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O império da estatística na psicologia experimental estadunidense

4. PERCALÇOS NA HISTÓRIA DA CIÊNCIA: A RECEPÇÃO INICIAL DO PROJETO

4.2 O império da estatística na psicologia experimental estadunidense

A defesa do uso de análises estatísticas na psicologia estadunidense se deu de forma crescente desde o início do século XX e teve consequências visíveis a partir de meados da década de 1930 (Capshew, 1999). Ao examinar esse cenário, Dunlap (1938), então secretário da recém-fundada Sociedade Psicométrica, apontou a proliferação da estatística na psicologia nos

Estados Unidos do período – fenômeno, por sua vez, responsável por exigir aptidão matemática dos psicólogos. Porém, mesmo sendo defensor da incorporação de métodos estatísticos na psicologia, de forma irônica, o próprio Dunlap (1938) comentou um dos prováveis resultados da intensa incorporação da estatística nesse campo: “Eu só posso estender minha compreensão ao psicólogo do futuro, pois parece que ele primeiro deve ser um matemático, depois um estatístico, depois um fisiologista, depois um médico, e, se ele não estiver morto na velhice, um psicólogo” (Dunlap, 1938, p. 571).

O que teve início como um movimento na psicometria, rapidamente, se expandiu para toda a psicologia experimental ao longo das décadas de 1930 e 1940, atingindo seu ápice na década de 1950. Momento no qual o delineamento de pesquisas com elevado número de sujeitos experimentais e grupos controle e análises estatísticas de pesquisas experimentais, fundamentadas em procedimentos como a análise de variância (ANOVA), se tornaram institucionalizados. Amostra disso foram a ampla inserção da ANOVA em livros-texto, manuais de psicologia experimental e a introdução de cursos de estatística - de forma obrigatória - nos currículos de pós-graduação em psicologia nos Estados Unidos (Rucci & Tweney, 1980).

O avanço da ANOVA, assim como de outras técnicas estatísticas orientadas para a análise de variáveis múltiplas, se ajustou à tendência crescente do uso de grupos controle com elevado número de sujeitos experimentais na psicologia nos Estados Unidos. Com isso, entre as décadas de 1940 e 1960, ocorreu um aumento expressivo de relatos de pesquisas experimentais originados de análises de grupos simultaneamente ao declínio de pesquisas com resultados derivados de delineamentos individuais. Esse movimento é averiguado em publicações como o

Journal of Experimental Psychology e o Journal of Clinical Psychology, nas quais apenas 5%

individual (Capshew, 1992). Esse quadro designa substancial mudança da noção de experimento na psicologia estadunidense – que, até o início da década de 1930, tinha diversos significados – mas se transformou de forma restrita em sinônimo de análise estatística inferencial de múltiplas variáveis, com elevado número de sujeitos experimentais e grupos controle (Rucci e Tweney, 1980).

Simultâneo a esse crescente uso da estatística inferencial na psicologia experimental, como vimos no capítulo anterior, Skinner esboçou uma ciência do comportamento fundamentada em um método – o delineamento experimental de sujeito único –, em que não há necessidade de análises estatísticas inferenciais e utilização de grupos controle, uma vez que o comportamento de sujeitos experimentais individuais é comparado com ele mesmo por meio da medição continua e repetida em determinadas condições até alcançado um estado de regularidade ou até que o comportamento foco indique variações capazes de serem observadas dentro de um percurso temporal (Sidman, 1960). Como resultado da adoção desse tipo de delineamento de pesquisa o modelo científico de Skinner sofreu duras críticas do mainstream da psicologia experimental, pois divergia claramente da tendência metodológica hegemônica na área.

No entanto, cumpre mencionar, que o antagonismo da proposta metodológica skinneriana não significou ruptura com a tradição psicológica experimental estadunidense em suas diferentes roupagens. Mesmo sem nos aprofundarmos neste ponto, salientamos que o delineamento experimental de sujeito único e a definição de experimento subjacente a esse delineamento de pesquisa manteve proximidade com ao menos um dos aspectos centrais daquilo compreendido como uma característica intrínseca à ideia de experimentação na psicologia estadunidense a partir da década de 1930: a definição restrita de experimento como a

Skinner (1978) menciona ser o controle experimental em sua ciência definido pela tentativa de prever e controlar o comportamento. Para ele,

Esta é a nossa ‘variável dependente’ – o efeito para o qual procuramos a causa. Nossas ‘variáveis independentes’ – as causas do comportamento – são as condições externas das quais o comportamento é função. Relações entre as duas – as ‘relações de causa e efeito’ no comportamento – são as leis de uma ciência. (Skinner, 1978, p. 45).

