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2. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS PARA UMA HISTÓRIA BIOGRÁFICA DO

3.1 Ingresso em terreno desconhecido

Skinner iniciou sua graduação no Hamilton College, onde se formou em língua inglesa e literatura no ano de 1926. O período entre o final de sua graduação e a decisão pelo ingresso no doutorado em psicologia de Harvard, no decorrer de 1927, foi descrito por ele como seu dark

year (Skinner, 1984a). Fase em que, após a tentativa frustrada de se tornar escritor e sua

decorrente insurreição contra a literatura, elegeu a psicologia como a área do conhecimento em que se doutoraria e daria continuidade à sua formação acadêmica.

Não obstante Skinner (1984a) admitisse que sua opção pelo doutorado em psicologia ocorresse durante uma fase de revolta contra a literatura, isso não significou que sua passagem por esse campo se configurou somente como empecilho e decepção. Em retrospectiva dos acontecimentos que o aproximaram da psicologia, Skinner (1984a) revela que sua tentativa de se tornar escritor não foi total perda de tempo, pois seu vínculo com a literatura lhe forneceu um primeiro método de investigação do comportamento. Essa afirmação pauta-se no fato de que seu apreço pela literatura – ainda que de modo rudimentar – esteve vinculado à sua estima pela investigação das causas do comportamento. Notas escritas no decorrer da graduação atestam sua crescente consciência e curiosidade sobre os efeitos psicológicos da literatura nos leitores, assim como seu interesse pelos perfis psicológicos dos autores, os quais, para Skinner (1984a, p. 291), se revelam nas produções literárias.

Outros sinais do papel da literatura em sua aproximação da psicologia são encontrados nas alusões a escritores como Dostoievski e Proust. Este último, responsável por intensificar dois comportamentos interpretados, posteriormente, por Skinner (1970), como úteis para toda sua carreira na psicologia: a auto-observação e a descrição minuciosa do ambiente. Por essa e outras razões semelhantes, Skinner afirmou que “esta era a minha pista, eu estava interessado

no comportamento humano, mas eu estava investigando ele de maneira errada”. (1984a, p. 291).22

Outros acontecimentos sucedidos nos meses prévios à escolha do doutorado em psicologia de Harvard reforçaram o apreço de Skinner pelo estudo do comportamento. Em mais de um relato autobiográfico, localiza-se a ênfase dada à leitura de artigos de Bertrand Russell, publicados no periódico Dial, e de seu livro Philosophy, de 1927 (Skinner, 1979, 1984a, 1984b, 1970). Obra, na qual, Russell se dedica, entre outras questões, a avaliar o behaviorismo de Watson e suas implicações para uma teoria do conhecimento e do significado. Com efeito, o ingresso de Skinner na psicologia se orientou pela busca de resoluções de problemas de ordem epistemológica, como o processo de construção do saber científico e as metodologias legitimadoras desse tipo de conhecimento. Porém, um dos resultados do contato com o trabalho de Russell foi o estímulo à investigação empírica do comportamento. “Inspirado por Russell, eu comprei o livro ‘Behaviorismo’ de Watson. Eu perdi o interesse em epistemologia e voltei-me para questões científicas. ...eu mudei da ‘filosofia’ para uma análise empírica” (Skinner, 1984a, p. 299).

Ainda sobre este período, que antecede seu ingresso no doutorado, Skinner procurou seu antigo professor em Hamilton, Bugsy Morril, para discutir seu interesse pela psicologia e solicitar a indicação de um instituição para realizar sua pós-graduação. Além de recomendar a Universidade de Harvard, Morril sugeriu a leitura de dois livros que despertaram a atenção imediata de Skinner – Conditioned Reflex: an Investigation of the Physiological Activity of the

Cerebral Cortex (1927), de Ivan P. Pavlov, e Physiology of the Brain and Comparative Psychology (1900), de Jacques Loeb. Razões responsáveis por tornar a proposta desses

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22!Isso não significou o abandono total da literatura por Skinner, pois ele manteve o hábito de escrever

memórias proustianas em seu diário após o ingresso em Harvard (Skinner, 1979, 1984a). Ademais, ainda que de modo ambivalente, como sugere Coleman (1985a), o recurso à literatura é localizada no decorrer de toda a obra de

cientistas atraentes a Skinner foram, no caso de Pavlov, as implicações empíricas inovadoras para o estudo do comportamento propiciadas pela descoberta do processo de condicionamento reflexo, em particular, o expressivo cuidado no controle das condições experimentais; Loeb, por sua vez, o estimulou por causa da veemente defesa de uma explicação determinista e não mentalista do comportamento dos organismos (Bjork, 1996/2006; Skinner, 1979).

