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2. Capítulo

8.4. Limites da participação no populismo

Mudanças profundas na sociedade brasileira no final da primeira metade do século XX, como as decorrentes da crescente marginalização e exclusão, exigiam outros marcos regulatórios para o enfretamento de novos desafios. Mesmo envolta na poeira dos destroços das políticas internacionais ultra-nacionalistas e colonialistas, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946 (CF/1946), não se isentaria de garantir apenas o mínimo em termos educacionais para a formação de mão de obra no país63:

Art 168 - A legislação do ensino adotará os seguintes princípios: I - o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II - o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou

62 Nas décadas de 1930 a 1950 a urbanização e a industrialização contribuíram para o desenrolar dos processos de exclusão ao estigmatizar a pobreza com referência a cultura rural tida por indolente e desprovida de ambição. Com a migração dos anos 1950 e 1960, uma escassez de serviços urbanos cria uma categoria de subempregados como os camelôs e os biscateiros. Na década de 1970 e 1980 a concepção sobre a natureza do pobre era social e estava vinculada ao trabalho. A partir da década de 1980 o trabalhador pobre convive com uma maior precariedade de consumo, violência, banditismo. Daí o passo para naturalizar a pobreza foi possível por uma estigmatização daqueles que se localizam nas favelas, nos estratos inferiores da escala econômico-ocupacional, são pertencentes a minorias raciais étnicas e possuem comportamentos não conformistas. A noção incorpora um viés cultural em que são enfatizados o isolamento dos indivíduos, o abalo do sentimento de pertencimento social, a existência de uma anomia, a questão dos vínculos sociais e da coesão social, e de uma crise identitária (ESCOREL, 1999, passim).

63 Mas a CF/1946 inova ao preocupar-se com a garantia de serviços auxiliares e de assistência ao estudante. Cabe lembrar que a formação de mão de obra era uma das preocupações centrais do país na época, tanto é que as empresas eram chamadas a prover ensino profissionalizante.

insuficiência de recursos;

III - as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem pessoas, são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos destes;

IV - as empresas industrias e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus trabalhadores menores, pela forma que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professores [...]. (BRASIL, Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946, destaques nossos).

A brevidade dessa Constituição sobre um tema tão pungente como a educação reflete posicionamentos políticos, históricos, (re)atualizados na época, incluindo o do próprio Presidente Dutra (como observado por Motoyama, 2006), que defendia uma suposta vocação e destino agrícola do país em detrimento do estímulo de atividades mais sofisticadas, que pudessem agregar valor à produção interna e tornar o país menos dependente da ciência e da tecnologia externa. Sob este ponto de vista, quando necessário, o país poderia comprar tecnologia e manufaturados do exterior. Daí a importância das políticas cambiais e monetaristas no horizonte do incremento financeiro levado a cabo pelas transformações científicas e tecnológicas e pelo crescente intercâmbio mundial.

Independentemente da vontade dos grupos no poder, as transformações ocorridas na década de 1940 reforçam a continuidade do dilema nacional – submissão / autodeterminação –, através de uma maior preocupação objetivada nos esforços direcionados ao desenvolvimento ou não da educação, dada a criação e ampliação do número de cargos e funções laborais mais complexos, possíveis de serem atendidos nas condições em que vigora ou, ao menos, há o incentivo a uma ampliação da oferta de mão de obra escolarizada, diferenciada, especializada.

Como fator externo, os reflexos causados pela descoberta da energia atômica no fim da Segunda Guerra Mundial haveria de fomentar, por seu turno, uma maior disposição de setores da sociedade envolvidos com o desenvolvimento da educação, da ciência e da tecnologia, como parte da academia e dos militares, defensores, por exemplo, da criação do Centro Técnico de Aeronáutica (CTA) em 1945; da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em 1948; da implantação do Plano Salte em 1949, privilegiando áreas da saúde, alimentação, transportes e energia; da instalação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) junto ao CTA em 1950; do atual Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, Lei n° 1.310 de 15 de janeiro de 1951);

e de desdobramentos locais em defesa da pesquisa. Por exemplo, a Constituição de 9 de julho de 1947 do Estado de São Paulo contém uma rubrica64, destinando pelo menos meio por cento da arrecadação estadual para a pesquisa (ampliado para 1% em 1989), que resultou na criação de uma importante agência de fomento à pesquisa, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por meio da Lei n° 5.918, de 18 de outubro de 1960.

