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O abandono do país e a possibilidade de desindustrialização

Art 96. O Conselho Federal de Educação e os conselhos estaduais de educação na esfera de suas respectivas competências, envidarão esforços

12.2. O abandono do país e a possibilidade de desindustrialização

As reordenações políticas impulsionadas pelo fôlego liberal, retomado na década de 1990 como (neo)liberalismo, preservaram-se durante o Governo de Itamar Franco que, apesar de seu caráter transitório, manteve as privatizações, desenvolveu um ajuste fiscal para estabilizar a economia e implantou o “Plano Real”, com a atuação destacada de seu articulador, Fernando Henrique Cardoso, que foi levado à Presidência da República em 1994 sob o manto da competência e eficiência técnica88. Segundo João dos Reis Silva Junior,

A retórica da competência, da eficácia, da eficiência em relação ao social [...] é, de fato, uma retórica bem construída e sedutora – ao final de seus dois mandatos, Fernando Henrique apresentou o Brasil conforme demandavam as agências multilaterais, fez reformas conforme a retórica, além de viajar muito, enquanto seus articuladores políticos costuravam alianças no Congresso Nacional e Pedro Malan e os presidentes do Banco Central, com destaque para Armínio Fraga, mantinham a política econômica orientada pelos supostos da Escola de Chicago e ditada especialmente pelo Banco Mundial e pelo FMI, com irreparável prejuízo para a área social (SILVA JUNIOR, 2003, p.46). O ”mercado financeiro”, do que decorre, foi eleito abertamente, desde o primeiro mandato de Fernando Henrique, como orientador por excelência das políticas, exigindo do

88 Sallum (2000) argumenta que atribui-se à primeira etapa do governo de Fernando Henrique Cardoso um processo de transição político-institucional para a ”democracia”, assim como uma etapa de transição que pretendia superar certas articulações entre o poder político, a sociedade e a economia remanescentes da Era Vargas. Ao segundo governo de Cardoso (1999-2002), atribui-se a necessidade de estabilidade do sistema colocado em funcionamento e a conquista e a manutenção de uma posição relevante para o novo “player” no cenário internacional. Ledo engano.

governo a aprovação de projetos de reforma constitucional e infraconstitucional com o intuito de eliminar a discriminação legal em relação às empresas de capital estrangeiro. Assim, o governo concedeu o direito de exploração de todos os serviços de telecomunicações a empresas privadas; aprovou uma lei complementar que regula as concessões de serviços públicos para a iniciativa privada; preservou o programa de abertura comercial etc., segundo Sallum (2000). Não por acaso o Art. 171 da Constituição de 1988 foi revogado já em 1995. Este artigo previa o seguinte:

Art. 171, § 1° - A lei poderá, em relação à empresa brasileira de capital nacional: I – conceder proteção e benefícios especiais temporários para desenvolver atividades consideradas estratégicas para a defesa nacional ou imprescindíveis ao desenvolvimento do País; II – estabelecer, sempre que considerar um setor imprescindível ao desenvolvimento tecnológico nacional, entre outras condições e requisitos: a) a exigência de que o controle referido no inciso II do “caput” se estenda às atividades tecnológicas da empresa, assim entendido o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para desenvolver ou absorver tecnologia; b) percentuais de participação, no capital, de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou entidades de direito público interno. [...] § 2° - Na aquisição de bens e serviços, o Poder Público dará tratamento preferencial, nos termos da lei, à empresa brasileira de capital nacional. (BRASIL, Constituição (1988). Revogado pela Emenda Constitucional n° 6, de 15 de agosto de 1995, grifos nossos).

Logo em seguida, a Reforma do Estado ganhou um novo ímpeto com o então Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), (re)atualizando um discurso fermentado principalmente a partir da ditadura militar iniciada em 1964:

Trata-se de um Estado no qual hipotrofiam-se os Poderes Legislativo e Judiciário e, em movimento contrário, hipertrofia-se o Poder Executivo, de modo que as relações entre Estado e sociedade civil não passam por mediações das associações e entidades políticas representativas dessa última. O diálogo faz-se diretamente entre as duas instâncias de poder e hegemonia, diante de uma sociedade fragmentada e desorganizada em razão da degradação social e econômica dos anos 1980 (SILVA JUNIOR, 2003, p. 43-44).