Em outro momento, Skinner (1953/2000) afirma com ênfase ainda maior:

...a noção de controle está implícita em uma análise funcional. Quando descobrimos uma variável independente que possa ser controlada, descobrimos um meio de controlar o comportamento que é uma função dela. Este fato é importante para propósitos teóricos. Provar a validade de uma relação funcional por meio de uma demonstração real do efeito de uma variável sobre outra é o coração da ciência experimental. (Skinner, 1953/2000, p. 227).

A compatibilidade parcial da perspectiva metodológica de Skinner com a definição de experimento enquanto a manipulação de variáveis independentes e dependentes, dominante na psicologia experimental estadunidense, a partir de meados da década de 1930, chama atenção menos por sua compatibilidade com as demais perspectivas do campo e mais pela verificação de que a relação entre uma variável independente e dependente não define hegemonicamente os métodos de ciências experimentais como a física e a biologia (Winston & Blais, 1996). Contrariando, assim, as afirmações emitidas ad nauseam por psicólogos experimentais que alegaram ter advindo de tais ciências esse tipo de manipulação experimental tão decantada como legitimadora do conhecimento científico da psicologia no último século.

Na verdade, os usos dos termos “variável independente” e “dependente” estiveram praticamente ausentes dos manuais e livro-textos de física e de biologia do século XX. Winston e Blais (1996) ao analisarem os usos dessas expressões na psicologia estadunidense, na

sociologia, na biologia e na física, entre as décadas de 1930 e 1970, apontam que o uso dos termos variável independente e dependente como parte da definição de experimento nos livro- textos de psicologia aumentaram drasticamente no período; passaram de 5% na década de 1930 para 95% na década de 1970. Por outro lado, os termos variável independente e dependente apareceram apenas uma vez nos livro-textos e manuais de biologia até a década de 1970 e nunca foram usados na física no período analisado. “Em suma, o uso desses termos em textos de outras disciplinas foi raro” (Winston & Blais, 1996, p.600).

Assim, Winston e Blais (1996) argumentam que, na psicologia, a defesa e exposição constante do usos dos termos variável independente e dependente com amparo nos seus supostos usos naquelas ciências significa a conservação de um mito de origem metodológica com objetivo de reconhecer historicamente a psicologia como científica. Ainda para eles, um rastreamento histórico da noção de manipulação de variáveis independentes e dependentes prova que sua origem se remete a ciências aplicadas como a agricultura, a educação e a engenharia (Winston & Blais, 1996). Nesse sentido, na psicologia experimental estadunidense, a experimentação como manipulação de variáveis não objetivou uma análise desinteressada de fenômenos naturais, mas teve o propósito deliberado de manipulação de comportamentos de forma a produzir consequências práticas. Em outras palavras, diferente da justificativa histórica encontrada para esse tipo de experimentação na psicologia, na qual a análise de variáveis independentes e dependentes constituiria método epistemologicamente superior, devido sua origem em ciências como a física, o intuito de manipular variáveis não era revelar a natureza do mundo; mas sim, produzir informação socialmente útil para o controle de comportamental. Portanto, o sucesso de ciências como a física e a biologia e a função do experimento nessas áreas não são particularmente relevantes para justificar a extensão de seu método à psicologia

(para uma análise das consequências do uso restrito da noção de experimento como manipulação de variáveis independentes e dependentes, ver Danziger & Dzinas, 1997).

Essa consideração, na qual descrevemos ao menos uma semelhança entre a proposta metodológica de Skinner e o restante da psicologia experimental estadunidense, expôs a inexistência de uma ruptura metodológica da análise experimental do comportamento com a psicologia experimental nos Estados Unidos. Pois Skinner compartilhava uma concepção, central do modo de produção de conhecimento psicológico, que se tornou hegemônica, no campo, a partir da década de 1930 naquele país. Pode-se, no entanto, mencionar uma diferença fundamental do método de Skinner, que se não se configura como uma ruptura, denota ao menos um afastamento substancial do mainstream da psicologia experimental estadunidense: o uso do delineamento experimental de sujeito único e, por conseguinte, a ausência de procedimentos institucionalizados naquele campo, como o uso de grupos controle com elevado número de sujeitos experimentais e o recurso à estatística inferencial. Tal característica foi suficiente para manter Skinner na contramão da tendência dominante naquele contexto e, por essa razão, foi fonte principal de críticas e justificativas para uma recepção negativa de sua ciência na comunidade experimentalista – questão que será abordada a seguir, com a análise da recepção do seu primeiro livro.

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