Entretanto, com o predomínio de uma cultura que incentiva a busca de soluções improvisadas, os problemas, em especial os educacionais, têm sido enfrentados com poucos e intermitentes recursos. Nessas condições, a precarização do ensino e do trabalho docente foi se tornando cada vez mais intensiva e complexa, ainda que houvesse a constituição de uma infra-estrutura mínima, com a construção de prédios escolares que parecem hospitais, prisões etc., enfim, de estruturas semelhantes àquelas unidades de internação destinadas a “(re)socializar” crianças, jovens e adultos considerados não “ajustados” à ordem.

Desse modo, os desafios colocados exigiam um efetivo planejamento educacional, cuja tentativa mais consistente se deu com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n° 4.024, de 20 de dezembro de 1961 (LDB/1961), que permaneceu por mais de uma década em debate. Essa nossa primeira LDB não conseguiu superar a já tradicional "formação escolar mínima", por exemplo, em função da Igreja Católica que, sob o manto da “liberdade de ensino”, defendia veementemente o ensino privado e era contra os posicionamentos defendidos por Anísio Teixeira, Florestan Fernandes, entre muitos outros, que contestavam a educação alçada ao patamar de privilégio, numa situação em que vigora tal “liberdade”.

Resumindo, as mudanças restritas ocorridas na área educacional durante o período histórico compreendido entre a crise econômica de 1929 e as discussões sobre a LDB de 1961 têm a sua correspondência na centralização do poder nas mãos de uma minoria. Sem uma democracia de fato, as principais medidas políticas apontadas são:

Quadro 2.

64 Artigo 123 - O amparo à pesquisa científica será propiciado pelo Estado, por intermédio de uma Fundação, organizada em moldes que forem estabelecidos por lei. Parágrafo único - Anualmente, o Estado atribuirá a essa Fundação, como renda de sua privativa administração, quantia não inferior a meio por cento do total de sua receita ordinária. (ESTADO DE SÃO PAULO, Lei n° 5.918, de 18 de outubro de 1960).

Panorama geral da arena política brasileira. Da crise de 1929 à LDB de 1961 1932 – O “Manifesto” de 1932 propunha a centralidade da educação para o desenvolvimento integral do país, a necessidade de definir novos objetivos e fins para o ensino, o planejamento da educação nacional e a urgência da educação escolar gratuita e compulsória;

1932 – O Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro, instituiu a Justiça Eleitoral, o sufrágio universal, direto e secreto e o voto feminino (“Lei Eleitoral”);

1932 – Revolução Constitucionalista de São Paulo;

1934 – A Constituição de 16 de julho, instituiu o ensino primário integral gratuito e de freqüência obrigatória, extensivo aos adultos, além de vincular recursos para o setor;

1934 – Criação da USP, incorporando faculdades e institutos isolados;

1935 – A articulação da esquerda sob a liderança do PCB, cria a ANL, com um programa democrático, anti-latifundiário e anti-imperialista; a ANL toma o poder em Natal, conquista Pernambuco e Rio de Janeiro, sendo derrotada em seguida; 1937 – A Lei Federal n° 452, de 5 de julho, organiza a Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, como padrão para as demais universidade no país;

1937 – A Constituição de 10 de novembro, implanta a ditadura do Estado Novo; 1939 – O Decreto-Lei n° 1.190, de 4 de abril de 1939, tenta organizar a Faculdade Nacional de Filosofia, também como padrão para o país;

1945 – Derrubada de Vargas pelos militares, diante de uma ameaça de golpe, e posse do general Eurico Gaspar Dutra, que assume após eleição;

1945 – Os reflexos causados pela descoberta da energia atômica fomenta um envolvimento maior de setores da sociedade com a defesa da educação, ciência e tecnologia;

1945 – Criação do Centro Técnico de Aeronáutica (CTA);

Pós 1945 – A marginalidade começa a aumentar, representando um tipo particular de inserção dos indivíduos na estrutura social;

1946 – A Constituição de 18 de setembro, mantém a garantia de formação escolar mínima e, no mais, a formação de mão de obra como preocupação central;

1947 – A Constituição do Estado de São Paulo, contém uma rubrica que destina, pelo menos, meio por cento da arrecadação estadual para a Pesquisa;

1948 – Criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); 1948 – O III Congresso Nacional dos estabelecimentos particulares de ensino, foi responsável por pressionar politicamente o balizamento do papel do Estado na área educacional;

1949 – O Plano Salte privilegia áreas da saúde, alimentação, transportes e energia; 1950 – “Abertura” da economia brasileira ao capital estrangeiro. A inflação começa a deteriorar a situação econômica do país;

1951 – Criação do atual Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq – Lei n° 1.310, de 15 de janeiro);

1961 – A LDB/1961, de 20 de dezembro, defini um referencial maior para a organização e o funcionamento da educação no Brasil.

9. Capítulo IX