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Mais pedras no caminho: a recepção inicial de The Behavior of Organisms

4. PERCALÇOS NA HISTÓRIA DA CIÊNCIA: A RECEPÇÃO INICIAL DO PROJETO

4.3 Mais pedras no caminho: a recepção inicial de The Behavior of Organisms

Na segunda metade da década de 1930 Skinner experimentou dificuldades para se dedicar ao desenvolvimento de seu sistema explicativo ao ingressar na Universidade de Minnesota. Porém, essas dificuldades, não implicaram no abandono dos seu planos. A tarefa

mais relevante efetuada na segunda metade da década de 1930 em direção ao estabelecimento de sua ciência foi a organização e a publicação do seu primeiro livro, The Behavior of

Organisms: An Experimental Analysis. Obra composta de uma síntese dos resultados das

pesquisas de Skinner nos anos de doutorado e pós-doutorado em Harvard, na qual ele alega: “não estava propondo apenas uma explicação de minha pesquisa, mas um ‘sistema’” (1979, p. 201).

Ao se referir à expressão “an experimental analysis”, do título do livro, Skinner (1979) diz que ela foi a tentativa inicial de demarcar novo campo de estudo na psicologia, o qual se diferenciava das demais ciências do comportamento por não utilizar teste de hipóteses, uso de grupos controle e médias estatísticas. A respeito da questão, Skinner recorda:

Eu tinha acrescentado ‘uma análise experimental’ ao título do meu livro, e eu comecei a me referir a toda a empreitada como ‘a Análise Experimental do Comportamento’. Isso difere de outros trabalhos sobre Psicologia Animal, principalmente porque eu não tinha médias estatísticas. Eu tinha quatro aparelhos e geralmente publicava resultados de quatro ratos em cada experimento, mas eu considerava cada rato separadamente. (1979, p. 214). Ainda que The Behavior of Orgnisms seja um marco na história da análise do comportamento (Catania, 1988; Skinner, 1938, 1979; Todorov, 2008), sua aceitação não se deu de forma automática e sem críticas. Na realidade, representa as dificuldades de aceitação do delineamento experimental de sujeito único – e as contínuas críticas à análise do comportamento nas décadas de 1930, 1940 e 1950 no contexto da psicologia experimental estadunidense. Críticas essas acompanhadas de implicações práticas que envolveram medidas restritivas aos primeiros praticantes da ciência skinneriana que, por conseguinte, tiveram implicações na futura organização comunitária da análise do comportamento como um grupo científico – aspecto detalhado neste e nos demais capítulos.

Os primeiros percalços para a aceitação dos resultados divulgados no livro de Skinner foram expressos nas críticas negativas recebidas logo após sua publicação, em 1938, e revelam o incômodo provocado pela desconsideração de Skinner em relação aos métodos e às teorias da psicologia experimental estadunidense daquele contexto. O próprio Skinner (1979) relacionou aquilo que julgou serem as críticas mais comuns nas revisões de The Behavior of Organisms. Na sequência, a lista é descrita em conjunto com os comentários de Skinner a cada uma das censuras feitas ao livro.

- A primeira crítica foi a de que o título do livro era pretensioso demais. Segundo Skinner (1979), tal crítica foi emitida com base na ideia de que experimentos com ratos eram incapazes de prover dados suficientes para um sistema científico do comportamento.

- Outra crítica afirmava que o livro havia negligenciado inúmeras pesquisas sobre aprendizagem e motivação. Skinner (1979) alegou que os críticos o acusaram de ter desprezado o conhecimento disponível sobre esses tópicos e de não ter realizado nenhum esforço sério para analisar a enorme literatura existente sobre aprendizagem e condicionamento. Para ele, isso seria uma perda de tempo, pois não via nada de promissor na literatura mencionada.

- Também foi recorrente a crítica de que não havia novidade na afirmação de Skinner de que uma ciência do comportamento não deveria ser sobrecarregada de hipóteses fisiológicas. Para Skinner (1979) aqueles que efetuaram tal crítica, como Tolman e Hull, não perceberam que, em muitos aspectos, suas próprias explicações recorriam a estados fisiológicos e neurológicos como causa do comportamento.

- Além disso, foi observado que o livro desconsiderou temas importantes da psicologia, como percepção e pensamento. Skinner (1979) referiu que esses temas poderiam ser redefinidos operacionalmente a partir de sua explicação do comportamento e fazer, portanto, parte de sua ciência.

- Outra acusação era de que Skinner havia abandonado o uso de teste de hipóteses. Sobre isso ele argumentou que essa crítica era injustificada, pois a única hipótese em seu sistema era que o comportamento poderia ser explicado como um sistema ordenado (Skinner, 1979).

- Por último, uma das críticas mais recorrentes era a falta de tratamento estatístico dos dados. Para Skinner (1979), seus dados envolvendo sujeitos únicos tinham resultados mais ordenados e reproduzíveis do que os dados de seus contemporâneos, que recorriam a médias estatísticas e a grupos controle.

As resenhas de Wolf (1939), Hilgard (1939) e Krechevsky (1939) expõem críticas correspondentes às censuras descritas por Skinner como as mais comuns realizadas a seu livro. Assim, todos são unânimes em advertir que o sistema científico de Skinner era exclusivamente pessoal, e que não relacionar seus achados com os de outros pesquisadores e propor um sistema científico a partir do delineamento experimental de sujeito único constituíram os pontos frágeis daquele livro.

