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O encontro com Keller e a origem informal da análise do comportamento

2. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS PARA UMA HISTÓRIA BIOGRÁFICA DO

3.3 O encontro com Keller e a origem informal da análise do comportamento

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Na história da ciência, a adesão a uma ciência está condicionada à existência de um aparato institucional formalizado, composto de disciplinas científicas, sociedades de especialistas, linhas de pesquisa e mestres promulgadores de uma ciência a novos discípulos (Kuhn, 1962/2006). Para Skinner, um jovem estudante de pós-graduação simpatizante do behaviorismo, um suporte institucional behaviorista praticamente inexistia quando de seu ingresso em Harvard. Salvo por sua participação na disciplina de Hunter, seu contato com os demais professores do departamento de psicologia sinalizava um contexto avesso a qualquer orientação naquela perspectiva psicológica. O único apoio behaviorista encontrado por ele em Harvard se deu por vias informais: por intermédio de pequeno número de alunos simpáticos à abordagem que mantinham um grupo de debate com o intuito de assegurar espaço mínimo para a área em Harvard. No contato com um dos seus membros veteranos, o também aluno de doutorado Fred S. Keller, Skinner obteve apoio capaz de sustentar sua adesão inicial ao behaviorismo naquela instituição (Skinner, 1979).

Mesmo breve, uma descrição do primeiro contato entre Skinner e Keller se faz necessária para situar aquilo que interpretamos, de modo retrospectivo, como o protótipo da análise do comportamento como empreendimento comunitário que se desenvolverá efetivamente a partir da década de 1940. Contato que assinala a emergência e o valor de outro fenômeno social perene nas relações sociais de Skinner e de sua ciência: a informalidade no âmbito científico.34

Skinner – um calouro – e Keller – um veterano do doutorado em psicologia de Harvard –, se conheceram, provavelmente, em uma disciplina sobre aprendizagem e motivação oferecida por Boring, no primeiro semestre de Skinner em Harvard, em 1928, pois, quando se refere a ela, Keller (2009) cita pela primeira vez o nome de Skinner em sua autobiografia e menciona ter conhecido um promissor membro para o pequeno grupo informal de alunos behavioristas em Harvard. Como lembrou:

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Eu encontrei um novo membro para o nosso grupo, com quem eu logo achei uma causa comum. O nome do aluno era Skinner; ele tinha acabado de voltar de Paris; ele queria se tornar um escritor; e a sua leitura de John Watson tinha sido parcialmente instrumental em conduzi-lo de volta à universidade. Essas coisas o recomendaram para mim (Keller, 2009, p. 119).

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34!A acepção de informalidade nesse estudo refere-se ao sentido expresso por Crane (1972), que definiu,

no seu estudo sobre a comunicação entre os cientistas, a informalidade como espaço no qual a interação entre os pesquisadores independe de regras formais. Por sua vez, a informalidade seria espaço propício para a discussão de temas controversos e ainda em processo de aceitação na ciência. Menzel (1966) em pesquisa sobre a função da informalidade científica argumenta que, a despeito de suas consequências nos rumos de qualquer ciência, ela não é tradicionalmente dita como parte dos seus determinantes. De modo, a avaliar sua relevância Menzel (1966) mostra com uma informação muitas vezes só afeta uma ciência quando essa se tornou recorrente dentro do campo das discussões informais em uma comunidade científica. Com isso, alega ser frequentemente necessária a repetição de uma informação de maneira informal antes dessa provocar impacto considerável. Dessa forma, a informalidade como interação social aparentemente sem planejamento e controle define muitas das questões presentes nos mecanismos formais da ciência. Por causa desses efeitos haveria bons motivos para acreditar que informalidade teria padrões de funcionamento. Nesse sentido, Menzel (1966) ressalta que: “há alguma regularidade no conteúdo da informação que parece preferencialmente fluir através destes tipos de canais e não através dos mecanismos de palavra impressa mais regulares e sistematizados como aqueles apresentado nos dispositivos de controle bibliográfico. Por exemplo, há certo nível de know-how de informações sobre o uso e criação de informações científicas que parece acontecer através do boca-a-boca, talvez porque este tipo de informação é considerada como

