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Educação mínima, Estado mínimo, cidadão mínimo e ciência mínima

Art 96. O Conselho Federal de Educação e os conselhos estaduais de educação na esfera de suas respectivas competências, envidarão esforços

14.1. Educação mínima, Estado mínimo, cidadão mínimo e ciência mínima

A partir da pressão exercida por organismos internacionais correspondida internamente por um pequeno círculo de agentes políticos, diversas medidas têm sido implantadas no Brasil com vista à redução dos “custos” e à garantia do pagamento dos compromissos financeiros assumidos pelo Estado, por meio de mecanismos como, por exemplo, a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que em 12 anos foi responsável por uma perda de R$ 72 bilhões no financiamento da educação pública, conforme denúncia inclusive da própria mídia escrita:

O mecanismo (DRU) foi criado em 1994 e permite ao governo usar da maneira como quiser até 20% do total de impostos arrecadados pela União. Apenas de 2000 a 2007, foram R$ 45,8 bilhões perdidos pelo Ministério da Educação (MEC). [...] A Constituição prevê que 18% do valor total arrecadado com impostos federais deve ser aplicado exclusivamente em educação. O problema é que, desde a criação da DRU, esse montante passou a ser calculado após a retirada dos 20%, o que reduz o bolo total de recursos e, conseqüentemente, o valor final repassado para o setor – que acaba ficando em torno de 13%, em vez dos 18% (IWASSO; CAFARDO. Jornal O Estado de S. Paulo de 1 de outubro de 2007).

Não obstante, a resistência com relação às medidas implantadas ocorreu de modo intenso no Brasil durante toda a década de 1990, principalmente pelos setores organizados nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), acabando por modificar, mas apenas em parte, a estratégia governamental. Basta observar a Lei n° 8.958, de 20 de dezembro de 1994, que trata das polêmicas relações das universidades com as fundações privadas, das relações entre as IFES e as fundações ditas de “apoio”. A partir de então as IFES e as demais instituições de pesquisa científica e tecnológica podem contratar fundações criadas com a finalidade de dar apoio a projetos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico:

Art. 4º As instituições federais contratantes poderão autorizar, de acordo com as normas aprovadas pelo órgão de direção superior competente, a participação de seus servidores nas atividades realizadas pelas fundações referidas no art. 1º desta lei, sem prejuízo de

suas atribuições funcionais.

§ 1º A participação de servidores das instituições federais contratantes nas atividades previstas no art. 1º desta lei, autorizada nos termos deste artigo, não cria vínculo empregatício de qualquer natureza, podendo as fundações contratadas, para sua execução, concederem bolsas de ensino, de pesquisa e de extensão.

§ 2º É vedada aos servidores públicos federais a participação nas atividades referidas no caput durante a jornada de trabalho a que estão sujeitos, excetuada a colaboração esporádica, remunerada ou não, em assuntos de sua especialidade, de acordo com as normas referidas no caput.

§ 3º É vedada a utilização dos contratados referidos no caput para a contratação de pessoal administrativo, de manutenção, docentes ou pesquisadores para prestarem serviços ou atender necessidades de caráter permanente das instituições federais contratantes.

Art. 5º Fica vedado às instituições federais contratantes o pagamento de débitos contraídos pelas instituições contratadas na forma desta lei e a responsabilidade a qualquer título, em relação ao pessoal por estas contratado, inclusive na utilização de pessoal da instituição, conforme previsto no art. 4º desta lei.

Art. 6º No exato cumprimento das finalidades referidas nesta lei, poderão as fundações de apoio, por meio de instrumento legal próprio, utilizar-se de bens e serviços da instituição federal contratante, mediante ressarcimento e pelo prazo estritamente necessário à elaboração e execução do projeto de ensino, pesquisa e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico de efetivo interesse das instituições federais contratantes e objeto do contrato firmado entre ambas (BRASIL, Lei n° 8.958, de 20 de dezembro de 1994, grifos nossos).

