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Art 96. O Conselho Federal de Educação e os conselhos estaduais de educação na esfera de suas respectivas competências, envidarão esforços

13.1. As diretrizes "sem fronteiras"

A chamada modernização ou aumento da eficiência da administração pública, colocada em prática a partir dos anos de 1990 – como uma suposta exigência do processo de globalização, que teria reduzido a autonomia dos Estados na formulação e implementação de políticas, assim como da crise do Estado que teria se iniciado nos anos de 1970 – seria resultado de um complexo projeto de reforma que, teoricamente, visaria ao fortalecimento da administração pública direta e a descentralização da administração pública com a implantação de agências executivas e de OS91 controladas por meio de contratos de gestão. O Estado reduziria a sua responsabilidade no que corresponde aos direitos sociais, mas manteria o papel de regulador, provedor e promotor desses "serviços", entre os quais os de educação e saúde.

A tentativa de redução da autonomia dos Estados na formulação e implementação de políticas pode ser observada, por exemplo, no equivocado papel de obstaculizador que passa a ser atribuído pelos liberais ao texto da Constituição de 1988. As mudanças implantadas são fortemente influenciadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), no que diz respeito às questões mais amplas, como a coordenação das políticas de desenvolvimento e a promoção da estabilidade da balança de pagamentos dos países- membros, e pelo Banco Mundial92 (BM), em especial no que se refere participar do desenvolvimento econômico dos mesmos países-membros incluindo influir nas questões educacionais, em especial na definição das políticas destinadas ao Ensino Superior. Para Sguissardi,

91 Para Chauí (1999), uma organização difere de uma instituição por definir-se por uma outra prática social, cuja instrumentalidade está referida no conjunto de meios particulares para a obtenção de um objetivo particular e não em ações articuladas à idéia de legitimidade e de reconhecimento interno e externo, mas a estratégias balizadas pelas idéias de eficácia e sucesso no emprego de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define.

92 O BM é o principal organismo multilateral internacional de financiamento do desenvolvimento social e econômico, formado por 184 países-membros, incluindo o Brasil. É constituído por cinco organizações: o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), a Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), a Corporação Financeira Internacional (IFC), a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (AMGI) e o Centro Internacional para Acerto de Disputas de Investimentos (CIADI). Tem atuado no Brasil desde 1949 quando foi firmado o primeiro empréstimo do BIRD depois do qual seguiram-se outras 380 operações de crédito incluindo muitas destinadas à educação que passam a integrar a dívida externa do país mostrando-se muito dispendiosos.

Em relação à educação superior não conhecemos recomendações mais explícitas para a conjuntura brasileira que analisamos do que as que nos são apresentadas pelo Relatório do Banco Mundial [...] intitulado La

Enseñanza Superior: las lecciones derivadas de la experiência (El desarrollo en la práctica), do Banco Mundial (Washington, D.C., 1994), logo em sua página 4:

• Fomentar la mayor diferenciación de las instituciones, incluindo el

desarrollo de instituciones privadas

• Proporcionar incentivos para que las instituciones públicas

diversifiquen las fuentes de financiamento, por ejemplo, la

participación de los estudiantes en los gastos y la estrecha vinculación entre el financiamiento fiscal y los resultados

• Redefinir la función Del gobierno en la enseñanza superior • Adoptar políticas que estén destinadas a otorgar prioridad a los

objetivos de calidad y equidad (SGUISSARDI, 2000, p. 57, destaques do autor).

O FMI, o BM e também as diversas forças políticas internas entendem as políticas para as áreas sociais – educação, saúde, distribuição de renda, eliminação da pobreza etc. –, não como políticas prioritárias, mas sim como decorrência natural da liberalização econômica, vale dizer, o desenvolvimento do país e a gestão de suas instituições têm sofrido forte influência de interesses externos, que contam com a submissão dos governantes no exercício do poder interno. E cabe lembrar que a presença dos norte- americanos tem predominado no interior da administração desses organismos ditos multilaterais. Tais organismos possuem agentes que se pronunciam sobre a educação definindo seu sentido, sua finalidade, sua forma e o seu conteúdo, incutindo novamente a idéia da racionalidade do sistema educacional, agora não mais pela simples expansão das vagas e dos estabelecimentos sem o aporte de recursos necessários, mas por meio de projetos de organização e planejamento, independentemente do objeto ou realidade que será administrada93. Para José Dias Sobrinho,

O enfoque do Banco Mundial é claramente economicista, no que diz respeito a educação superior. Indicadores econômicos ou meramente financeiros se relacionam estreitamente com a eficiência da instituição educacional. O princípio da eficiência e produtividade é básico para assegurar menores custos para o Estado. As universidades devem ser cada

93 O discurso empresarial agora incita a todos a se pautarem pela própria ação “individual” e o “empresário” é eleito como um personagem cujos hábitos comportamentais servem de guia e modelo para a singularização pessoal e para a atuação pública, segundo Bendassolli (2000).