Sob o pretexto de consolidar um ajuste fiscal e estabelecer um serviço público moderno, profissional, voltado para o atendimento dos cidadãos, o MARE e o seu ex- ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, propunham aumentar a eficiência da administração

pública definindo um núcleo estratégico do Estado e, para além disso, descentralizar o que fosse possível, implantando agências executivas e organizações sociais89 (OS), com o suposto intuito de resgatar a autonomia financeira estatal e a capacidade de implantar políticas públicas, de acordo com a velha fórmula “Estado para os pobres e mercado para os ricos”.

As duas esferas fundamentais de um Estado supostamente moderno, social- democrata, seriam caracterizadas por: 1) um núcleo burocrático voltado para a consecução das funções exclusivas do Estado e, 2) um setor de serviços sociais e de obras de infra- estrutura. O núcleo burocrático estaria voltado para as funções de governo como legislar e tributar, administrar a justiça, garantir a segurança e a ordem interna etc. O setor de serviços faria parte do Estado, mas não seria governo. Suas funções incluiriam as de cuidar da educação e da pesquisa, da saúde pública, da cultura, e da seguridade social.

Com relação ao Ensino Superior foram introduzidas modificações substanciais, como a recomendação de que o Estado, enfraquecido pelo déficit público, gradativamente se afastasse (ainda mais) da manutenção desse nível de ensino, conforme Sguissardi (2000):

[...] a educação, mormente superior, seria um serviço público não

exclusivo do Estado e competitivo, disto resultando a proposta (mais que

recomendação) constante do Plano Diretor de Reforma do Estado do atual governo90 de transformação das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) em organizações sociais, além das propostas do MEC de nova matriz de financiamento e de autonomia das Ifes – incluindo os contratos

de gestão – até a retomada, no executivo e no legislativo, da bandeira do ensino pago no ensino superior público, ao menos para aqueles que

podem pagar... (SGUISSARDI, 2000, p. 49).

O que se pode observar, portanto, das propostas que, aliás, ultrapassavam os intentos do MARE, é a tentativa de substituir uma expressão constitucional de autonomia

de gestão financeira por uma autonomia financeira do Ensino Superior. Para Afrânio Mendes Catani e João Ferreira de Oliveira,

89 “[...] um modelo de organização pública não-estatal destinado a absorver atividades publicizáveis mediante qualificação específica. Trata-se de uma forma de propriedade pública não-estatal, constituídas pelas associações civis sem fins lucrativos, que não são propriedade de nenhum indivíduo ou grupo e estão orientadas diretamente para o atendimento do interesse público” (MARE, 1998, p.13).

Como se vê, a proposta de reformulação das universidades federais implica numa pseudo-autonomia, ou melhor, numa autonomia controlada pelo Estado e pelo mercado. Na realidade, ela se insere no processo de minimização do Estado e, portanto, de limitação dos fundos públicos no tocante ao financiamento das políticas públicas. Insere-se também, como evidenciam Silva Jr e Sguissardi (1999), num quadro de subordinação da esfera educacional à esfera econômica, de restrição da esfera pública e ampliação da esfera privada (CATANI; OLIVEIRA, 2000, p.77).

Retomada pela LDB de 1996, a regulamentação do princípio da autonomia chegou a atribuir às universidades a competência para criar e extinguir cursos na própria sede e remanejar o número de vagas dos cursos oferecidos, libertando o setor privado do controle do CNE. Essa “autonomia” foi posteriormente estendida aos centros universitários, que podem usufruir também de outras atribuições da autonomia universitária desde que devidamente definidas no ato de seu credenciamento.

Garantindo legalmente diretrizes da reforma administrativo, a LDB assegura às universidades uma autonomia de que jamais gozaram: elaborar e aplicar seu próprio orçamento, sem submetê-lo à aprovação do MEC; adotar regime financeiro e contábil próprio; reavaliar operações de crédito; efetuar transferências e receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas (art. 53, inciso X). Legitima-se, assim, a busca de recursos nas mais diferentes fontes de financiamento. (SILVA JUNIOR; SGUISSARDI, 2001, p. 55)

13. Capítulo XIII