeito à aplicação do seu método. Mesmo que Hull tenha recorrido à “caixa de Skinner” e ao “registro cumulativo”, ele não empregou o delineamento experimental de sujeito único e muito menos desenvolveu explicação do comportamento baseada nas formulações de Skinner. Além do mais, Hull efetuou adaptações no aparato, utilizando, por exemplo, duas barras de pressão, em vez de uma.

Ulteriormente, o próprio Skinner (1979) alegou que Hull não havia deliberadamente desconsiderado suas formulações. Hull era, até então, o único psicólogo – excetuando-se Keller – que mostrou interesse pelas suas pesquisas. Não por coincidência, Hull e seus alunos, a contragosto de Skinner (1938/1966), foram os responsáveis por denominar a caixa de condicionamento operante de “caixa de Skinner”. Por essas razões, e pelo fato de que não se utilizava também das formulações de Hull, Skinner mitigou seu descontentamento ao afirmar: “Eu raramente reclamei, porque eu mesmo nunca fiz qualquer uso do trabalho de Hull ou de seus estudantes, particularmente de Kenneth Spence ou Neal Miller. Meus resultados não se encaixavam em suas teorias nem os seus resultados em minhas formulações” (1979, p. 270).

Ao contrário de Hull, Tolman, por sua vez, ainda que informalmente, se pronunciou sobre o livro de Skinner. Em carta enviada a Ferrin, editor da Appleton-Century-Crofts, responsável pela publicação dos primeiros livros de Tolman, de Skinner e de Hull, ele relata sua opinião positiva sobre The Behavior of Organisms. Na correspondência, Tolman observou:

O Comportamento dos Organismos. Eu o considero um livro marcante, tanto

por causa dos resultados experimentais muito importantes e por causa do claro e, a meu ver, extremamente significativo ‘sistema’ que se apresenta como arcabouço para esses resultados. Ele sempre terá um lugar muito importante na história da Psicologia. (carta de Tolman enviada para Ferrin, 1938, citada por Skinner, 1979, p. 221).

Skinner recebeu do próprio Tolman carta com comentários favoráveis sobre o livro. Na correspondência, Tolman declarou:

Há muito tempo eu não ficava tão animado intelectualmente como agora quando estou folheando o seu livro. É, naturalmente, uma contribuição muito importante para a ‘real’ Psicologia… Acho que as duas palavras, operante e respondente, são excelentes. Sua análise das funções do estímulo é também extremamente importante e todo o trabalho esclarece muitas das questões que sempre me preocuparam… Quero parabenizá-lo por sua passagem por Harvard tão belamente ileso!

P.S. E claro que eu fiquei satisfeito como nunca por ter sido mencionado no Prefácio. (Tolman, 1938).

Além da evidente exaltação das qualidades do livro, Tolman parabenizou Skinner por ter passado incólume por Harvard. Ou seja, em correspondência com nossa exposição no capítulo anterior, Tolman percebeu a proposta científica de Skinner como resultado de sua imunização contra as tendências no departamento de psicologia de Harvard. Contudo, mesmo que Tolman tenha informalmente elogiado o trabalho de Skinner, não utilizou as formulações teóricas e metodológicas apresentadas em The Behavior of Organisms. Como Hull, Tolman manteve inalterados os rumos de suas pesquisas e não se pronunciou publicamente sobre a obra de Skinner, seja por meio de uma resenha, seja por meio de qualquer outra publicação formal que referenciasse o livro de Skinner.

Sobre o fato de Hull não comentar o esboço do projeto científico skinneriano e Tolman comentá-la positivamente, mas não utilizar suas formulações, Skinner (1979, p. 270) sugeriu que “não foi, creio eu, um isolamento autocentrado por parte de ninguém, a ciência ainda não tinha encontrado uma formulação geral aceita”.44 Tal alegação de Skinner deve, contudo, ser interpretada com ressalva, pois – como expusemos e se tornará evidente ao longo de nossa narrativa – o isolamento de Skinner em diferentes sentidos foi de fato um isolamento autocentrado. Muito embora há que se considerar que a ideia de que a psicologia encontraria uma formulação geral aceita por toda a comunidade científica tenha sido parte de uma crença !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

44!Diferente de Hull, Skinner (1944) se pronunciou acerca do principal livro de Hull em uma revisão

perene e generalizada entre os psicólogos estadunidenses, durante quase todo o século XX (Leahey, 1992).

Uma das mais expressivas tentativas de estabelecimento de uma formulação geral aceita na psicologia experimental estadunidense foi o livro de Hull, Principles of Behavior: An

Introduction to Behavior Theory (1943). A respeito do empenho de Hull na elaboração de um

sistema geral do comportamento, Spence (1966, p. xvi) frisou a ambição daquele psicólogo ao expor que: “Hull tornou-se um defensor entusiasta do postulado do método formal. Ele estudou cuidadosamente o principal livro de Newton, Principia, e se esforçou para usá-lo como seu modelo…”. A crença de Hull na construção de uma ciência do comportamento nesses moldes era tal que:

... ele recomendou que, para ‘o bem de sua alma’, Skinner deveria ler

Principia Mathematica de Isaac Newton. Hull acreditava que não havia

problema insuperável na aplicação dos fundamentos teóricos de uma ciência para outra, e acreditava que ele poderia ser o Newton da ciência comportamental (Bjork, 1993, p. 111).

O principal livro de Tolman, Purposive Behavior in Animals and Men, de 1932, embora não siga a mesma perspectiva de Hull, se apresenta também como proposta de fundação de um sistema explicativo geral do comportamento. Ao comentar o papel histórico da obra, Krech (1967, p. xi) afirma que ela “representa um dos grandes sistemas da Era dos Construtores de Sistema na Psicologia Americana”. Livros como The Behavior of Organisms e o ulterior trabalho de Keller e Schoenfeld, Principles of Psychology: A Systematic Text in the Science of

Behavior, de 1950 – baseado em uma explicação operante do comportamento e organizado com

o objetivo de ser o primeiro livro-texto de psicologia –, igualmente retratam as inúmeras tentativas de estabelecimento de grandes sistemas na história da psicologia entre a segunda metade do século XIX e durante grande parte do século XX.·

Nesse cenário de disputa por autoridade científica se presume que o reconhecimento e a adoção de formulações de outros psicólogos por parte de Hull, Tolman e Skinner diminuiria as chances de reconhecimento de seus projetos científicos. Assim, a ausência de referências ou apenas elogios pontuais – como foram os casos de Hull e Tolman acerca do livro de Skinner – simbolizam a situação da psicologia experimental estadunidense daquela época, em que diversos psicólogos buscavam estabelecer a hegemonia de suas teorias; e não a total desconsideração da obra de Skinner. Isso é manifesto na atitude semelhante do próprio Skinner (1984b, p. 12) quando este afirmou: “os melhores exemplos de teóricos que eu estava atacando eram Clark L. Hull e Edward C. Tolman”.

4.5 O princípio da aceitação da ciência skinneriana e a coexistência com outras

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