vez mais autônomas, porém essa autonomia crescente não está orientada para sua missão ou projeto; é antes, uma condição, como nas empresas, para que progressivamente possam dar respostas mais efetivas às forças do mercado. Não se trata mais de uma autonomia da educação superior e sim de autonomia do processo, ou seja, maior liberdade no tocante aos meios, para melhor cumprimento dos objetivos fixados externamente. As universidades devem produzir conhecimentos úteis e rentáveis, como condição de sua sobrevivência no competitivo mercado educacional. Cada vez mais as universidades públicas devem gerar suas próprias condições de sobrevivência, progressivamente liberando o Estado de repasses de fundos financeiros públicos. Está claro que, para o Banco Mundial, aquelas instituições que valorizam os agentes e financiamento privados continuarão recebendo atenção prioritária. Nessa perspectiva, a eficiência é um credo essencial. (DIAS SOBRINHO, 2002, p. 130-131). Outras instituições internacionais têm influenciado as diretrizes políticas do país, como a UNESCO, através de um conjunto de discussões feitas principalmente durante a década de 1990, preocupadas, neste caso específico, em classificar o Ensino Superior como um “bem público”, ao mesmo tempo em que o secretariado da Organização Mundial do Comércio (OMC) criaria normas para “catalogar” o Ensino Superior como mais uma mercadoria, a ser comercializada e liberalizada, retirando dos Estados Nacionais o direito de decidir, com soberania, sobre ações que visassem à formação de cidadãos conscientes e responsáveis.

Em 1994, a OMC aprovou o Acordo Geral de Comércio de Serviços (AGCS), tendo por objetivo a liberalização do comércio de todo tipo de serviço. Em 1998, o seu secretariado passou a defender o discurso de que, desde que permita a existência de provedores privados na educação, os governos aceitam o princípio de que a educação, e em particular, a Educação Superior, poderia ser tratada como serviço comercial e deveria ser regulamentada no quadro da OMC. Em 1999, a OMC definiu explicitamente os serviços regulamentados pelo AGCS, incluindo a educação. Além de abrir o mercado, os países em desenvolvimento deveriam também financiar os grupos estrangeiros que se instalem ou que “vendam produtos” nesses países. Assim, qualquer Estado que descumprisse os compromissos firmados dentro da OMC no setor de Educação Superior poderia ser condenado a pagar indenizações aos empresários ou industriais da educação. Segundo Marco Antonio Dias (2002), na concepção da OMC, subsídios públicos para o ensino superior público deveriam ser destinados em igual proporção às outras instituições do mesmo "ramo".

Conforme Dias Sobrinho,

Nunca é demais insistir na idéia de que a universidade é uma instituição social, histórica e de natureza educativa. Sendo histórica e social, é uma obra em permanente transformação, cuja construção é de responsabilidade coletiva. Suas marcas mais importantes se ligam estreitamente às determinações dos distintos momentos históricos e sociais. Sendo uma instituição cuja função social é formar profissionais competentes e cidadãos críticos e criativos, através da produção e socialização dos conhecimentos, seus princípios constituintes são a ciência e a pedagogia, no sentido forte de educação. A universidade tem, nesses termos, uma função e uma intencionalidade educativas, e isso a diferencia de outras instituições sociais e econômicas. (DIAS SOBRINHO, 2000, p. 126).

Segundo o posicionamento adotado pela OMC, ao Estado caberia, essencialmente, o papel de proteger a liberdade dos indivíduos, preservar a lei e a ordem, regular os contratos privados, promover mercados competitivos. O papel do Estado no que se refere à educação se justificaria em termos, para a garantia da ordem ainda que a responsabilidade pelo prosseguimento dos estudos passasse a ser do indivíduo.

Tal visão tem sido utilizada por esses organismos internacionais para “pressionar” os governos nacionais a adotarem propostas desse tipo, que, diga-se de passagem, têm sido acolhidas por sucessivos governos brasileiros, e o que é mais grave, seja por convicção, seja simplesmente para um pretenso acesso a recursos externos, na medida em que isto é acenado como chamariz.

Portanto, é possível dizer que, dando continuidade às políticas inadequadas que têm sido destinadas ao Ensino Superior no Brasil, encontramos parte da burocracia estatal e “técnicos” de instituições financeiras “multilaterais” como o FMI e o BM. Ademais, há também agora a tentativa da OMC de influir nessa seara representando os interesses da parte mais forte e poderosa da sociedade, com a aparência de interesses de toda a sociedade, buscando dar-lhes a aparência de interesses de toda a sociedade e tentando pronunciar-se sobre a educação com vistas a definir sua finalidade e forma, seu sentido e conteúdo.94

94 No discurso sobre a educação, o olhar hegemônico incute a idéia da racionalidade do sistema educacional através de projetos de organização e planejamento independentemente do objeto ou realidade que será administrada. Assim, possibilita-se a redefinição de algumas instituições, como a educacional, substituindo seu caráter institucional por uma concepção organizacional mais próxima da idéia de uma

empresa (CHAUI, 2003).

14. Capítulo XIV