Apesar dessas leituras iniciais, a decisão de Skinner pelo doutorado em psicologia e sua precoce simpatia pelo behaviorismo ocorreram quando seu conhecimento acerca de tal abordagem era incipiente. Igualmente, conquanto buscasse informações a respeito de Harvard, Skinner pouco sabia sobre o funcionamento daquela instituição e de seu programa de pós- graduação em psicologia. Talvez, a única informação obtida por Skinner refira-se a facilidade de ingresso no doutorado. Quanto a isso, Keller (2009) recorda que o processo seletivo de alunos para o doutorado em psicologia, na década de 1920, era emblemático do baixo prestígio da psicologia em Harvard naquela momento; quando reduzido número de alunos concorria às vagas existentes e o processo seletivo acontecia sem grandes expectativas com relação à probabilidade de sucesso dos candidatos. Apenas uma carta de recomendação ou uma entrevista, muitas vezes resumida, acompanhadas de breve introdução ao chefe do departamento eram suficientes para a aprovação do candidato. Tal processo seletivo, provavelmente, foi atrativo para Skinner, um aluno oriundo de outra área do conhecimento e com parcos saberes de psicologia. !

Ademais, mesmo com manifesta afeição pela psicologia, a escolha de Skinner por um doutorado na área não foi resultado exclusivo de sua imediata conversão àquela ciência, referindo-se também à fuga de um futuro incerto na literatura, ele recorda: “Eu tinha vindo para Harvard não porque eu estava totalmente comprometido a me converter à psicologia, mas porque eu estava escapando de uma alternativa intolerável”.(Skinner, 1979, p. 37).

As experiências pessoais e as influências teóricas de Skinner são de amplo valor heurístico para o exame das razões de sua decisão de cursar o doutorado em psicologia, no entanto, não nos aprofundaremos nesses aspectos.23 Para nossos propósitos, a respeito do período que antecede a decisão de Skinner, ocorrida entre o final de 1926 e outubro de 1927, salientamos seu baixo grau de conhecimento psicológico. Durante a graduação, por exemplo, Skinner teve contato com a psicologia de modo breve e vago em uma disciplina de filosofia. Nas suas palavras: “A única instrução formal que eu recebi [em psicologia] durou dez minutos” (1967, p. 8); “… a ciência que se preocupava com o comportamento (animal e humano) era chamada de psicologia, sobre a qual eu sabia muito pouco” (1984a, p. 292).24!

Os relatos do escasso conhecimento de Skinner sobre a psicologia antes de seu ingresso no doutorado em Harvard, em setembro de 1928, são importantes à medida que designam a emergência de uma descrição recorrente ao longo de sua autobiografia e aludem a diferentes momentos de sua trajetória científica. Trata-se da posição ambivalente de Skinner com respeito ao conhecimento psicológico – aspecto retomado ainda neste capítulo.

Examinamos a seguir o contato inicial de Skinner com a psicologia. Ou seja, diferentes perspectivas psicológicas, pesquisas e pesquisadores do campo, no final da década de 1920. Para tanto, contextualizamos a situação acadêmica-institucional da psicologia estadunidense naquele momento e da Universidade de Harvard quando do ingresso de Skinner na instituição. Do mesmo modo, avaliamos as primeiras reações desse cientista àquele cenário, tendo em vista

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23!Para uma análise pormenorizada das diferentes experiências pessoais e influências teóricas de Skinner

relacionadas a sua vinculação à psicologia, ver Coleman (1985a), Elms (1994) e Moore (2005a, 2005b, 2005c).

24!Embora afirme saber muito pouco de psicologia antes de sua entrada no doutorado, Skinner (1984a)

destacou que isso não significa que o objeto de estudo dessa ciência lhe fosse desconhecido, mesmo que de forma não científica. Tal alegação se baseou em suas experiências de infância como morador de uma fazenda e nas inúmeras oportunidades de observação do comportamento animal na natureza, bem como do comportamento de animais em cativeiro. Ele também atestou que, desde a infância, sempre chamaram sua atenção análises e

as incompatibilidades entre as suas extemporâneas predileções científicas e a psicologia praticada no departamento de psicologia de Harvard.!

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3.2 Decadência institucional e decepção científica: o contato de Skinner com a psicologia

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