• Nenhum resultado encontrado

2. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS PARA UMA HISTÓRIA BIOGRÁFICA DO

3.8 Novos reforçadores e mais liberdade

!

Após completar todos os requerimentos para obtenção do grau de doutor, com a recomendação de Crozier e Boring, Skinner apresentou à Universidade de Harvard um pedido de bolsa de pós-doutorado para continuar suas pesquisas no laboratório de fisiologia. A bolsa concedida pelo National Research Council Fellowship, para 1931, teve renovações para os anos de 1932 e 1933 (Skinner, 1979; Bjork, 1993/2006). A aprovação do financiamento denota o prestígio científico de Skinner em Harvard como um jovem e promissor cientista, mas, no âmbito do departamento de psicologia, não corresponde à concordância com suas pretensões em formular uma ciência do comportamento.

Assim o reconhecimento científico de Skinner a partir desse período designa a emergência de outro elemento histórico que perpassa toda sua trajetória acadêmica: o prestígio de suas capacidades técnicas e científicas desvinculado da aceitação e da adesão ampla à sua ciência. A identificação dos primórdios do ambíguo reconhecimento de Skinner se faz presente na carta de recomendação escrita por Boring para comissão avaliadora do National Research

Council Fellowship. Naquela correspondência, o então chefe de departamento de psicologia de

Harvard descreveu Skinner como um pesquisador treinado para a realização de pesquisas sobre comportamento animal. Igualmente, exaltou as aptidões teóricas de Skinner e alegou ser esse um estudante original e capaz de grandes realizações científicas. Nas palavras de Boring: “Ele tem um entusiasmo febril e efervescente. Nós pensamos nele aqui como um possível "gênio", usando essa palavra para representar esta imagem”. (Boring, 1930, citado por Bjork, 1993/2006, p. 101). Na correspondência, Boring, entretanto, alertou sobre o que pensava ser o único, mas sério defeito de Skinner: seu desejo de fundar uma ciência do comportamento. Esse desejo científico e epistemológico, na percepção de Boring, estava fora do campo de treinamento daquele jovem cientista. Boring, então, recomendou a aceitação da proposta de

financiamento das pesquisas de pós-doutorado de Skinner como forma de suprimir as ambições desse. “Eu espero que ele possa ter a bolsa porque isso iria direcionar sua energia para longe daquele tipo de entusiasmo”. (Boring, 1930 citado por Bjork, 1993/2006, p.101). Apesar da intenção de afastar Skinner de seu propósito inicial, ironicamente, com essa recomendação, Boring contribui decisivamente para que Skinner obtivesse mais tempo, mais espaço e mais financiamento para continuar seus planos de edificar uma ciência do comportamento.

Desconhecida de Skinner por várias décadas (Wiener, 1996), a carta de recomendação de Boring se configurou como um prelúdio de vários outros episódios no decorrer da sua carreira, nos quais o reconhecimento científico da figura de Skinner foi desvinculado da aceitação de suas formulações científicas. Essa ambiguidade é patente a partir da publicação, em 1938, do primeiro livro de Skinner (como veremos no próximo capítulo); e permanece constante ao longo de sua trajetória acadêmica.

A manutenção do reconhecimento da figura científica de Skinner é observada quando, ao término de sua última bolsa de pós-doutorado, em março de 1933, ele foi selecionado para ser membro da recém-criada Harvard Society of Fellows e se tornou um prestigiado Junior

Fellowship, entre os anos de 1933 e 1936. Além de representar a ampliação do prestígio de

Skinner em Harvard, sua admissão nessa sociedade o posicionou na elite acadêmica da universidade, ao torná-lo membro de um seleto grupo de estudantes (Bjork, 1993/2006). A criação daquela sociedade e seus benefícios foram parte das estratégias para o restabelecimento de Harvard como o principal centro formador de expoentes da ciência estadunidense, tendo em vista sua perda de status nas primeiras décadas do século XX (Skinner, 1979). Assim, a

Harvard Society of Fellows, garantiu condições para que jovens e promissores pesquisadores

burocráticas e qualquer trabalho docente. Com esse propósito, para sua primeira edição, seis estudantes foram selecionados (Quine, 1985; Skinner, 1979).

A relevância dada à iniciativa é notada em jornal local que anunciou serem os membros daquela sociedade: “A ‘nova aristocracia de cérebros’ de Harvard” (citado em Bjork, p. 101). Além do valor muito superior para uma bolsa de pesquisa daquele período, foi garantido a seus membros quarto individual e acesso livre a todas as instalações de Harvard. Ademais, foi parte das atividades dessa sociedade a participação em eventos periódicos nos quais seus integrantes mantinham contato entre si e com eminentes pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, tanto de Harvard quanto de outras universidades. O encontro com vencedores do prêmio Nobel e outros expoentes de diversos campos do conhecimento são exemplares das atividades frequentadas pelos membros da HarvardSociety of Fellows (Skinner, 1979).Por essas e outras razões, Skinner noticiou a seus pais que “isto foi provavelmente o maior evento da minha vida” (Skinner, citado por Bjork, 1993/2006, p. 102).