As críticas denotam, portanto, a discrepância entre o que Skinner propôs e a tradicional pesquisa em psicologia animal predominante nos Estados Unidos. Razão pela qual a aceitação do livro de Skinner foi inexpressiva entre os psicólogos experimentais estadunidenses até meados da década de 1940; que mesmo sem compartilharem acordos epistemológicos e metodológicos, começaram na década de 1930 a definir alguns procedimentos – uso de médias estatísticas, testes de hipótese e grupos controle – como indispensáveis em qualquer pesquisa experimental.

Uma das consequências do afastamento de Skinner da tradicional psicologia animal foi que, após os primeiros anos da publicação de The Behavior of Organisms, sua ciência não havia alcançado a visibilidade almejada. Ao comentar encontro, em 1941, com Ernest Hilgard,

psicólogo experimental da Universidade de Stanford em visita à Universidade de Minnesota, Skinner expressou insatisfação por suas ideias não serem divulgadas. Ainda se revelou descontente porque, mais do que ter reconhecimento, desejava que, naquele momento, seu projeto científico já tivesse se transformado em fundamento de uma nova ciência praticada por outros psicólogos. Em tom de lamento, Skinner descreveu aquele episódio:

Quando estávamos andando pelo campus, ele (Hilgard) disse que lamentava que minha pesquisa não fosse ainda bem conhecida e que outros não estavam usando meus métodos. Eu dei a ele a resposta que Crozier havia me dado quando eu reclamei que os psicólogos estavam negligenciando importantes questões: “Por que você deveria se importar. Isso lhe dá mais coisas para fazer.” A resposta foi boa o suficiente naquele momento, mas eu já não estava satisfeito com ela. Eu queria ser parte de um campo em expansão. (Skinner, 1979, p. 286).

Além de acentuar o sentimento de insatisfação de Skinner, provocado pela inexpressiva aceitação do seu projeto científico, a visita de Hilgard à Minnesota realçou a consciência de que ele se encontrava em uma situação acadêmica desfavorável naquela instituição. Pois, Hilgard, contemporâneo de Skinner na pós-graduação em Harvard, ainda em meados da década de 1930, já ocupava posto acadêmico de destaque, em uma respeitável universidade (Skinner, 1979). Outro fator representativo do escasso reconhecimento das ideias de Skinner naquele momento foi a inexpressiva vendagem de seu livro quase uma década após a publicação. Sobre isso, Skinner (1984) observou que a edição original de The Behavior of Organisms, em 1938, foi de oitocentas cópias e que, após a Segunda Guerra Mundial, uma nova edição não parecia ser necessária.

Keller foium dos únicos a recepcionar positivamente o livro de Skinner, que acabou por exercer influência decisiva na sua decisão de aderir ao projeto científico de Skinner. Fato notado quando se observar que mesmo conhecendo suas pesquisas e utilizando a caixa de condicionamento operante e o registro cumulativo, foi com a publicação de The Behavior of

Organisms, que Keller proclamou seu entusiasmo pelo trabalho do amigo. Consideração

percebida em carta enviada para Skinner, em 1938, logo após realizar a primeira leitura da obra.

Isto é a coisa mais excitante que já me roubou o sono tão necessário... Na minha humilde opinião, é a contribuição mais importante que este século viu no campo da Psicologia. Como um belo exemplo de método indutivo e operacionalismo, põe à vergonha Hullianos e Titchnerianos, dentre outros, com suas fortes deduções, suas estreitas aplicações, suas fisiologizações e seus vagos sonhos de Psicologia como ciência. Inferno! Você sabe o que quero dizer, com toda essa conversa. (Keller, 2009, p. 164).

Além de expressar sua exaltação, Keller (2009) afirma ter compreendido o que Skinner pretendia com a publicação daquele livro: a fundação de um novo sistema científico e não o lançamento de uma mera obra acerca de algum tópico específico da psicologia da aprendizagem. Skinner (1979) observou que, até então, havia recebido somente críticas a seu livro e assumiu certa indisposição para lidar com elas: “na verdade, eu dava pouca atenção aos meus críticos. Mas eu estava contente de ser reconfortado por Fred que disse que: ‘Agora estou definitivamente na onda Skinner’” (p. 233). O entusiasmo de Keller foi tão expressivo que, em entrevista concedida cinco décadas após a publicação de seu livro, Skinner afirmou que, naquele momento, Keller possuía muito mais confiança no sucesso de seu livro do que ele próprio (Bjork, 1993).

Ainda que declare ter prestado pouca atenção a seus críticos, essa aparente despreocupação de Skinner não significou sua total falta de apreensão com respeito ao reconhecimento de seu trabalho. Questão observada quando demandou reconhecimento de expoentes da psicologia experimental estadunidenses da primeira metade do século XX: Clark L. Hull e Edward C. Tolman. Uma análise de como Skinner se portou diante da opinião desses dois eminentes nomes da psicologia experimental, após a publicação de seu livro, denota como sua ciência do comportamento estava em campo de disputa com outras teorias do

comportamento. Mais do que isso, designa a recorrência de fenômeno histórico já identificado no capítulo anterior e presentes nos demais capítulos: o reconhecimento das suas capacidades técnicas e científicas desvinculado da aceitação e adesão ao seu projeto científico.

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