A “natureza” das fundações assim concebidas, sem estar sob o controle das reitorias e menos ainda da comunidade universitária, permitiu que interesses privados se estabelecessem no interior das universidades públicas. Além disso, somente essas fundações estariam autorizadas a administrar os recursos públicos, cobrar por esse serviço e arrecadar valores das mensalidades e das taxas dos cursos de extensão e de pós-graduação geralmente voltados ao interesse do “mercado”, num ambiente político e econômico que congelou e até reduziu o orçamento das universidades públicas. É neste quadro que surgem uma série de denúncias de irregularidades:

Basta verificar alguns números: enquanto no ano 2000 o orçamento da USP foi da ordem de 1.100 milhões de reais (1,1 bilhão) e a receita total das fundações correspondeu a cerca de 400 milhões de reais, a parcela desses recursos que efetivamente ficaram na universidade não superaram 16 milhões de reais. Ou seja, correspondeu a apenas cerca de 1,5% do orçamento da USP! (...) em 1998, as 3 Fundações (FIA, FIPE e

FIPECAFI) ligadas a FEA movimentaram o total de 134,52 milhões de reais, enquanto o orçamento global da FEA foi de 20,5 milhões (ANDES- SN, 2006, p.33).

A lógica introduzida nas universidades preocupa ainda mais quando são considerados os seguintes dados:

• Na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) são 17 as fundações de “apoio”. A maior parte delas deixou de prestar contas periodicamente a universidade desde 1999 (MIRANDA, Revista Adusp, abril de 2007);

• Na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) a fundação de apoio (FAp) é alvo de denúncias por acúmulo indevido de funções e conflito de interesses (VALENTE; PIRES, Revista Adusp, abril de 2007); • Na Universidade Federal Fluminense (UFF) a Fundação Euclides da Cunha (FEC) segue sem prestar contas dos recursos arrecadados (LEAL, Revista Adusp, abril de 2007);

• Na Universidade de Brasília (UnB) a Fundação Universidade de Brasília (FUB) celebrou contratos com o poder público e subcontrata fundações de “apoio” contrariando resoluções e recomendações do Tribunal de Contas da União e do Ministério Público do Distrito Federal (CHRISPINIANO, Revista Adusp, abril de 2007);

• Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) a Fundação de Ensino e Engenharia de Santa Catarina (Feesc) deve R$ 5 milhões ao INSS e remunerava funcionários como se fossem prestadores de serviços (BIONDI; MANDELLI, Revista Adusp, abril de 2007);

• O Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP destituiu do cargo de diretor do Instituto do Coração (InCor), administrado pela Fundação Zerbini (FZ), o professor José Antonio Franchini Ramires devido à maneira como realizava a sua gestão responsável por uma dívida calculada em torno de R$ 200 milhões. Antes a FZ criou filiais do InCor em Brasília, Salvador e Osasco, um Centro de Pesquisas do Climatério e uma “agência social” para atuar no Programa Fome Zero do governo federal. Em 2003 tomou empréstimos da CEF e Bradesco que totalizaram R$ 24 milhões. Conseguiu ainda renegociar uma dívida de R$ 69 milhões contraída em 1998 com o BNDES (BARBOUR, Revista Adusp, abril de 2007, passim).

As fundações assim atuantes no contexto de reestruturação do Ensino Superior se encarregam pela introdução de mecanismos que facilitam o acesso de “fontes alternativas” de recursos que são controladas por uma clientela bastante restrita presente nas IES. A entrada desses recursos de “origem diversa” continuou a ser reclamada por essa clientela em decorrência da Emenda Constitucional n° 14, de 12 de setembro de 1996, que barrou os recursos necessários à expansão das universidades públicas, quando revogou o parágrafo

único do Art. 60. do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição (ADCT) de 1988, que previa o seguinte:

Art. 60. Nos dez primeiros anos da promulgação da Constituição, o Poder Público desenvolverá esforços, com a mobilização de todos os setores organizados da sociedade e com a aplicação de, pelo menos, cinqüenta por cento dos recursos a que se refere o art. 212 da Constituição, para eliminar o analfabetismo e universalizar o ensino fundamental.

Parágrafo único. Em igual prazo, as universidades públicas descentralizarão suas atividades, de modo a estender suas unidades de ensino superior às cidades de maior densidade populacional. (BRASIL, Constituição (1988). Revogado pela Emenda Constitucional n° 14, de 12 de setembro de 1996).

O governo de Fernando Henrique passou a enfatizar apenas a garantia do Ensino Fundamental como política de governo, o que corresponde às predeterminações liberais de garantir apenas o mínimo. Para complementar as linhas mestras das políticas postas em execução, foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 do governo.

15. Capítulo XV