O apreço mútuo pelo behaviorismo e a carência de oportunidades para debater essa abordagem em Harvard definiram a aproximação entre Keller e Skinner. Mas diferente de Keller, que já contava com apoio mínimo de outros estudantes e estava inserido em Harvard sem maiores conflitos institucionais, no caso de Skinner, conhecer um aluno adepto do behaviorismo foi garantia de suporte para lidar com o sentimento de isolamento que começava a experimentar naquela instituição (Skinner, 1979). Ademais, o início da relação entre os dois foi para Skinner antídoto contra as influências mentalistas existentes em Harvard. “Foi por causa grandemente de Fred que eu resisti à predisposição mentalista do departamento e permaneci um behaviorista”. (Skinner, 1979, p. 14).

Antes de conhecer Keller, Skinner recebeu apoio de outro aluno behaviorista em Harvard. O vínculo com Charles K. Trueblood, também estudante do doutorado, foi, no entanto, conceituado por Skinner (1979) como inexpressivo em comparação ao suporte oferecido por Keller. Mesmo se declarando behaviorista, Skinner avaliou Trueblood como tímido e sem inclinação para defender publicamente sua posição teórica. Por outro lado, na primeira menção à Keller realizada por Skinner (1979) em sua autobiografia, esse afirma que havia conhecido um aluno disposto a assumir publicamente a causa behaviorista em Harvard de forma sempre eficiente, porém amena. O elogio de Skinner à polidez da defesa pública do behaviorismo por Keller é, no mínimo, curiosa, pois, como veremos no sexto capítulo, em mais de uma ocasião, nas décadas de 1940 e 1950, Keller foi criticado por ser um suposto propagandista exaltado do behaviorismo skinneriano. Além disso, o próprio Skinner se definiu, em seu primeiro ano de doutorado, como defensor público, algumas vezes exasperado do behaviorismo, embora admitisse desconhecer aquela abordagem – como já exposto. No decorrer da narrativa, evidenciaremos que as posturas de Skinner e Keller em relação a seus modos de adesão ao behaviorismo, tanto no momento de ingresso de ambos na psicologia

quanto nos demais momentos de suas vidas, manifestam menos uma contradição e mais uma das distintas faces dos posicionamentos assumidos por esses psicólogos ao longo de suas carreiras.

A relação entre Skinner e Keller ocorreu ao longo da carreira desses dois psicólogos e desempenhou distintas funções em diferentes momentos, neste ponto, foram descritas de modo breve apenas as circunstâncias em que eles se conheceram de modo a evidenciar como desde de seus primórdios o percurso profissional de Skinner e os modos de organização social de sua ciência são permeadas pela informalidade. Outros episódios que envolvem a relação entre Skinner e Keller são retomados ao longo desta narrativa e um capítulo específico (sexto capítulo) é dedicado ao papel de Keller na institucionalização da análise do comportamento.!

Por enquanto, salientamos que o contato informal entre Skinner e Keller ocorreu e foi mantido em seus primórdios em função da ausência de espaços formais de ensino do behaviorismo no departamento de psicologia de Harvard. À medida que Skinner avança em seu projeto científico, ao longo da década de 1930, sua relação com Keller, mantida ainda em nível informal, adquire novas dimensões. Como principal interlocutor dessa fase determinante da produção científica de Skinner (Skinner, 1979), Keller reorientou sua posição no campo behaviorista, tornando-se o primeiro adepto do behaviorismo skinneriano e assumiu função especial na institucionalização da análise do comportamento. É nesse sentido, que a germinação de um grupo inicial de praticantes da ciência skinneriana, em meados da década de 1940, teve sua origem na relação informal estabelecida entre Skinner e Keller em Harvard.

3.4 Identificação científica e ascendência institucional: o contato de Skinner com o

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