O valor de tal acontecimento na carreira de Skinner é expresso em sua autobiografia de modo semelhante aquilo que Denzin (1989) designa como a narração de momentos desencadeadores de expressivas mudanças no rumo de uma vida. O que notato no tom dramático conferido por Skinner (1979) ao afirmar que, ao ser aceito naquela sociedade, “Eu não estava apenas sendo resgatado de um desastre, eu me encontrei com o que foi naquele tempo o mais generoso suporte que um acadêmico poderia querer”. (Skinner, 1979, p. 123).!

Ao se tornar membro daquela sociedade, mais do que ter conservado os privilégios adquiridos durante o doutorado e os dois anos de pós-doutorado, os privilégios de Skinner ampliarem-se. Com isso, entre 1933 e o início de 1936, obteve mais tempo, mais financiamento, mais espaço e mais liberdade cientifica e institucional para empreender suas

pesquisas; então, mais do que antes, sem nenhum sinal de imposição e sem exigências de qualquer tipo de avaliação formal.

As vantagens de ser membro da Harvard Society of Fellows foram também salientadas no relato de outro membro do primeiro grupo de bolsistas, que, como Skinner, se tornou um dos expoentes de seu campo de conhecimento no século XX: o filósofo pragmatista Willard V. Quine. Ao recordar dos demais membros da sociedade e o impacto daqueles privilégios em sua formação, Quine enfatizou a liberdade, a disponibilidade de tempo e o contato profícuo com outros pesquisadores como os principais benefícios da Harvard Society of Fellows. “Isto significou três anos de salário e nenhuma obrigação”. (Quine, 1986, p. 65).!

Conclusões prévias

Neste capítulo narramos fatores históricos conexos à inserção de Skinner na psicologia no decorrer de seu doutorado e no pós-doutorado em Harvard, entre os anos de 1928 e 1936. Com isso, estabelecemos os parâmetros estruturais da narrativa desenvolvida nos demais capítulos, uma vez que, dessa fase da carreira de Skinner, identificamos elementos históricos mantidos e repercutidos, mesmo que com distintas variações, ao longo do tempo, tanto em sua vida profissional quanto na futura organização comunitária de sua ciência do comportamento. Tais fatores foram o “desconhecimento” e a suposta negligência de Skinner pelo conhecimento psicológico, a manutenção da relação informal com Keller, a liberdade científica e institucional e o reconhecimento da sua figura científica desvinculado da aceitação de seu projeto científico.

Mais do que compilar esses fatores, expusemos como eles denotam a emergência de um estilo de trabalho de Skinner no período no qual foram elaboradas as bases de seu sistema

científico. O que nos levou a apresentar o argumento subordinado de que as inovações científicas exibidas ao final do seu doutorado – prelúdio do futuro conceito de condicionamento operante e de seu método de pesquisa – foram produto parcial de um contexto institucional específico, no qual a ausência de imposição de regras científicas e o incentivo a projetos individuais compatibilizaram-se com a postura iconoclasta do jovem Skinner.

Também argumentamos que os fatores históricos tratados neste capítulo indicam que a inovação da ciência skinneriana tem em sua gênese o isolamento, ainda que ambíguo, de Skinner em relação à produção científica da psicologia. Sobre isso, Andery, Micheletto e Sério (2002) já haviam identificado o isolamento teórico de Skinner como parte da explicação para a existência de inovações no seu projeto cientifico, na década de 1930. Todavia, os achados deste capítulo sinalizam que o isolamento, cada vez mais declarado por Skinner no decorrer de sua carreira, não foi apenas teórico e muito menos pode ser interpretado tão-só pelos efeitos positivos em suas formulações científicas. Como será abordado nos demais capítulos, o isolamento de Skinner também foi institucional e adquiriu distintas dimensões ao longo do tempo, incidindo na área científica, mas também afetando os modos de recepção, aceitação e organização social de sua ciência, nem sempre benéficos à recepção de sua proposta científica e à inserção profissional dos primeiros praticantes de sua ciência.

Por fim, a história descrita neste capítulo sugere o início de um fenômeno histórico paradoxal na carreira de Skinner e da análise do comportamento enquanto comunidade científica, que se tornará cada vez mais evidente a medida que avança nossa narrativa; qual seja, o fato de que muito daquilo que explica a fértil e inovadora produção científica de Skinner é, igualmente, parte da explicação para as dificuldades de aceitação de seu sistema científico no cenário da psicologia dos Estados Unidos entre as décadas de 1930 e 1960, como veremos no próximo capítulo. !

4. PERCALÇOS NA HISTÓRIA DA CIÊNCIA: A RECEPÇÃO INICIAL DO

Documentos relacionados